A sociedade civil moçambicana organiza-se para impedir a extradição do anterior ministro das Finanças Manuel Chang de uma prisão sul-africana para Moçambique. Os ativistas têm mais fé na Justiça dos EUA.
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É uma nova tentativa de travar a extradição de Manuel Chang para Moçambique. O Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), uma plataforma de organizações da sociedade civil, recorreu ao Tribunal Superior da África do Sul contra a decisão do Governo sul-africano de extraditar o ex-ministro das Finanças para Moçambique e não para os Estados Unidos da América (EUA), onde é acusado de crimes financeiros.
O portal Carta de Moçambique escreveu que o recurso do FMO foi a "última cartada" para que Chang não seja extraditado para o seu país natal. Com o pedido, o Fórum volta a passar o caso para as mãos da Justiça sul-africana.
Em entrevista à DW, Denise Namburete, coordenadora do FMO, diz que extraditar Chang para Moçambique seria ilegal, pois no pedido de extradição do ex-ministro não constava qualquer acusação formal contra Chang - ao contrário do que aconteceu com o pedido dos EUA.
DW África: O que é que o FMO pretende com este recurso?
Denise Namburete (DN): Pretendemos ser ouvidos. O que acontece é que no dia 26 de junho, Manuel Chang submeteu ao Ministério da Justiça um apelo para que seja extraditado para Moçambique. Portanto, solicitando que o Ministério da Justiça cumpra com a decisão do anterior ministro da Justiça sul-africano. Mas este limitou-se a emitir um comunicado de imprensa dizendo que seria a favor da extradição de Chang para Moçambique. Contudo, nenhum processo legal foi seguido, os serviços correcionais não receberam nenhuma instrução para extradição dele para Moçambique, e nós vemos aí uma oportunidade para contestar o apelo que o Sr. Chang neste momento faz ao atual ministro da Justiça.
Extradição de Manuel Chang contestada
DW África: Porque é que o FMO quer evitar a extradição de Manuel Chang para Moçambique?
DN: Essencialmente porque em Moçambique não existe nenhum processo acusatório contra Manuel Chang. Para nós isso significa que, assim que ele aterrar em Moçambique, não será preso e não será investigado e julgado. Então o objetivo do Fórum é que ele seja responsabilizado. Neste momento, o único processo de acusação contra ele corre nos Estados Unidos [da América]. Vemos que é lá que teremos a oportunidade de perceber melhor os contornos deste caso complexo de ilegalidade.
DW África: Mas porquê este recurso só agora? Foi estratégia do FMO?
DN: Absolutamente não. Nós temos estado ao longo do ano a monitorar os passos todos da Justiça e das autoridades sul-africanas, e desde o anúncio do anterior ministro da Justiça sul-africano, desde o anúncio da sua decisão de extradição de Chang para Moçambique, que nada mais aconteceu. Portanto, não havia nem a oportunidade, nem abertura para o FMO agir. No momento em que tomamos conhecimento do apelo do Sr. Chang no dia 26 às autoridades sul-africanas, decidimos então que temos uma abertura, um espaço, para contestar. E é isso que o FMO fez.
DW África: Está marcada para 16 de julho uma audiência sobre este recurso. O que é que o FMO vai dizer ao Tribunal Superior na próxima semana?
DN: Na verdade, sugerimos uma audiência para o dia 16. Não temos ainda a confirmação dessa data, mas esperamos que o Tribunal Superior responda favoravelmente. O que pretendemos dizer é que a decisão do anterior ministro da Justiça é inconstitucional, viola a Constituição da República Sul-Africana, viola o acordo de extradição com ambos os países, porque no processo de pedido de extradição não existe nenhuma acusação contra Manuel Chang. Esse é o nosso principal argumento.
DW África: Portanto, esta é uma forma de chamar o caso novamente à Justiça sul-africana, afastando-o da política sul-africana?
DN: Exatamente.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)