Ruas de Berlim vão ter nomes da resistência africana
Daniel Pelz | tms
20 de abril de 2018
Três ruas do "bairro africano" vão deixar de homenagear nomes da era colonial, dando lugar a heróis da luta contra o colonialismo. Moradores questionam decisão.
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Três nomes de ruas na capital da Alemanha, Berlim, vão ser renomeadas, após anos de disputas, para homenagear figuras históricas africanas. A decisão foi tomada esta quinta-feira (19.04) pela assembleia distrital do "bairro africano" de Berlim, que há anos era alvo de críticas de ativistas africanos.
Lüderitzstrasse, Nachtigallplatz e Petersalle são ruas que homenageiam nomes da era colonial da Alemanha. Entre estas figuras está Carl Peters, um dos fundadores da África Oriental Alemã, uma ex-colónia que incluía a atual Tanzânia.
Também Adolf Lüderitz, fundador do Sudoeste Africano Alemão, atual Namíbia, e o explorador Gustav Nachtigall, que esteve presente em várias regiões de África no período colonial, dão nomes às ruas do bairro.
Vários anos de discussões depois, a maioria da assembleia distrital de Berlin-Mitte votou a favor de novos nomes, na noite desta quinta-feira.
Uma decisão "óbvia" para a ativista afro-germânica Josephine Apraku: "Os nomes das ruas, de acordo com a legislação em Berlim, são homenagens. Portanto, não é uma questão de saber se podemos manter os nomes ou não. Se há homenagem, a resposta é óbvia: não podemos".
Colonizadores dão lugar a resistentes
A rua Lüderitz deverá passar a ser Cornelius Frederiks, um líder da resistência do povo Nama, na antiga colónia alemã onde hoje é a Namíbia.
A Praça Nachtigall deverá tornar-se Bell-Platz, em memória de Rudolf Doula Manga Bell, rei da região que é hoje Camarões, que também se rebelou contra a colonização. Já a Avenida de Peters deverá dar lugar a dois nomes em perímetros diferentes: Anna Mungunda, membro dos Herero e primeira mulher da Namíbia a apoiar a independência, e Maji Maji, uma rebelião contra o domínio alemão na atual Tanzânia.
Há anos que os ativistas pedem a renomeação das três ruas. "Somos críticos dessa história e uma reversão de perspetiva é uma ótima maneira de fazer isso", diz Josephine Apraku.
Noutras situações, argumenta, a mudança não seria questionada: "Não teríamos tais discussões se houvesse uma rua Adolf Hitler, já que ninguém iria querer manter este nome. Não quero comparar Carl Peters com Adolf Hitler, mas é bom lembrar que Carl Peters foi percebido pelos nacional-socialistas como um líder de pensamento em relação às ideologias racistas".
Ruas de Berlim vão ter nomes da resistência africana
"Alguns nomes de ruas no ‘bairro africano' ainda glorificam o colonialismo alemão e os seus crimes, o que é incompatível com a nossa compreensão da democracia e prejudica permanentemente a imagem da cidade de Berlim", dizem os partidos da assembleia distrital. E Apraku está satisfeita: "Para ser honesta, não esperava que as ruas fossem renomeadas ainda no meu tempo".
Moradores divididos
Nas ruas de Wedding, a região conhecida como "bairro africano", nem todos estão de acordo com as mudanças anunciadas. Na Nachtigallplatz – futura Bell-Platz – um jovem saúda a decisão, afirmando que "os criminosos devem desaparecer das ruas". Ao seu lado, um outro morador murmura "isso é uma piada. Deveriam ter pensado mais cedo nisso, os nomes tornaram-se comuns".
"Mudámo-nos para cá há um mês, registámos tudo e agora temos de começar o teatro todo outra vez. Nem me lembro do nome novo", lamenta outra moradora.
O ambiente no bairro não é bom, diz Karina Filusch, porta-voz da Pro Afrikanisches Viertel (em português, Pró-Bairro Africano), uma associação que luta contra a renomeação das ruas. Filusch diz que o processo não foi transparente e "deve ser colocado nas mãos dos cidadãos".
"A boa política é a que traz interesses diferentes ao equilíbrio, o que não aconteceu aqui. A decisão deve ser devolvida aos cidadãos, para que os interessados possam debater a questão", defende a ativista.
Racista e cruel, a história colonial da Alemanha
A exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, é a primeira grande exibição que explora os capítulos do domínio colonial da Alemanha. Uma história da ambição falhada de uma superpotência.
Foto: public domain
A cara do colonialismo
Com o chanceler Otto von Bismarck, o Império Colonial Alemão estabeleceu-se nos territórios da atual Namíbia, Camarões, Togo e em algumas partes da Tanzânia e do Quénia. O imperador Guilherme II, coroado em 1888, tentou expandir os domínios coloniais. O imperador alemão queria um "lugar ao sol", como disse mais tarde, em 1897, o chanceler Bernhard von Bülow.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DW
Colónias alemãs
Foram conquistados territórios no Pacífico (Nova Guiné, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Salomão e Samoa) e na China (Tsingtao). A Conferência de Bruxelas em 1890 determinou que o imperador germânico iria obter os reinos do Ruanda e Burundi, ligando-os à África Oriental Alemã. No final do século XIX, as conquistas coloniais alemãs estavam praticamente completas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdades
A população branca nas colónias era uma minoria, raramente representava mais de 1% da população. Uma minoria privilegiada, contudo. Em 1914, cerca de 25 mil alemães viviam nas colónias, menos de metade no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia). Os 13 milhões de nativos das colónias alemãs eram vistos como subordinados, sem recurso ao sistema legal.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século XX
O genocídio contra os povos Herero e Nama no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia) é o mais grave crime na história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes Herero fugiram para o deserto, onde as tropas alemãs bloquearam sistematicamente o acesso à água. Estima-se que morreram mais de 60 mil Hereros.
Foto: public domain
A culpa alemã
Apenas cerca de 16 mil Hereros sobreviveram ao extermínio. Foram depois detidos em campos de concentração, onde muitos acabaram por falecer. O número exato de vítimas continua por apurar e é ponto de controvérsia. Quanto tempo terão sobrevivido os Hereros depois de fugirem para o deserto? Eles perderam todos os seus bens, os seus meios de subsistência e as perspetivas de futuro.
Foto: public domain
Reformas em 1907
Depois das guerras coloniais, a administração das colónias alemãs foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida. Bernhard Dernburg, um empreendedor de sucesso (na imagem, transportado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado dos Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas coloniais da Alemanha.
Foto: picture alliance/akg-images
A ciência e as colónias
Com as reformas de Dernburg foram criadas instituições científicas e técnicas para lidarem com assuntos coloniais. Assim estabeleceram-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África Oriental para investigar a transmissão da doença do sono. A imagem demonstra amostras coletadas nessa expedição.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Uma das maiores guerras coloniais
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos rebelaram-se contra o poder na África Oriental Alemã. Cerca de 100 mil locais morreram na Revolta de Maji-Maji. Apesar de raramente discutido, este continua a ser um importante capítulo da história da Tanzânia.
Foto: Downluke
A perda das colónias
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha assinou o tratado de paz de Versalhes, em 1919, que previa que o país renunciava a soberania sobre as colónias. Cartazes como este demonstram o medo dos alemães de, como consequência, perderem poder económico e viverem na pobreza e na miséria no seu país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições coloniais do "Terceiro Reich"
As aspirações coloniais voltaram a surgir com o nazismo e não apenas em relação à colonização da Europa Central e Oriental, através do genocídio e limpeza étnica. O regime nazi pretendia também recuperar as colónias perdidas em África, como demonstra este mapa escolar de 1938. Os territórios eram vistos como fonte de recursos para a Alemanha.
Foto: DW/J. Hitz
Processo espinhoso
As negociações para uma declaração conjunta do genocídio dos povos Herero e Nama entraram numa fase difícil. Enquanto a Alemanha trava quanto a compensações financeiras, há também deficiências nas estruturas políticas internas da Namíbia. Representantes Herero apresentaram, recentemente, uma queixa à ONU contra a sua exclusão nas negociações em curso.