São Tomé: ADI foi o partido mais votado nas legislativas
Lusa | ms
27 de setembro de 2022
A Ação Democrática Independente (ADI) venceu as eleições legislativas de domingo em São Tomé e Príncipe. Partido liderado por Patrice Trovoada diz que a demora na divulgação dos dados é "muito grave".
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A ADI, liderada pelo ex-primeiro-ministro Patrice Trovoada, venceu as eleições com um total de 36.549 votos, segundo os dados preliminares divulgados na segunda-feira (26.09) pela Comissão Eleitoral Nacional (CEN).
Os dados provisórios da votação nas legislativas foram apresentados na noite passada na sede da CEN, na capital são-tomense, mais de 29 horas após o fecho das urnas, uma demora que motivou protestos de militantes da ADI, que queimaram pneus perto das instalações da CEN, rodeadas por militares.
O presidente da CEN, juiz José Carlos Barreiros, escusou-se a apresentar a distribuição de mandatos por partido, como é habitual, remetendo para o Tribunal Constitucional essa tarefa, justificando que os partidos têm apresentado "discrepâncias" nas suas próprias projeções.
De acordo com os dados da CEN, o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe/Partido Social Democrata (MLSTP/PSD), do primeiro-ministro Jorge Bom Jesus, foi o segundo partido mais votado, com 25.531 votos. O movimento Basta, criado cerca de três meses antes das eleições, teve 6.874 votos, enquanto o Movimento de Cidadãos Independentes/Partido Socialista (MCI), que concorreu a estas eleições coligado com o Partido de Unidade Nacional (PUN), obteve 5.120 votos.
O Movimento Democrático Força da Mudança/União Liberal (MDFM/UL) conquistou 1.601 votos; a União para a Democracia e Desenvolvimento (UDD) recebeu 731 votos; o Partido Cidadãos Independentes para o Desenvolvimento de São Tomé e Príncipe (CID-STP) obteve 472 votos; o Muda teve 389; o Partido Novo 352; o Movimento Social Democrata/Partido Verde de São Tomé e Príncipe (MSD/PVSTP) 271 e o Partido de Todos os Santomenses (PTOS) 195.
A taxa de abstenção foi de 34,33%: Houve um total de votos válidos de 78.085 (96,43% do total), 675 brancos (0,83%) e 2.214 (2,73%), adiantou José Carlos Barreiros.
"Vamos publicar, vamos publicar"
Referiu também que, posteriormente, a CEN vai publicar na página oficial a distribuição dos votos por distritos, mas escusou-se a dizer quando. "Vamos publicar, vamos publicar", disse apenas.
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Os resultados das eleições autárquicas e regional do Príncipe, também realizadas no domingo, não foram apresentados.
Questionado sobre a ausência de informação sobre os mandatos, José Carlos Barreiros comentou: "Não podemos fazer. Como já viram, já houve uma discrepância entre candidaturas, um diz que teve X e outro diz que teve Y, e por aí".
"Nós, como não fazemos distribuição dos mandatos, não vamos correr o risco de dizer que partido teve tantos e depois não vir a corresponder à verdade", explicou, indicando ainda que "algumas urnas, nomeadamente em Mé-Zochi, apareceram no apuramento distrital sem os respetivos selos".
"O que é que isso pode dar? Não sabemos. Isso depende da comissão de apuramento distrital e também da de apuramento geral, que vão analisar essas situações todas. Não é da nossa competência, portanto não nos vamos pronunciar em relação a isso", adiantou.
ADI critica demora na divulgação
O partido do ex-primeiro-minsitro Patrice Trovoada considerou "muito grave" a demora de quase 30 horas da CEN em anunciar os resultados e admitiu "manifestações pacíficas" para mostrar "a força do povo".
"O ADI acha isso muito, muito grave. O senhor presidente da comissão eleitoral tem na sua posse os dados apurados a nível distrital que dá a maioria ao ADI", comentou o secretário-geral do partido, Américo Ramos, na sede na capital são-tomense.
O responsável denunciou "essas manobras que tentam impedir que o ADI vença essas eleições de forma legal, correta e transparente", frisou.
"Não sei por que carga de água o senhor presidente da Comissão Eleitoral Nacional nega categoricamente ler esses resultados, e, enquanto nega, reúne-se com um administrador da empresa Rosema no seu gabinete, que é um dos apoiantes do MLSTP, para tratar o quê, eu não sei", comentou, aludindo ao deputado do partido no poder e administrador da cervejeira Manuel Martins, conhecido como Manuel 'Sãozinha'.
A cervejeira Rosema foi alvo de uma longa disputa judicial sobre a sua propriedade entre o empresário angolano Melo Xavier e os irmãos são-tomenses António e Domingos Monteiro, tendo o processo sido reaberto em 2019 pela justiça, que entregou a fábrica ao empresário angolano Mello Xavier, retirando-a aos são-tomenses, que a tinham adquirido por 5,5 milhões de euros.
"Nem sei onde é que ele anda"
Questionado sobre esta acusação do ADI, José Carlos Barreiros negou ter-se encontrado com o deputado e administrador da empresa nas instalações da CEN. "Nem sei onde é que ele anda. Somos amigos", afirmou. No entanto, testemunhas no local garantiram à Lusa que Manuel 'Sãozinha' esteve no gabinete do presidente da CEN na tarde de segunda-feira.
O líder da ADI, Patrice Trovoada, reivindicou na segunda-feira de manhã a vitória com maioria absoluta, com 29 dos 55 deputados à Assembleia Nacional.
"Os resultados deveriam ter sido apresentados já há muito tempo. Nunca nesse país houve um espaço tão grande. Tudo isso são manobras dilatórias no sentido de criar problemas nessa sociedade, num país pequeno, de irmãos, um país que precisa de outras coisas, um país que visa desenvolver, um país que precisa lutar contra a fome, contra a pobreza e [tem] um grupo de gente com esse tipo de atitude", referiu.
"Nós vamos utilizar a força do povo para fazer vincular a nossa posição e fazer vencer esse tipo de gente. Nós não estamos mais a conseguir controlar a fúria da população, porque a população quer revoltar-se", comentou Américo Ramos.
Manifestações para mostrar "que o povo é que manda"
Questionado se esta posição não poderá incentivar confrontos, como aconteceu no rescaldo das eleições em 2018, o dirigente partidário afirmou que não: "O ADI sempre fez manifestações pacíficas, mas tem que se mostrar a essa gente que o povo é que manda".
"Nós estamos perante um grupo de gente mafiosa, bandida, que não quer o bem para esse país, são sempre as mesmas pessoas", referiu.
No exterior da sede, pouco mais de uma dezena de apoiantes da ADI já se concentravam no local, muito perto da sede da CEN, e gritavam para mostrar o seu descontentamento pela demora no anúncio de resultados.
Cerca de 30 minutos depois, o presidente da CEN, o juiz José Carlos Barreiros anunciou o número de votos que cada concorrente teve nas legislativas. No exterior, mais manifestantes juntaram-se ao protesto contra o responsável da CEN e incendiaram pneus no meio da estrada, a poucos metros das instalações do organismo, cercadas por militares e polícias.
"Digam o número de mandatos", pedia um manifestante, enquanto outro reclamava: "não sabemos como está formada a Assembleia Nacional hoje, se há maioria ou não". Exaltados, manifestantes gritavam "rua, rua" e insultos, enquanto um apoiante do ADI pedia "transparência no processo". "Não podem roubar os votos do povo", dizia outro.
São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
Na capital do país, São Tomé, profissionais dos mais diversos setores ralatam as intempéries causadas pela Covid-19, mas falam em esperança num futuro sem pandemia.
Foto: João Carlos/DW
Impacto negativo das restrições
Quem chega às ilhas de São Tomé e Príncipe, plantadas no meio do Oceano Atlântico, depara com um ambiente de quase total abstração sobre a existência da Covid-19. A maior parte da população não usa máscara facial. Mas a pandemia do novo coronavírus obrigou a muitas restrições e teve um forte impacto negativo na vida social e económica deste país da África Central.
Foto: João Carlos/DW
Normalidade em plena pandemia
Apesar dos vários avisos e informações oficiais recomendarem cuidados preventivos e proteção por causa do coronavírus e de suas variantes, muitos são-tomenses levam a sua vida quotidiana com normalidade, praticamente a ignorar que a Covid-19 constitui um problema de saúde pública. No entanto, há quem reconheça que a doença provocou perturbações no quotidiano da população.
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A vida está mais difícil
Taxista, 40 anos de idade, pai de quatro filhos, Euclides Gonçalves é quem sustenta a família. A vida que já não era está fácil ficou ainda mais difícil desde o início da pandemia de Covid-19. "Sentimos muita pressão com esta pandemia", afirma. "O negócio arrefeceu e é mais complicado ganhar dinheiro", diz o taxista, reconhecendo que "vivemos um momento de crise mundial".
Foto: João Carlos/DW
Subsídio do Estado é irrisório
O subsídio de cerca de 60 euros atribuído apenas uma vez pelo Governo são-tomense foi irrisório face à dimensão dos prejuízos que os taxistas sofrem depois do surto da pandemia. "O santomense nunca acreditou que houve Covid-19 em São Tomé e Príncipe", afirma Euclides, explicando a razão pela qual já não exige aos passageiros o uso de máscaras.
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Clientes também têm dificuldades
Fernando Afonso Vila Nova, motoqueiro de 62 anos de idade, também tem limitações para sustentar a família. Ainda com filhos na escola, consegue o sustento com muito sacrifício, já agravado pelo acidente de viação que lhe afetou as pernas e um braço. A crise pandémica agudizou a sua situação e de muitos colegas: "Há pouco movimento porque os clientes também passam por dificuldades".
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Nem barba, nem cabelo e tampouco bigode
A Barbearia Rita é uma das mais antigas da cidade de São Tomé. Edne Sacramento, cabeleireiro há 17 anos e pai de três filhos, testemunha em que medida a Covid-19 prejudicou a sua atividade. "Antes da pandemia, tínhamos muitos clientes", relata. Mas "depois da pandemia, muitos sentiam aquele receio de vir cá ao salão cortar cabelo, apesar de cumprirmos as regras todas".
Foto: João Carlos/DW
Escassez de mercadorias
Maria Helena da Mata, há mais de 30 anos no comércio, diz que é "muito forte" o impacto na sua atividade. O país depende totalmente do exterior: "Houve falta de transporte marítimo, o que provocou escassez de mercadorias". Além disso, a crise afetou a situação das famílias. "As pessoas não têm dinheiro, não têm poder de compra. Isso faz com que o comércio esteja também numa situação caótica".
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Encerramentos e incertezas
Os setores da restauração, viagens e eventos não ficaram ilesos. Elisabete Carvalho avalia a atual conjuntura com algum alívio porque fez investimentos próprios sem recorrer a créditos. Ainda assim, foi obrigada a fechar os serviços e isso acabou por afetar muitas famílias que empregava. "Neste momento, tudo é uma incerteza", refere.
Foto: João Carlos/DW
O peixe de cada dia
Nascido na localidade de Praia Gambôa, arredores de São Tomé, o pescador Cristovão da Trindade confirma que a sua atividade também sofreu com a redução da campanha e limitação à circulação das "palaiês" [vendedeiras de peixe], afetando o rendimento de toda a comunidade. Agora que diminuiu o número de casos de infetados, ele e os demais pescadores tentam recuperar o tempo perdido.
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Acostumar-se ao teletrabalho
O jurista Weiko Bastos diz que a pandemia pesou fundamentalmente na redução da receita e dos honorários. Levou à diminuição da quantidade e qualidade de clientes. Isso, aliado ao confinamento, atingiu igualmente o orçamento da sua família, forçada a fazer contenção de gastos. "Não estávamos preparados para o teletrabalho e não tinha Internet em casa. As dificuldades eram maiores", recorda.
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Estudar em casa
O professor e escritor, Lúcio Amado é um observador crítico da sociedade são-tomense. Considera que a principal preocupação da população é a sobrevivência, o que faz com que se não dê muita atenção à luta contra a Covid-19. No entanto, reconhece, a pandemia teve reflexos perversos no sistema de ensino. As turmas tinham números elevados de alunos que foram forçados a ficar em casa.
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Dançar conforme a música
Tem um disco novo que devia ter sido lançado em 2020, o que não aconteceu devido à Covid-19. "Tive que suspender todos os trabalhos", explica Kalú Mendes, produtor e um dos músicos de referência de São Tomé e Príncipe. '"Também as grandes editoras começaram a ter problemas financeiros", afirma. No entanto, continua a trabalhar e espera ter o disco no mercado em 2022.
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Resistir à turbulência
Outra referência das artes das ilhas, João Carlos Nezó resiste às intempéries no sul de São Tomé: "Aqui o mercado de arte é muito pequeno", dependente de turistas estrangeiros. Com a pandemia, deixou de vender. Ficou em primeiro lugar num concurso da Aliança Francesa, que lhe dava o passaporte para participar numa residência artística. "Não pude ir porque a pandemia durou dois anos", lamenta.
Foto: João Carlos/DW
Quebra brutal no turismo
Ligada a um empreendimento turístico ecológico no sul de São Tomé, Luísa Carvalho lamenta a quebra de turistas. "Todos os dias há cancelamentos de reservas. Antes da pandemia, tínhamos muita procura", garante a gerente. "De julho até então", adianta, "têm estado a aparecer alguns clientes curiosos", que fogem um pouco à situação, por exemplo, na Europa. Ms prevê: "Isto já não será como era antes".
Foto: João Carlos/DW
Resistência à vacinação
No início, havia resistência da maioria dos são-tomenses em aceitar a vacina contra a Covid-19, devido a rumores sobre a Astrazeneca. No entanto, com a campanha iniciada a 15 de março, aumentou a adesão da população, diz Solange Barros, coordenadora do Programa Nacional de Vacinação. "As vacinas são todas eficazes". Mas, dá conta, a adesão à segunda dose ficou muito aquém do esperado.
Foto: João Carlos/DW
À espera da terceira dose
Daniel Costa reconhece que "a pandemia afetou toda a gente". Para este antigo militar das Forças Armadas, as restrições impostas pelo confinamento e fracos salários agravaram o nível de pobreza da população. Sentiu-se algum alívio com as medidas de apoio do Governo aos mais carenciados. Diz que está pronto para tomar a terceira dose de qualquer vacina e aconselha as pessoas a se vacinarem.
Foto: João Carlos/DW
Manter a esperança e o otimismo
Apesar de algum receio, há uma mensagem de esperança entre os são-tomenses. Os nossos entrevistados acreditam que "as coisas poderão melhorar" nos próximos tempos, sobretudo para a atividade turística afetada sobremaneira. Vive-se uma "normalidade aparente", como diz Elisabete Carvalho, mas a expetativa está em 2022, porque, argumenta Weiko Bastos, "a economia não suporta mais confinamentos".