Ritual que propaga a SIDA interditado em Moçambique
1 de junho de 2012 Segundo as crenças locais, o ritual da kutchinga ou kupitakufa, era necessário para purificar as viúvas. Mas a prática pode ter contribuído para a propagação da SIDA em Moçambique, pais da África subsaariana que, com 11,5% da população atingida, regista um dos maiores índices de seroprevalência no mundo. E em Moçambique a infeção com HIV é mais elevada entre mulheres e homens viúvos, situando-se respetivamente em 36% e 29%.
Responsável pela abolição foi a Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO). Os curandeiros filiados nesta associação passam, de imediato, a estar proibidos de recomendar práticas tradicionais de purificação de viúvas através de relações sexuais desprotegidas.
Rituais de purificação alternativos não nefastos
Para além de obrigas a viúva a relações carnais desprotegidas, o kutchinga pode também implicar o seu casamento com um parente do defunto, mesmo que este seja já casado. Alternativamente pode ser indicado um membro da comunidade considerado purificador nato e suficientemente experiente para realizar o kutchinga
Este ritual é praticado em todo o país, sobretudo nas zonas rurais, baseado na crença de que a purificação da viúva afasta os azares e infortúnios que vêm dos espíritos e ancestrais. O porta-voz Nacional da AMETRAMO, Fernando Mathe, que é curandeiro há vinte anos, explica que o que levou a sua organização a abolir este ritual, foi a constatação que por vezes o indivíduo que vai concretizar o ritual, é seropositivo: “Ou também pode ser a senhora que está afetada. Então a crença acaba por expandir a infeção e ser prejudicial”.
A DW África perguntou a Fernando Mathe que rituais alternativos a AMETRAMO estaria a considerar à prática do kutchinga: “O uso de algumas ervas para se fazerem os banhos, dar um banho à pessoa, limpar a casa e usar outros meios que não vão ser os de kutchinga”.
As mulheres saúdam a proibição
A proibição da purificação das viúvas através de relações sexuais desprotegidas foi bem acolhida por mulheres já atingidas por esta prática. É o caso de Deolinda Khossa, residente no bairro 25 de junho, nos arredores da capital, Maputo, que contou a sua história à DW África. “Perdi o meu marido há anos e a família obrigou-me a fazer kutchinga com o meu cunhado. Nessa relação contraí uma tosse que não passava. No hospital diagnosticaram-me tuberculose e Sida. Daí já não conseguia fazer mais nada para o meu sustento. Mas a família do meu marido abandonou-me e não deu qualquer tipo de assistência nem a mim nem aos meus filhos”. Deolinda Khossa é clara: “Estou feliz pelo fim da kutchinga”. Maria, outra vítima dos ritos tradicionais de kutchinga, que reside no bairro Laulane, na periferia da cidade de Maputo. Diz que as viúvas são maltratadas pelos familiares dos maridos quando as obrigam a fazer kutchinga com o irmão do defunto. “É uma forma de eles se apoderarem dos nossos bens. Hoje estou doente. Quando disse que contraí a doença na relação sexual com o meu cunhado eles recusaram-se a reconhecer o facto e expulsaram-me de casa. Tiraram-me a minha casa, tiraram-me todos os bens e hoje sofro”. Também Maria diz: “Defendo que esta prática seja erradicada”.
Multas para quem persistir na prática
Em Moçambique as organizações não-governamentais têm desempenhado um importante papel nas campanhas de prevenção e combate à SIDA. Teresa Xavier, membro da Kindlimuka e da MONASO, a rede de organizações não governamentais ligadas ao combate a esta pandemia, saúda a decisão de abolir o kuchtinga: ”É a decisão acertada”. Isto porque “era uma cadeia de transmissão que nunca mais parava a propagação do HIV em Moçambique”.
Um dos desafios imediatos para fazer valer esta decisão é a mudança de atitude dos vários atores da sociedade, sobretudo os curandeiros enquanto entidades que legitimam o kucthinga. O porta-voz da AMETRAMO, Fernando Mathe, diz que estão previstas sanções para os curandeiros que persistirem na pratica destes rituais, por exemplo, através de uma multa de 2500 meticais. Caso um curandeiro reincida, pode ser interditado a exercer a sua profissão.
Autor: Leonel Matias (Maputo)
Edição: Cristina Krippahl/António Rocha