Revisão da lei eleitoral moçambicana negociada "em segredo"
9 de abril de 2024Segundo o Centro de Integridade Pública (CIP), o partido no poder, a Frente de Libertação de Moçmbique (FRELIMO), e os partidos da oposição Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e Movimento Democrático de Moçambique (MDM) estarão "a negociar em segredo" uma revisão da lei eleitoral.
"O grupo de revisão da legislação acordou trabalhar em segredo, sem comunicar à imprensa, aos partidos extraparlamentares e à sociedade civil, até alcançar consensos sobre os artigos e o respetivo conteúdo a alterar", denuncia Borges Nhamirre, autor do artigo publicado no boletim do CIP.
Depois disso, acrescenta, levarão o projeto da revisão eleitoral "para ser rapidamente chancelado pela Assembleia da República, sem dar tempo do mesmo ser conhecido e debatido pela sociedade", afirma o investigador. Uma prática que, aliás, não é nova, explica em entrevista à DW África.
DW África: Porque é que um dossier tão importante como a revisão da lei eleitoral está a ser discutida sem envolver a sociedade civil?
Borges Nhamirre (BN): Porque eles estão mais interessados em defender os seus interesses particulares, não necessariamente interesses que tenham que ver com a transparência nas eleições. Então, eles entenderam que os três partidos com assento no Parlamento poderiam encontrar um meio termo que satisfaça a todos eles e avançar para as negociações.
DW África: Trata-se de uma prática nova por parte dos três partidos com assento parlamentar?
BN: Não é uma prática nova, é uma prática antiga. Eles combinam, mas depois quando chega a vez da lei ser aplicada, que é no período das eleições, então, aparecem as acusações e amiúde tem dado em violência pós-eleitoral. Muitos atos eleitorais são praticados assim, de uma forma secreta, e essa revisão da lei só o começo. Mas até, por exemplo, o apuramento geral de votos na Comissão Nacional de Eleições, onde estão representados os três partidos, acontece muitas vezes de forma secreta, trocam números de votos sem comunicar à imprensa, à sociedade. Aliás, o próprio Conselho Constitucional vai mudando números de votos sem comunicar à sociedade, vai trocando os editais sem comunicar à sociedade. Então, é uma prática antiga de falta de transparência na condução do processo eleitoral.
DW África: Portanto, reuniões dos partidos à porta fechada não são o palco certo para debater esta questão?
BN: Não, não são. Aliás, o lugar onde deviam ser debatidos esses assuntos é o Parlamento, mas esse grupo não está sequer a debater no Parlamento, está a debater em outro lugar neutro, sem ter comunicado aos moçambicanos.
DW África: E segundo as suas informações, os três partidos estão em vias de chegar a um consenso no que diz respeito a uma nova lei eleitoral?
BN: O problema é que estão a enganar-se uns aos outros, não se estão a entender. Dos 74 artigos, só há consenso em 19 artigos e são artigos não relevantes, não são a essência, porque a essência tem que ver com o poder que os tribunais e distritos, que são os tribunais eleitorais de primeira instância, têm.
DW África: E na vossa perspectiva, com uma nova e melhor lei eleitoral poder-se-ia evitar esse tipo de conflitos que houve, por exemplo, nas últimas autárquicas, em que houve várias decisões dos tribunais eleitorais e anulações de eleições ou mandatos para repetir contagens?
BN: Poderia minimizar sim, com uma revisão da lei correta. E os deputados também têm de saber que eles não são necessariamente especialistas. Não há nada melhor do que tornar este debates públicos. Aliás, tem sido prática no Parlamento que, quando há uma revisão de lei importante, eles divulgam essa legislação e consultam as organizações da sociedade civil com especialidade nessa área, consultam as academias e personalidades com conhecimentos. Agora estão a fazê-lo secretamente.