O caso, diz o jurista português, mostra que "os chefes de Estado não estão acima da lei" e "o mesmo irá acontecer muito em breve em Angola". E o país tem de "investigar a sério" questões de corrupção ligadas ao Brasil.
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O Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil negou na quarta-feira (04.04) um recurso contra a prisão do ex-Presidente Lula da Silva, condenado em duas instâncias judiciais e que pretendia ficar em liberdade até à decisão final. O antigo chefe de Estado brasileiro foi condenado a 12 anos e um mês de prisão, em regime fechado e pode começar a cumprir pena, assim que a decisão do STF seguir os trâmites judiciais.
A prisão do ex-chefe de Estado está relacionada com um dos processos da "Operação Lava Jato", o maior escândalo de corrupção do Brasil. Lula foi condenado por ter recebido um apartamento de luxo como suborno da construtora OAS em troca de favorecer contratos com a petrolífera estatal Petrobras.
Mas este não é o único caso de corrupção que pesa sobre os ombros de Lula da Silva. Segundo o Ministério Público Federal, o ex-chefe de Estado brasileiro terá usado a sua influência junto do Banco de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) para favorecer a construtora Odebrecht em contratos para obras em Angola. A empresa é responsável pela construção de estradas, refinarias e hidroelétricas no país.
Em entrevista à DW África, o jurista português Rui Verde diz que os últimos desenvolvimentos são um sinal para Angola. O caso, sublinha, mostra que "os chefes de Estado não estão acima da lei" e "o mesmo irá certamente acontecer muito em breve" no país africano.
DW África: Lula da Silva poderá estar mais próximo da prisão, depois de o Supremo Tribunal Federal ter negado o "habeas corpus" do ex-Presidente brasileiro, esta quarta-feira. O que acha desta decisão?
Rui Verde (RV): Mais próximo da prisão está. O caso de Lula da Silva é um pouco diferente daqueles casos que temos tido em Portugal que habitualmente tratam de prisão preventiva. Neste caso, é uma questão de cumprimento de pena. Não há razão, uma vez que ele já foi condenado pelos tribunais, para não ser preso. É a justiça a funcionar. Se fosse um morador de uma favela do Rio de Janeiro que já tivesse sido condenado por dois tribunais, já estava preso, certamente. Não há razão para Lula ser diferente.
Rui Verde: Condenação de Lula da Silva é um aviso a Angola
DW África: À luz destes desenvolvimentos, acha que se devia olhar com mais atenção para os negócios que Lula da Silva fez em Angola?
RV: É evidente. Esta decisão, em relação a Angola, tem dois aspectos: um simbólico e um que podemos chamar substantivo. Em termos simbólicos, demonstra que os chefes de Estado, atualmente, já não estão acima da lei. Se cometem crimes, são investigados, julgados e condenados. O mesmo irá certamente acontecer muito em breve em Angola. Neste sentido é um aviso, um sinal para Angola. Depois temos o aspecto material. É evidente que Lula da Silva tinha estabelecido muitas relações com Angola, designadamente através da Odebrecht e do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) e as ramificações que foram apanhadas no Brasil também existem em Angola. As condenações que existem no Brasil vão ter, forçosamente, espelhos em Angola. É uma questão das autoridades angolanas investigarem ou não.
DW África: Como é que está este processo da Odebrecht? Poderá haver aqui uma evolução?
RV: Devia existir. Já há dois anos que se fala em Angola destas questões da Odebrecht e ainda não vimos a Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana investigar. Como agora, finalmente, começaram a investigar vários casos, é natural que também comecem a investigar a Odebrecht. E investigando a Odebrecht será como as cerejas: saem umas atrás das outras, às toneladas.
DW África: Que passo é preciso dar para que o processo realmente prossiga?
RV: O passo é formal. É a PGR abrir uma investigação aos vários negócios, à concessão de minas, negócios entre José Eduardo dos Santos e a Odebrecht, todos esses factos que têm sido divulgados pelos jornais como o Maka Angola. É abrir a investigação. Os elementos existem, a documentação existe. Com a cooperação judiciária entre a polícia federal brasileira e a polícia angolana facilmente chegarão a conclusões.
DW África: Falava do aspecto simbólico do caso de Lula da Silva para os chefes de Estado. Acha que em Angola é uma hipótese realista, um ex-Presidente ser condenado? Por exemplo, neste caso recente da transferência ilegal de 500 milhões de dólares para um banco estrangeiro, que envolve o filho de José Eduardo dos Santos, muita gente questiona o facto de o próprio ex-Presidente angolano não ser arguido...
RV: Devia ser arguido, uma vez que foi ele que mandou transferir os 500 milhões de dólares. Mais tarde ou mais cedo a questão, do ponto de vista técnico, vai-se colocar. O "mandante do crime" tem de ser arguido. Mas acredito que Angola está a ver uma evolução. Ainda não se sabe se é uma evolução semântica, isto é, se é só para preencher títulos de jornais ou se realmente vai existir algo mais substancial como existiu no Brasil. É preciso aparecer o "juiz Sérgio Moro angolano". Falta o catalisador.
DW África: E este novo panorama em Angola poderá também incluir mais pressão para investigar este tipo de situações como a influência de Lula da Silva no país?
RV: De certeza. Da forma quente como as redes sociais estão em Angola, é evidente que a pressão vai aumentar.
DW África: Há quem acuse o Brasil, digamos assim, de ter um papel importante na corrupção em Angola. Acha que se pode dizer isso, há aqui um padrão?
RV: Eu diria que há um triângulo da corrupção que envolve o Brasil, Angola e Portugal. Começando a puxar por um lado, neste caso, o Brasil, já começam a surgir algumas coisas em Portugal e forçosamente há que fechar o triângulo e chegar a Angola. Uma coisa implica a outra, não tenho qualquer dúvida. É o triângulo atlântico da corrupção.
DW África: E poderá haver aqui consequências para as relações entre Angola e o Brasil?
RV: Isso é difícil de responder. Como sabemos, no caso das investigações em Portugal que afetaram o ex-vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, alegadamente afetou as relações entre Angola e Portugal. Depende da postura que Angola queira assumir. Se Angola que definitivamente começar a investigar a corrupção no país, não tem de afetar as relações, pelo contrário. Tem de ser Angola a pedir a colaboração do país. Se Angola quer continuar apenas a fingir que investiga, então poderá afetar as relações. Mas neste momento não há muito remédio se não investigar as coisas a sério. O cerco fecha-se, quer a nível da opinião pública, quer a nível de pressão mundial, quer no Brasil e em Portugal. Angola tem de se mexer.
Lula da Silva: de Presidente a presidiário
Luiz Inácio Lula da Silva foi o primeiro operário a tornar-se Presidente do Brasil. Relembramos a ascenção e a queda deste político brasileiro, condenado a 12 anos de prisão por corrupção no âmbito da Operação Lava Jato.
Foto: Reuters/N. Doce
1975: Lula, o sindicalista
Em 1975, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, duas cidades da zona do "ABC paulista" nos arredores de São Paulo, maior cidade da América do Sul. Lula ganhou projeção nacional como líder de uma série de greves no final da década. Em 1980, foi preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional após uma paralisação que durou 41 dias.
Foto: Instituto Lula
1980: Fundador do Partido dos Trabalhadores
A 10 de fevereiro de 1980, Lula fundou o Partido dos Trabalhadores (PT) com apoio de inteletuais e sindicalistas. Em maio do mesmo ano, ao sair da prisão, foi eleito o primeiro presidente do partido. Mais tarde, o PT tornou-se o partido mais influente do Brasil. Em 1982, Lula concorreu sem sucesso ao cargo de governador do estado de São Paulo. Porém, em 1986, foi eleito deputado federal.
Foto: Getty Images/AFP/C. Petroli
1989: Primeira campanha presidencial
O PT lançou a candidatura de Lula nas primeiras eleições presidenciais diretas do Brasil após o fim do regime militar. Com uma imagem de operário e um discurso de esquerda, Lula provocou temor em muitos setores da economia, que se alinharam com o candidato da direita, Fernando Collor de Mello. Lula foi derrotado no segundo turno, depois de acusações de manipulação da imprensa em favor de Collor.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Gostoli
1994: Segunda campanha presidencial
Após denúncias de irregularidades, Lula lançou, em 1991, o movimento "Fora Collor". Um ano mais tarde, Collor foi deposto pelo Congresso como Presidente e Itamar Franco assumiu o cargo. Em 1994, Lula concorreu novamente à Presidência, mas foi derrotado na primeira volta por Fernando Henrique Cardoso, que como ministro das Finanças tinha conseguido diminuir a inflação através do "Plano Real".
Foto: Getty Images/AFP/A. Scorza
1998: Terceira campanha presidencial
Em 1998, Lula sofreu uma das suas piores derrotas eleitorais. O petista teve como candidato a vice-Presidente Leonel Brizola, do partido PDT, um dos seus rivais na eleição de 1989, com quem disputava a hegemonia na esquerda brasileira. A fórmula não deu certo. Lula obteve só 31% dos votos; nem sequer chegou à segunda volta. O então Presidente Fernando Henrique Cardoso do PSDB foi reeleito com 53%.
Foto: picture alliance/AP Photo/R. Gostoli
2002: Quarta campanha presidencial
O eterno candidato assumiu finalmente a Presidência após uma vitória nas eleições de 2002. Lula foi eleito com 61% dos votos na segunda volta e assumiu o poder em janeiro de 2003. Na campanha, o PT conseguiu vender uma imagem mais moderada do petista – simbolizada no slogan "Lulinha, paz e amor" – com o objetivo de acalmar os mercados financeiros e ampliar o eleitorado do partido.
Foto: O. Kissner/AFP/Getty Images
2005: O escândalo do mensalão
Em 2005, o Governo Lula foi atingido em cheio pelo escândalo de compra de votos de deputados, o "mensalão". Mesmo assim, Lula sobreviveu à crise. Outros, como o ministro José Dirceu, uma das figuras fortes do seu Governo, caíram em desgraça. No início, Lula afirmou que assessores o haviam "apunhalado", mas depois mudou o discurso e disse que o caso era uma invenção da oposição e da imprensa.
Foto: picture alliance / dpa / picture-alliance
2006: Quinta campanha presidencial
Em 2006, Luiz Inácio Lula da Silva é reeleito na segunda volta com mais de 60% dos votos válidos e venceu contra Geraldo Alckmin do PSDB. Apesar do "mensalão", chave para a vitória foram os programas sociais como a "Bolsa Família", que garantiu um rendimento mínimo a brasileiros pobres. Quase 28 milhões de brasileiros saíram da pobreza nos oito anos do Governo Lula, segundo um balanço de 2010.
Foto: Vanderlei Almeida/AFP/Getty Images
2006: Grande popularidade no nordeste
Nas eleições de 2006, Lula ganhou principalmente graças aos votos no nordeste do Brasil, uma das zonas mais pobres do país. Como filho de uma família do Estado de Pernambuco, ele representou o sonho de muitos nordestinos de ascensão social. Por exemplo, Lula conseguiu 78% dos votos em Pernambuco, mas não teve maioria no estado de São Paulo com apenas 48% dos votos na segunda volta.
Foto: DW/N. Pontes
2010: Economia em alta
Após as turbulências no final do Governo Fernando Henrique Cardoso, a economia brasileira voltou a crescer com Lula, sobretudo graças ao boom de recursos naturais como o ferro e a soja. Foi o período da descoberta de mais petróleo offshore no chamado "Pré-Sal" e investimentos em grandes obras de infraestrutura. O crescimento médio do PIB no segundo mandato chegou a 4,6%.
Foto: AP
2010: Dilma Rousseff é a sucessora
Logo após ser reeleito, Lula começou a preparar a sua sucessão, pois, segundo a Constituição, não há mais de dois mandatos consecutivos. Como sucessora escolheu a sua então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma tecnocrata sem experiência nas urnas. Nos três anos seguintes, Lula promoveu a imagem de Dilma junto dos brasileiros. A estratégia funcionou e ela foi eleita em 2010.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/EBC
2011: Luta contra o cancro
Em outubro de 2011, Lula foi diagnosticado com cancro na laringe, sendo submetido a um tratamento. Pela primeira vez desde 1979, apareceu sem barba. Exames apontaram a remoção completa do tumor cerca de cinco meses depois, e Lula voltou a participar nas campanhas do PT. Uma das grandes vitórias eleitorais de 2012 foi a de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo.
Foto: AFP/Getty Images
2016: Lula e a Operação Lava Jato
Em março de 2016, Lula foi alvo de um "mandado de condução coercitiva" pela Operação Lava Jato, que investiga o escândalo de corrupção na Petrobras, companhia estatal de petróleo. O ex-Presidente foi levado para depor sobre um imóvel em Atibaia, um triplex no Guarujá e a sua relação com empreiteiras investigadas na Lava Jato. A Polícia Federal procurou provas na sua residência e no seu instituto.
Foto: Reuters/P. Whitaker
2016: Réu em diferentes processos
Nos meses seguintes, Lula foi denunciado por uma série de crimes, como corrupção passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça e tráfico de influência, tornando-se réu em cinco processos diferentes. O petista desmentiu sempre as acusações, negou a prática de crimes e disse ser vítima de perseguição política. Lula também nega ser proprietário dos imóveis que foram investigados.
Foto: picture-alliance/abaca
2016: Impeachment de Dilma Rousseff
Em outubro de 2014, Dilma Rousseff conseguiu ser reeleita. Mas em maio de 2016, foi afastada do cargo devido a um processo de impeachment movido contra ela a seguir à Operação Lava Jato. Dilma teve o seu mandato definitivamente cassado em agosto de 2016. O vice Michel Temer, do partido PMDB, assumiu a Presidência e governou com ministros de direita.
Foto: Reuters/J. Marcelino
2017: Depoimento como réu
Em maio de 2017, o ex-Presidente apresentou-se pela primeira vez como réu perante o juiz Sérgio Moro. Num depoimento prestado em Curitiba, Lula voltou a negar as acusações e alegou estar a ser perseguido politicamente. Exigiu ainda a apresentação de provas de que seja dono dos imóveis em Guarujá e Atibaia. O interrogatório foi o último passo antes da sentença dentro da Operação Lava Jato.
Foto: Abr
2017: Lula é condenado
Lula foi condenado pela primeira vez em 12 de julho de 2017. A sentença do juiz Sérgio Moro determinou 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Foi a primeira vez que um ex-Presidente foi condenado por corrupção no Brasil. Lula apresentou recurso e viu a sua sentença confirmada e agravada para 12 anos de prisão na segunda instância, em janeiro de 2018.
Foto: picture alliance/AP/E. Peres
2018: Prisão para Lula
Lula recorreu para a terceira instância e, mesmo condenado na segunda, Lula não perdeu imediatamente o direito de se candidatar às eleições presidenciais de 2018, como planeado pelo PT. Mas, em abril de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil negou um recurso de Lula, que pretendia ficar em liberdade até à decisão final. Assim torna-se quase impossível uma candidatura dele.