As dificuldades de migrantes africanos na travessia do Iémen
Fanny Facsar | rl
6 de agosto de 2019
Dinheiro, emprego e alguma estabilidade é o que muitos migrantes esperam encontrar ao decidirem fazer a perigosa travessia do Corno de África até ao Iémen. As dificuldades, no entanto, tornam a missão quase impossível.
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A fome, devido à seca, e a violência em países como a Etiópia e a Somália fazem com que, anualmente, mais de cem mil africanos abandonem os seus países em busca de uma vida melhor na Arábia Saudita. O que a maioria destas pessoas não sabe é a magnitude dos desafios e perigos que esta viagem acarreta.
Muitos destes migrantes acabam por perder a vida na travessia pelo mar entre o Djibuti e o Iémen. E os que sobrevivem dão de caras com uma realidade que não lhes é de todo alheia, mas à qual quiseram fugir: um país instável e em guerra há cerca de quatro anos.
Saidu é um destes migrantes. Tem 13 anos, vem da Etiópia e está acompanhado pelo irmão. Quando lhe perguntam o que procura, o seu irmão responde sem rodeios: "Dinheiro".
Dinheiro, emprego e alguma estabilidade é o que muitos destes migrantes africanos esperam encontrar quando decidem fazer a perigosa travessia do Corno de África até ao Iémen. As dificuldades, no entanto, tornam essa missão quase impossível.
Rumo à Arábia Saudita
Para pisar o continente asiático, estes migrantes tiveram de pagar uma elevada quantia de dinheiro. Uma vez no Iémen, percorrem a pé, e pelo deserto, um longo caminho até Áden. O objetivo de todos é comum: chegar à Arábia Saudita e conseguir um emprego.
No entanto, a grande maioria não o consegue cumprir. É o que garante um colaborador de uma das organizações que ajuda os migrantes que percorrem as estradas do Iémen. "A maioria deles, 90% ou 85% estão presos em Áden. Porque há uma guerra em Ad Dali'", afirma.
Um migrante de 25 anos, que fez a travessia, descreve o drama da viagem que não consegue esquecer. "Quando entrámos no barco, não havia água, nem comida. Estava muito vento. Algumas pessoas tiveram de ficar de pé, outras estavam sentadas. O barco estava muito cheio", conta.
Migrantes como negócio
Ad Dali' é uma das províncias no Iémen devastadas pela guerra e um dos locais onde a probabilidade dos migrantes acabarem por ser arrastados para o conflito é grande. É o que conta à DW um cidadão iemenita, que prefere manter o anonimato.
As dificuldades de migrantes africanos na travessia do Iémen
Com a guerra, os migrantes acabam por se tornar num negócio. Sem ter como ganhar a vida, os iemenitas foram obrigados a voltar-se para o contrabando. Ele próprio vive deste negócio. Ganha o equivalente a 360 euros por cada migrante. "O negócio do contrabando é generalizado porque não há segurança, não há estabilidade, não se vive bem. O negócio está agora a florescer", diz.
Abdi, um migrante que chegou há dois meses da Etiópia, diz que foi espancado por contrabandistas e que não tem dinheiro para continuar a sua viagem. Aos futuros migrantes, deixa uma mensagem para não virem para o Iémen ou para outro país. "Se possível, fiquem na sua terra natal", aconselha.
A rota de imigração que atravessa o Iémen para a Arábia Saudita é menos conhecida que a travessia do Mediterrâneo para a Europa, através do Sudão e da Líbia. É mais barata, mas também perigosa.
Etíopes no Djibuti
A Etiópia e o Djibuti sempre tiveram um bom relacionamento, principalmente no que se refere à diáspora. Muitos etíopes moram e trabalham no Djibuti.
Foto: DW/J. Jeffrey
Djibuti: Vital para a Etiópia
Há muito que o Djibuti tem uma importância estratégica e comercial para a vizinha Etiópia, especialmente depois de este último ter perdido a Eritreia, na década de 1990, e com isso, o acesso ao mar. Sem litoral, a Etiópia importa quase tudo através do porto de Djibuti, na capital com o mesmo nome. Navios etíopes chegam regularmente ao Golfo de Tadjura. A carga segue para a Etiópia em camiões.
Foto: DW/J. Jeffrey
Dependentes de caminhões
Uma linha ferroviária que ligava Adis Abeba à cidade de Djibuti, construída no início do século 20, era responsável pelo transporte de mercadorias da costa à capital etíope. Mas desde o início do século 21, a Etiópia tem sido dependende das rodovias. Agora, a linha férrea deverá ser reabilitada em breve, graças a um empreendimento chinês.
Foto: DW/J. Jeffrey
"Pequena Etiópia" no Djibuti
A proximidade do Djibuti gerou muita migração de etíopes para o país vizinho. Estima-se que atualmente vivam 50 mil etíopes no Djibuti. “Muitas pessoas vieram depois de a junta militar marxista-lenista (Derg) ter assumido o poder”, conta Ashenaf Harege, do centro comunitário etíope. É aqui que muitos celebram datas festivas e se encontram para se informar sobre o que está a acontecer na Etiópia.
Foto: DW/J. Jeffrey
Sabores caseiros
O centro serve comidas e bebidas típicas da terra natal. O Governo do Djibuti isenta o restaurante local de pagar impostos. "Eu vim para o Djibuti porque os salários são melhores", conta Haile Gebremedhin (à direita) que trabalha numa empresa de transportes. "É bom morar aqui, principalmente se compararmos com outras cidades da região. Claro que há problemas, mas as pessoas são boas", completa.
Foto: DW/J. Jeffrey
Identidade religiosa
O Djibuti é predominantemente muçulmano. Diariamente, os fiéis são chamados para orar. Aos domingos, a Igreja de São Gabriel, perto do centro comunitário, celebra uma missa ortodoxa, onde os etíopes religiosos vão. Tanto o centro quanto a igreja foram construídos em terra doada pelo Governo do Djibuti. "Em outros países, as pessoas julgam-nos pela religião. Aqui ninguém se importa", diz Haile.
Foto: DW/J. Jeffrey
Devoção ortodoxa
Nas dependências da igreja, as mulheres cobrem-se com xailes brancos, feitos com tecidos delicados. Durante a missa, o sacerdote segura uma cruz de metal. No ar paira um cheiro de incenso. Os fiéis mais devotos podem curvar-se perante a imagem da Virgem Maria e mais tarde aproximar-se do sacerdote para tocar com os lábios e a testa numa cruz de madeira que o religioso segura nas mãos.
Foto: DW/J. Jeffrey
Ficar ou voltar?
Muitos etíopes que moram no Djibuti, principalmente os que têm filhos, ficam divididos entre ficar no país ou voltar à Etiópia.
Foto: DW/J. Jeffrey
Luta diária
”Faço muitos trabalhos, como limpezas. É muito difícil encontrar emprego a tempo inteiro”, conta Samuel, de 24 anos. Chegou há 12 anos, quando o seu pai foi assassinado durante o regime marxista-lenista (Derg). Samuel e a mãe foram para perto da fronteira com o Djibuti. Ele atravessou a fronteira sem passaporte e foi preso. "Sem documentos, só se for clandestinamente num navio", lembra.
Foto: DW/J. Jeffrey
Viver perigosamente
Tanto Alex (à esq.), de 25 anos, como Zerihun, de 29, moram em Djibuti sem documentação. Eles já foram a muitos lugares ilegalmente, de navio, como Singapura e a Cidade do Cabo. Agora, eles trabalham lavando carros e recolhem lixo. "Viver a fugir da polícia é uma vida de cão”, desabafa Zerihun. Alex discorda: "Vivemos como verdadeiros soldados".
Foto: DW/J. Jeffrey
À procura de "sira"
A maioria dos etíopes no Djibuti foram atraídos pelo "sira", que em amárico ( idioma oficial da Etiópia) quer dizer "trabalho". "No Djibuti, trabalhar nos serviços de limpeza rende tanto quanto ser professor em Adis Abeba", diz Hussein, em Tadjura, onde o amárico também é um idioma bastante falado, assim como em Obock, ainda que as línguas oficiais do Djibuti sejam árabe e francês.