À medida que os combatentes de Tigray se retiram para a sua região de origem, há novas esperanças de um cessar-fogo definitivo na Etiópia. Mas os obstáculos a uma paz duradoura são enormes.
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A Frente Popular de Libertação do Tigray (TPLF) garantiu recentemente numa carta enviada ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que a retirada das suas tropas das regiões de Afar e de Amhara visava preparar caminhos para a cessação das hostilidades e abrir espaço para as conversações de paz.
No entanto, o governo do primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, minimizou o anúncio da retirada, que considera um truque da TPLF para encobrir a derrota esmagadora por parte do exército nacional.
O governo etíope afirmou, numa declaração divulgada na rede social Twitter, que as suas forças não farão mais avanços na região de Tigray. Mas advertiu que a decisão poderá ser anulada se "a soberania territorial" for ameaçada.
O analista Murithi Mutiga, do International Crisis Group, classifica a retirada da TPLF como "uma réstia de esperança" para o eventual fim da guerra civil, que assola a Etiópia há mais de 13 meses.
Caminho difícil para a paz
Mas os obstáculos para uma paz definitiva são ainda muitos, lembra Mutiga, devido à profunda desconfiança entre as partes em conflito.
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O analista entende ainda que qualquer negociação da paz exige muitas cautelas por parte das autoridades etíopes para não provocar atritos com os aliados mais próximos, os Amhara, o segundo maior grupo étnico da Etiópia.
A região de Tigray e a região de Amhara, que faz fronteira com Tigray a sul, estão envolvidas há décadas numa disputa por terra.
Para cada um destes aliados, qualquer tentativa de negociação com o TPLF pode ser considerada uma traição.
O papel da Eritreia
O mesmo se aplica à Eritreia, que tem sido uma forte apoiante do primeiro-ministro desde o início do conflito, em novembro de 2020, mesmo que ambas as partes tenham inicialmente tentado esconder o envolvimento das tropas eritreias no conflito.
Abiy recebeu o Prémio Nobel da Paz de 2019 por ter feito as pazes com a Eritreia, o inimigo de longa data do seu país.
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Tal como Abiy, o Presidente da Eritreia Isaias Afwerki encara a TPLF como uma ameaça ao seu domínio do poder. Também vê Tigray como um refúgio para os dissidentes refugiados da Eritreia.
A questão da Eritreia é das mais difíceis, explica à DW o analista Murithi Mutiga. "A Eritreia preferiria ver os líderes militares do Tigray derrotados a todo custo. Por isso, o Governo etíope tem de ser cauteloso para evitar a desintegração do Estado", alerta.
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Apelos à pressão internacional
Neste momento, multiplicam-se os apelos para o aumento da pressão internacional sobre as partes envolvidas no conflito para um cessar-fogo e garantir as negociações de paz no país.
Mas há quem olhe para o conflito como um assunto interno, como a China e Rússia, dois dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Os aliados estrangeiros da Etiópia, como o Irão, a Turquia e a Arábia Saudita, forneceram recentemente drones e outro equipamento militar para as forças governamentais, que contribuíram largamente para as recentes derrotas do TPLF.
Assim sendo, Murithi Mutiga acredita que o fim do conflito em Tigray não é prioritário para estas potências. "A Etiópia é um país altamente estratégico. Está envolvido não só no Corno de África, mas também na política sobre o Mar Vermelho, das águas do rio Nilo. É também o segundo país mais populoso de África e um dos países que tem um grande potencial económico", explica o analista.
Economia estagnada
Depois de mais de um ano de guerra, a economia da Etiópia atravessa grandes dificuldades. Em outubro, a inflação homóloga situou-se nos 34% e os preços dos alimentos atingiram um pico de 41% no mesmo mês.
Dados das Nações Unidas apontam que 22 milhões de etíopes necessitarão de assistência humanitária em 2022.
O conflito em Tigray já provocou morte de vários milhares de pessoas e fez mais de dois milhões de deslocados, deixando ainda centenas de milhares de etíopes em condições de quase fome, de acordo com a ONU.
África em 2021
África teve a sua dose de crises em 2021, como em Cabo Delgado, Moçambique, e na Etiópia. Mas também há histórias positivas para contar. Uma Presidente fez frente à Covid-19 e a literatura africana triunfou.
Foto: Moses Sawasawa/AFP/Getty Images
Reviravolta na Tanzânia
O Presidente da Tanzânia, John Magufuli, nunca admitiu que o país estava a ser afetado pela Covid-19. Até que morreu inesperadamente, em março, de insuficiência cardíaca, segundo fontes oficiais. Foi sucedido pela primeira mulher na chefia do Estado tanzaniano, Samia Suluhu Hassan. A Presidente não só reconheceu o perigo representado pelo coronavírus, como deu um bom exemplo deixando-se vacinar.
Foto: Ericky Boniphase/DW
Na liderança do comércio internacional
A economista Ngozi Okonjo-Iweala dirige a Organização Mundial do Comércio (OMC) desde março. As prioridades da antiga ministra das Finanças e dos Negócios Estrangeiros da Nigéria e ex-presidente da Aliança Global para Vacinas e Imunização (GAVI) são a equidade na imunização e uma maior participação dos chamados países em vias de desenvolvimento.
Foto: Luca Bruno/AP Photo/picture alliance
O príncipe herdeiro
Em 30 anos no poder, Idriss Déby Itno transformou o Chade num parceiro militar anti-islamista importante para a Europa no Sahel. Mas resistiu sempre à democratização. Horas após a sua reeleição em abril, as forças armadas anunciaram a morte do Presidente em visita às tropas. Seguiu-se a entrega imediata do poder ao seu filho Mahamat Idriss. Há quem considere ter-se tratado de um golpe de Estado.
Foto: MARCO LONGARI/AFP
A multiplicação dos golpes
Outros países também sofreram mudanças violentas de liderança. Em maio, os militares no Mali encenaram um golpe de Estado pela segunda vez em nove meses. Em setembro, Mamady Doumbouya (na foto a acenar) pôs fim ao regime de Alpha Condé na Guiné. E, em outubro, foi deposto o Governo de transição no Sudão. Desde então, o povo do Sudão tem saído às ruas para protestar contra o atentado à democracia.
Foto: CELLOU BINANI/AFP/ Getty Images
O alerta que falhou
Existe um sistema de alerta precoce em Goma para o caso de erupções vulcânicas. Mas o observatório foi encerrado por suspeitas de emprego fictício e corrupção. Tal como em 2002, a erupção do Nyiragongo em maio apanhou desprevenida a cidade no leste da República Democrática do Congo. Dezenas de pessoas morreram, centenas de milhares tiveram de fugir.
Foto: Moses Sawasawa/AFP/Getty Images
A união faz a força?
Para o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, a participação, desde julho, de 2000 soldados ruandeses na luta contra os islamistas na província de Cabo Delgado é uma "cooperação exemplar". O Presidente Paul Kagame (centro-esquerda), visitou Moçambique. As tropas da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), que também prestam apoio militar a Maputo, têm atraído menos atenção.
Foto: Estácio Valoi/DW
A guerra civil na Etiópia vitimiza os inocentes
O primeiro-ministro e Prémio Nobel da Paz da Etiópia, Abiy Ahmed, desiludiu as esperança de negociações no conflito na região do Tigray. Recentemente, as forças do Tigray manifestaram disposição para dialogar. A violência atinge os civis como esta jovem de 17 anos ferida. Conta que um combatente entrou na sua casa e abriu fogo. A retórica desumana faz com que os observadores temam um genocídio.
Foto: Maria Gerth-Niculescu/DW
Isolados do mundo
Desde 2020, o coronavírus matou 90.000 pessoas na África do Sul, num total de 3,3 milhões de infeções. Em novembro, investigadores sul-africanos descobriram a variante Ómicron. Em vez de agradecimentos, seguiu-se o isolamento internacional: viagens a partir deste e outros países africanos foram proibidas. O Presidente Cyril Ramaphosa acusou o norte global de "apartheid" na distribuição da vacina.
Foto: Jerome Delay/AP Photo/picture alliance
O regresso de bens roubados
2021 marcou um ponto de viragem nas décadas de disputa em torno do património cultural africano na Europa. A França, Alemanha, Bélgica e Grã-Bretanha reconheceram que objetos roubados nas antigas colónias pertencem ao continente africano - e que devem regressar o mais depressa possível. Em novembro, o Benim recebeu com honras militares o trono do rei Dahomey Guézo, anteriormente exposto em Paris.
Foto: Seraphin Zounyekpe/Presidence of Benin/Xinhua/picture alliance
A França retira-se, o Mali quer liderar
Após quase nove anos, em dezembro os militares franceses retiraram-se de Timbuktu, no norte do Mali, onde começou a ofensiva contra os islamistas em 2013. A França continua presente no sul do país. Em entrevista à DW, o ministro maliano dos Negócios Estrangeiros, Tiébilé Dramé, afirmou que o Mali está disposto a assumir a liderança nos combates, mas que deve ser equipado para o efeito.
Foto: Blondet Eliot/ABACA/picture alliance
Literatura global de origem africana
Autores ocidentais costumam dominar os prémios literários internacionais. No ano de 2021, foi diferente. Abdulrazak Gurnah, nascido em Zanzibar, ganhou o Prémio Nobel da Literatura. O prémio Booker foi para o sul-africano Damon Galgut. Tsitsi Dangarembga, do Zimbabué (foto), recebeu o Prémio da Paz da Associação dos Livreiros Alemães. E o Prémio Goncourt foi para o senegalês Mohamed Mbougar Sarr.
Foto: Thomas Lohnes/dpa/picture alliance
Vamos dançar
Toda a África dança a rumba congolesa. E nas duas repúblicas do Congo, não se trata apenas de música, é todo um modo de vida. "Sem a rumba há caos", diz um ouvinte da DW. Cinco anos após a morte da figura icónica do género, Papa Wemba, a rumba congolesa tornou-se um Património Mundial intangível da UNESCO. O que encheu o Presidente da RDC, Félix Tshisekedi, de "alegria e orgulho".