Liga dos Direitos Humanos e oposição são-tomense pedem justiça após incidentes de 25 de novembro. Ministério Público indiciou 23 arguidos, incluindo o ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.
Publicidade
Óscar Baía, presidente da Liga dos Direitos Humanos de São Tomé e Príncipe, diz que o despacho de acusação só peca por tardio.
"Essas grandes chefias militares já deveriam ter sido constituídas arguidas", afirma Baía em declarações à DW África.
No documento de mais de 100 páginas, divulgado na quinta-feira (16.03), o Ministério Público acusa Olinto Paquete, ex-chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, e Armindo Rodrigues, atual vice-chefe do Estado-Maior, de 14 crimes de tortura e maus-tratos "em autoria material, por omissão, com dolo eventual" e do homicídio de quatro homens, que supostamente atacaram o quartel militar.
"Execução sumária"
O presidente da Liga dos Direitos Humanos entende, no entanto, que "não era necessário o relatório [do Ministério Público] para se perceber que realmente essas pessoas foram mortas a mando das chefias militares", lamentou.
Fotos e vídeos dos quatro homens detidos, acusados de atacar o quartel, circularam nas redes sociais depois dos acontecimentos de 25 de novembro. Apareciam com as mãos amarradas atrás das costas e com marcas de agressão. Militares agrediam-nos.
Para Óscar Baía, foi uma "execução sumária".
"As pessoas já estavam imobilizadas. Segundo o relatório, quando o chefe de Estado-Maior das Forças Armadas e o vice-chefe do Estado-Maior se reuniram com o primeiro-ministro, ele teria dado ordem explícitas para que esses detidos fossem entregues à Polícia Judiciária", diz Baía. Mas os militares terão insistido em não entregar os quatro homens detidos no quartel.
Além do ex-chefe de Estado-Maior das Forças Armadas e do atual vice-chefe do Estado-Maior, o atual comandante das Forças Armadas, o coronel José Maria Menezes, também é acusado de tortura, maus-tratos e homicídio qualificado.
Publicidade
Julgamento é o próximo passo
Jorge Bom Jesus, ex-primeiro-ministro e líder do maior partido da oposição, o MLSTP/PSD, saúda o despacho Ministério Público. "Agora, esta é a primeira fase. O processo tem de ir à barra dos tribunais", disse à DW.
O líder partidário espera que a verdade venha ao de cima, que os culpados sejam "exemplarmente punidos e que seja feita justiça", descrevendo os atos praticados contra as vítimas como "bárbaros, praticamente animalescos e da Idade Média".
É necessário assegurar que algo do género não volte a acontecer em São Tomé e Príncipe, acrescenta Jorge Bom Jesus: "Ninguém está acima da lei".
"Limpeza" nas Forças Armadas
O líder da oposição espera ainda mudanças nas Forças Armadas, afirmando que é preciso "expurgar das Forças Armadas os elementos nocivos, os militares indesejáveis."
No despacho divulgado na quinta-feira (16.03), o Ministério Publico pede a pena acessória de demissão das Forças Armadas de todos os acusados. Mas o presidente da Liga dos Direitos Humanos, Óscar Baía, diz que é preciso fazer mais face à "barbaridade" do que aconteceu a 25 de novembro.
"O Ministério Publico deveria propor também a medida de coação mais elevada, a prisão preventiva."
O dirigente não compreende porque é que apenas 11 dos arguidos estão em "prisão preventiva e outros", sobretudo com "maior responsabilidade", não foram abrangidos pela medida. Baía diz que vai "continuar à espera" de um novo pronunciamento do Ministério Público.
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.