Ruanda vai a votos para escolher (atual) Presidente
Nasra Bishumba | Simone Schlindwein | AP | mjp
4 de agosto de 2017
Quase 7 milhões de ruandeses são chamados às urnas para votar nas presidenciais. Antes mesmo do arranque da votação, a vitória já é reivindicada pelo Presidente Paul Kagame, que concorre a um terceiro mandato.
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Os eleitores ruandeses decidem, esta sexta-feira (04.08), entre três candidatos presidenciais, mas Frank Habineza, do Partido Verde, e o independente Philippe Mpayimana têm poucas hipóteses contra o Presidente Paul Kagame. O próprio chefe de Estado classificou a corrida como uma "formalidade", frisando que não há dúvidas quanto ao resultado das eleições.
Paul Mugenzi vai votar pela primeira vez. Ainda assim, não está entusiasmado com o processo: "Acho que é aborrecido. Já sabemos quem vai ganhar", diz. "O Presidente Paul Kagame vai vencer, é óbvio, com estas multidões nos seus comícios, comparando com os seus opositores. Se outra pessoa ganhasse as eleições, seria um choque."
O sucesso de Kagame
Ao longo dos anos, o partido no poder, a Frente Patriótica do Ruanda (RPF), conquistou um grande apoio em todo o país, muito por causa da sua estratégia de desenvolvimento socioeconómico. Em Kigali, os residentes acordaram na madrugada de quarta-feira ao som dos altifalantes anunciando o último ato de campanha eleitoral de Kagame, e, em apenas duas horas, milhares de apoiantes do Presidente ruandês encheram as ruas da capital.
O ambiente surpreendeu o antigo vice-Presidente do Quénia, Moody Awori, que lidera a missão de observação da Comunidade da África Oriental no Ruanda: "Estou realmente surpreendido por ver que em muitas regiões se ouve barulho. Normalmente, é difícil perceber que está a decorrer a campanha eleitoral no Ruanda. Mas o facto de não esperarmos nada invulgar não nos impede de vir aqui observar as eleições", afirmou Awori.
Dificuldades da oposição
Além do sucesso dos comícios de Paul Kagame, há poucos sinais da campanha eleitoral no país.
Os candidatos estão proibidos de afixar cartazes na maioria dos locais públicos. A comissão eleitoral veta as mensagens dos candidatos e ameaça bloquear as suas contas nas redes sociais. Organizações de defesa dos direitos humanos acusam o regime de usar táticas intimidatórias para garantir o sucesso eleitoral e afirmam que a população tem medo de se associar aos opositores do Governo. Alguns dos eventos do candidato independente Philippe Mpayimana, por exemplo, estiveram praticamente vazios.
Ainda assim, no norte do Ruanda, numa aldeia perto das montanhas Virunga, Frank Habineza conseguiu recentemente mobilizar uma centena de pessoas. Com 40 anos, o candidato do Partido Verde enfrentou muitas dificuldades para ver a sua candidatura aprovada. O secretário do seu partido está desaparecido há dois anos e o corpo decapitado do seu número dois foi descoberto em 2010 em Butare, uma cidade do sul do país.
Para Habineza, é um ato de coragem concorrer contra Paul Kagame, no poder há mais de 20 anos – primeiro, como ministro da Defesa, depois como vice-Presidente e, nos últimos 14 anos, na Presidência.
Segundo a Constituição do Ruanda, Kagame não poderia candidatar-se novamente após dois mandatos de sete anos. Mas, num referendo em 2015, 98% dos ruandeses aprovaram a candidatura do Presidente a um novo mandato. Os analistas esperam um resultado semelhante nas eleições desta sexta-feira. Ainda assim, Frank Habineza não perde a esperança:
Ruanda vai a votos para escolher (atual) Presidente
"Estamos a receber mais encorajamento, depois de um mau começo", comentou o opositor. "No início, as autoridades locais impediram as pessoas de vir aos nossos comícios. Fomos ameaçados e agredidos. Mas, desde então, melhorou. Muitas pessoas vêm à nossa campanha e temos mais esperanças de vencer."
Apesar das fracas hipóteses dos candidatos da oposição, o momento é decisivo para o partido no poder. Para a geração mais velha, a RPF é vista como o exército de libertação do Ruanda, que veio do Uganda, no início dos anos 90, para travar o genocídio de um milhão de tutsis. Paul Kagame apresenta-se como o único garante da paz e da segurança. No entanto, dos quase 7 milhões de eleitores registados no Ruanda, cerca de um quarto, nascidos depois do genocídio de 1994, votam pela primeira vez. E a abordagem do Presidente poderá tornar-se cada vez menos eficaz junto de uma geração que não viveu as atrocidades.
Resultados provisórios das eleições presidenciais deverão ser conhecidos já esta sexta-feira, ao final do dia.
O genocídio no Ruanda
O genocídio no Ruanda, 25 anos atrás, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo a França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/dpa
O pontapé do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então Presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o Presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do Presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiraram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação Radio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura", incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura desportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. E permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo, onde representam até hoje uma ameaça para o Ruanda.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste congolês.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do Governo. Os rebeldes assumiram o controlo da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um Governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o Presidente do Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebés, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.