Ruandeses pedem investigação da morte de compatriota
Lusa
22 de setembro de 2021
Associação Ruandesa questiona o Governo moçambicano o facto de ser a única comunidade a passar por sequestros, desaparecimentos e mortes. Polícia moçambicana nunca esclareceu os casos e diz: "Ainda estamos a trabalhar".
"O que nós estamos a pedir é que haja uma comissão independente para investigar este caso e tenho a certeza de que haverá resultados", disse à Lusa Cleophas Habiyareme.
O empresário ruandês da área do comércio, Revocat Karemangingo, a residir em Moçambique desde 1996 - onde se refugiou após o genocídio no Ruanda em 1994 -, foi morto a tiro perto de casa quando voltava de automóvel, sozinho, de um dos seus armazéns de venda de refrigerante e cervejas, segundo a Polícia da República de Moçambique (PRM).
Revocat terá sido intercetado no dia 13, às 17:30, por duas viaturas, que o bloquearam, a partir das quais desconhecidos fizeram vários disparos.
O presidente da associação dos ruandeses quer que a mesma comissão independente investigue também o desaparecimento, em maio, do jornalista Ntamuhanga Cassien que residia na ilha de Inhaca, em Maputo, bem como uma tentativa de rapto do secretário da associação.
Mulheres soldado ruandesas em Moçambique
01:41
PRM: "Ainda estamos a trabalhar"
Cleophas Habiyareme questiona o facto de a comunidade ruandesa ser a "única" que passa por esse tipo de problemas e, por isso, pede que o Governo moçambicano "pense sobre isso".
"Tratam-se de três casos que ocorreram dentro da mesma comunidade. Aqui temos quatro grandes comunidades de refugiados, entre ruandeses, burundeses, congoleses e somalis, mas a única que está a passar mal, que sofre sequestros, desaparecimento, morte, é a comunidade ruandesa", disse, indignado o presidente da associação.
Contactada esta quarta-feira (22.09.) pela Lusa, a PRM disse não haver ainda resultados das investigações sobre a morte do empresário ruandês.
"Ainda estamos a trabalhar", disse Carmínia Leite, porta-voz da PRM na província de Maputo.
Com o apoio de mil soldados ruandeses, Maputo reconquistou bases dos rebeldes e localidades que tinham sido ocupadas, mas que os militares moçambicanos, de modo isolado, não tinham conseguido recuperar.
Segundo o presidente da Associação dos Ruandeses Refugiados em Moçambique, o empresário era alvo de perseguição política desde 2016, quando residia em Boane, a sul de Maputo: escapou a uma alegada tentativa de homicídio, seguindo-se um processo de "tortura psicológica" contra ele e contra "todos os que eram considerados opositores [do regime] de Kigali".
Dedo acusador contra Paul Kagame
Líder do Ruanda desde 1994, a Paul Kagamé é atribuído o desenvolvimento do país após o genocídio de tutsis, mas o chefe de Estado é também acusado de limitar a liberdade de expressão e de reprimir a oposição.
A organização Human Rights Watch (HRW) acusou no final de março as autoridades ruandesas de estarem a limitar a população que recorre à Internet para se expressar no país, depois de restringirem a liberdade de expressão nos órgãos de comunicação social.
A restrição de liberdades tem também sido denunciada e condenada por outras organizações como a Repórteres sem Fronteiras e a União Europeia (UE).
O genocídio no Ruanda foi responsável pela morte de mais de 800.000 pessoas, principalmente da minoria tutsi, entre abril e julho de 1994.
O genocídio no Ruanda
O genocídio no Ruanda, 25 anos atrás, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo a França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/dpa
O pontapé do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então Presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o Presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do Presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiraram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação Radio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura", incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura desportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. E permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo, onde representam até hoje uma ameaça para o Ruanda.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste congolês.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do Governo. Os rebeldes assumiram o controlo da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um Governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o Presidente do Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebés, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.