Em entrevista exclusiva à DW, Victoire Ingabire afirma que está "a lutar pela abertura do espaço político ruandês" com a sua nova formação política, "o que não significa que a perseguição e intimidação vão parar".
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Victoire Ingabire, uma das principais figuras da oposição ruandesa, abandonou a presidência da FDU – Forças Democráticas Unificadas, partido que fundou, para criar uma nova formação política: Dalfa Umurunzi - o Grupo de Desenvolvimento e Liberdade para todos. O novo partido ainda não foi legalizado, mas, em entrevista exclusiva à DW, na capital do país, Kigali, Victoire Ingabire afirma que que está "a lutar pela abertura do espaço político ruandês".
A economista e dirigente política passou oito anos na prisão, acusada de minimizar o genocídio que matou 800 mil pessoas no Ruanda em 1994 e de conspirar contra o Estado. Foi detida em 2010, pouco tempo depois de regressar do exílio na Holanda, quando se preparava para apresentar a sua candidatura às eleições presidenciais contra o Presidente Paul Kagame, que governa o país com mão-de-ferro há mais de 25 anos. Em setembro de 2018, foi posta em liberdade sob uma amnistia concedida pelo chefe de Estado ruandês a mais de 2 mil detidos.
Desde então, diz Victoire Ingabire, tem sofrido repetidas intimidações e deixou de ter condições para sustentar a FDU, devido à perseguição política que levou os dirigentes do partido a abandonar o país. "Sim, deixei a FDU, um partido que fundámos em 2006 e que foi legalizado em 2010 para participar nas eleições presidenciais. O processo eleitoral não correu bem e fui detida durante oito anos. Em 2017, os membros do órgão do partido que viviam no Ruanda também foram presos. O que significa que só os dirigentes que estavam fora do país é que podiam manter o partido em ativo. Depois da minha libertação, ainda não tenho autorização para viajar para fora do país", explica.
Ameaças e intimidações continuam
Na impossibilidade de fazer funcionar a direção do partido dentro do país, decidiu-se, de forma unânime, avançar com um novo projeto político: "Concordámos que não poderíamos levar avante a FDU sem condições para fazer reuniões no Ruanda. Decidimos separar-nos e eu criei o meu próprio partido no país, com as pessoas que sofrem intimidação como eu. O que não significa que a perseguição e a intimidação vão parar", ressalva.
Ruanda: Líder da oposição funda novo partido
O antigo partido da líder da oposição, a FDU, faz parte da plataforma de organizações políticas P5, que o Governo ruandês classifica como terroristas. Há uma investigação policial em curso que levou Ingabire a ser interrogada há duas semanas, sobre um ataque que matou 14 pessoas no início de outubro, junto à fronteira com a República Democrática do Congo. No início deste ano, um relatório da ONU considerou que o P5 tinha um grupo rebelde a operar na RDC.
No entanto, segundo Victoire Ingabire, "a criação do novo partido não tem nada a ver com os interrogatórios" a que foi sujeita. "Estamos a lutar pela abertura do espaço político ruandês. Em troca, recebemos ameaças e intimidações. Sou sempre suspeita quando há um ataque em qualquer sítio, mesmo sabendo que não tenho nada a ver com isso. A luta continua, apesar de saber que não é fácil".
Nesta entrevista à DW, Victoire Ingabire, que foi proibida de concorrer às presidenciais, deixou tudo em aberto quando ao futuro político do novo partido em termos de eventuais coligações partidárias, não excluindo a possibilidade de se aliar ao partido no poder, o FPR.
O genocídio no Ruanda
O genocídio no Ruanda, 25 anos atrás, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo a França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/dpa
O pontapé do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então Presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o Presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do Presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiraram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação Radio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura", incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura desportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. E permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo, onde representam até hoje uma ameaça para o Ruanda.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste congolês.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do Governo. Os rebeldes assumiram o controlo da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um Governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o Presidente do Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebés, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.