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ConflitosNíger

Níger: Retirada francesa é risco para estabilidade no Sahel?

Mimi Mefo
27 de setembro de 2023

Depois de o Níger saudar a retirada militar e diplomática francesa como um "passo rumo à soberania", especialistas alertam que celebrações podem ser prematuras devido às implicações para o país e para a região do Sahel.

Uma mulher e crianças seguram cartaz durante manifestação, em agosto, contra a França na capital do Níger, Niamey
Manifestação, em agosto, contra a França na capital do Níger, Niamey Foto: Souley Abdoulaye/Afrikimages Age/IMAGO

O anúncio do Presidente Emmanuel Macron no domingo (24.09) de que a França retirará o seu embaixador do Níger juntamente com o contingente militar francês foi recebido com satisfação no país. Os líderes militares nigerinos expressaram aprovação e exaltaram o facto como um passo significativo para a conquista da soberania.

Mas a junta militar não comemorou sozinha. Ali Idrissa, coordenador nigerino da "Publish What you Pay" ("Publica o que pagas"), uma rede de organizações da sociedade civil que defende a transparência financeira no setor extrativista, saudou a retirada francesa como uma "vitória do povo nigerino, que lutou por isso" e também enfatizou o caráter popular do movimento.

Já o ativista Maikoul Zodi fez questão de ressaltar o que considerou uma "reviravolta sem precedentes" do Presidente Macron. "Para nós, essa é uma vitória clara porque, há uma semana, ele [Macron] dizia que só o Presidente deposto, Mohamed Bazoum, tinha o direito de ordenar a retirada das tropas francesas. Agora o povo do Níger mostrou que o país pertence aos nigerinos", disse à DW.

Um homem segura um cartaz onde se lê "abaixo a França", enquanto civis nigerinos protestam em frente a uma base aérea em NiameyFoto: AFP

Festejos com "cautela"

Apesar dos vários golpes militares que ocorreram na África Ocidental nos últimos dois anos, a situação no Níger é mais delicada porque tem impactos não apenas o próprio país, mas também a região do Sahel, além de ter implicações mais amplas para a África Ocidental e a geopolítica transcontinental.

O analista político ganense Mutaru Mumuni Muqthtar, diretor-executivo do Centro da África Ocidental para o Combate ao Extremismo (WACCE), alerta que é importante considerar o futuro do Níger, um dos países mais pobres do mundo.

"O júbilo [que agora se vê] não deverá durar muito, porque o país, no momento, não tem a capacidade de prosperar sozinho rumo à estabilidade, garantindo os avanços contra as ameaças com as quais lida", disse Muqthtar.

"Segurança frágil"

O Níger, sob o comando do Presidente deposto, foi um ator importante na luta contra o terrorismo jihadista. A França ainda tem aproximadamente 1.500 soldados estacionados no Níger como parte do esforço para pacificar a região do Sahel. Mas, de acordo com o Presidente Macron, as autoridades pós-golpe nigerinas "não têm mais interesse em combater o terrorismo".

O especialista Muqthtar concorda que a saída da França do Níger prejudicou muito os esforços de combate ao terrorismo. "O desligamento oficial da França pode ter consequências drásticas para a região lidar com o extremismo e a violência", ressaltou.

Kabir Adamu, analista especializado em assuntos relacionados com o Sahel, define a atual situação de segurança na região como "terrível", lançando um apelo à comunidade internacional para prestar mais atenção à crise que se desenrola.

"Poderemos ter uma repetição do que aconteceu no Afeganistão. Há vastas extensões de terra que estão sendo dominadas por grupos armados que não pertencem ao Estado, e isso é muito preocupante", disse Adamu à DW.

O general Abdourahamane Tiani, o novo homem forte do NígerFoto: Télé Sahel/AFP

"Não precisamos deles"

Mas muitos nigerinos estão cientes dos desafios que têm pela frente e insistem que estão dispostos - e são capazes - de enfrentá-los sozinhos. Abdoulkari Hassane Maikano reside na capital Niamey e diz que a presença francesa no Níger ainda não trouxe benefícios significativos.

Pelo contrário, "já faz muito tempo que a França trouxe o seu exército para o Níger, mas não conseguiram erradicar o terrorismo. Eles têm segundas intenções... Sabemos muito bem que estão a destruir-nos lentamente", disse à DW.

Marzouk Doulla, outro residente de Niamey, concorda com Maikano. "Os militares franceses devem sair imediatamente, porque realmente não precisamos deles", conclui.

Ativistas como Idrissa rejeitam o pessimismo dos especialistas. Acredita que as ações do povo do Níger mostram determinação para levantar o país e fazê-lo funcionar. "Permaneceremos vigilantes e garantiremos que um plano de retirada claro seja desenvolvido para fazer jus à nossa tarefa", disse.

Mucahid Durmaz, analista sénior da Verisk Maplecroft, uma empresa de risco sediada em Londres, explicou que crescem as preocupações entre as pessoas sobre a presença de forças militares ocidentais em África.

Soldado das tropas francesas no NígerFoto: Dominique Faget/AFP

Outros desafios

Além das questões de segurança, o Níger enfrenta outros desafios sérios como o desemprego entre os jovens e uma frustração generalizada com a situação económica do país.

Segundo o especialista Muqthtar, a receita interna insuficiente tornará difícil para a junta financiar ideias ou projetos de desenvolvimento atualmente em discussão.

Também reduzir a ajuda externa poderá prejudicar ainda mais o almejado progresso, tendo resultados desastrosos, alertou ele.

"No próximo ano, começaremos a ver dissidência interna e frustração da população local contra a junta militar em vigor", disse. "Porque [os militares] não terão força suficiente para avançar, e tampouco a força financeira para sustentar a situação atual", afirmou Muqthtar.

Apoiantes da junta militar no Níger invadem base aérea francesaFoto: Balima Boureima/AA/picture alliance

Questões geopolíticas

Uma das maiores consequências da retirada francesa do Níger foi uma mudança nas alianças internacionais. Primeiro, por causa da recusa dos líderes nigerinos em recuar após as ameaças de intervenção da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). E também devido às suas novas alianças com juntas militares em outros estados que sofreram golpes recentementee, por último, devido a insistência na retirada da França.

"A saída da França do Níger empurrará as tropas ocidentais para mais longe do Sahel", argumenta o analista Durmaz. E é improvável que a situação mude, já que todos os esforços internacionais e diplomáticos para fazer com que os líderes do golpe recuem fracassaram.

"A liderança militar é cada vez mais desafiadora, pois busca se estabelecer como uma entidade independente que opera sozinha, sem ditames internacionais ou orientação de parceiros regionais", explicou Muqthtar.

Por causa deste crescente sentimento "antifrancês", especialistas acreditam que o Níger provavelmente substituirá as potências ocidentais por outros parceiros. De acordo com Adamu, embora incerta, esta mudança poderia beneficiar o Níger.

"Possivelmente, nestas negociações para novas parcerias, a equidade e a justiça podem ser melhores do que as atuais", disse à DW.

O analista Muqthtar concorda que outros parceiros não-ocidentais provavelmente aumentarão sua presença no Níger. E "há espaço para que a Rússia, a China e outros parceiros não-ocidentais se estabeleçam em África Ocidental", disse.

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