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Direito e JustiçaSão Tomé e Príncipe

STP: Relatórios sobre "tentativa de golpe" geram dúvidas

30 de março de 2023

Quatro meses após alegada tentativa de golpe de Estado em São Tomé e Príncipe, advogado e analista questionam discrepâncias nos relatórios da Polícia Judiciária e Ministério Público e apontam conivência das autoridades.

Famílias das vítimas pedem justiçaFoto: João Carlos/DW

Carlos Semedo, advogado do deputado Delfim Neves, está de volta a São Tomé e Príncipe para preparar a defesa dos familiares dos jovens mortos após o assalto ao quartel do Morro ocorrido na madrugada do dia 25 de novembro do ano passado.

Quatro meses após os acontecimentos que as autoridades oficiais são-tomenses classificaram como "tentativa de golpe de Estado", persistem muitas interrogações sobre a veracidade dos fatos. Tanto o jurista Carlos Semedo como o analista político Danilo Salvaterra, ouvidos pela DW, questionam as discrepâncias dos relatórios sobre os episódios produzidos pela Polícia Judiciária (PJ) e pelo Ministério Público (MP) são-tomenses. 

Carlos Semedo voltou esta semana a São Tomé para organizar o processo relativo à fase de instrução contraditória, depois dos relatórios divulgados pelo MP e pela PJ sobre os meandros dos acontecimentos de 25 de novembro de 2022 no quartel das Forças Armadas. Os atos culminaram com a prisão de Delfim Neves, ex-presidente da Assembleia Nacional agora em Portugal para tratamento médico, e a morte de quatros homens, incluindo Arlécio Costa, antigo elemento do Batalhão Búfalo.

O jurista são-tomense, que encabeça uma equipa de advogados, vai reunir elementos para, entre outros, tentar provar a inocência dos jovens acusados de tentativa de golpe de Estado e rebater a acusação do Ministério Público sobre os assassinatos ocorridos naquela data.

"Vamos preparar o processo, eu e os colegas que eventualmente quiserem intervir, para a fase de audiência de julgamento", explica. "Vamos procurar que 'os garotos' – que estão falsamente acusados – não cheguem sequer a julgamento", garante o advogado.

Soldados nas ruas após alegada tentativa de golpeFoto: Ramusel Graca/DW

Foco nos relatórios

Em caso de julgamento, Carlos Semedo assegura que será preparada a defesa contra o que classifica como "inventona": "São soldados e cabos que não têm qualquer capacidade organizativa e que estão acusados", aponta.

O advogado confirma que os relatórios da Polícia Judiciária e do Ministério Público, ambos com a mesma data, serão explorados até à exaustão, sobretudo as respetivas contradições e fragilidades.

"Os dois relatórios são instrumentos de trabalho. São relatórios que querem provar tudo e o seu contrário. Vamos comparar os dois relatórios com o que está nas duas acusações, primeiro, para surpreendermos as [suas] fragilidades, mas também reforçar as ideias daqueles que bateram. Isto é, quando há 15 pessoas acusadas de terem batido nós temos que especificar quem bateu, como, porquê e quando. É isso que vamos fazer", promete.

Polícia Judiciária de São Tomé e PríncipeFoto: João Carlos/DW

Militar em fuga

Um dos militares implicados na agressão e no assassinato dos jovens no quartel, "que deveria estar em prisão preventiva", encontra-se "refugiado em Portugal com autorização do Ministério da Defesa", adianta o jurista.

Sobre este desertor do exército em fuga, de nome Gérson Vaz, o analista político são-tomense Danilo Salvaterra levanta uma questão: "Como é que um militar em fuga consegue sair pelas fronteiras de São Tomé e Príncipe? A conclusão a que eu chego é que [ele] só pode ter saído em conivência com as estruturas governamentais através de um passaporte de serviço ou um passaporte diplomático".

O referido militar, 1º Cabo de Artilharia das Forças Armadas, está em Portugal desde 31 de dezembro do ano passado.

Autoridades coniventes?

Danilo Salvaterra fala também de conivência por parte das autoridades oficiais em relação a outros dois militares, respetivamente Alex Viegas (tenente de Infantaria) e Jaime Pereira (tenente de Artilharia), envolvidos nos atos de tortura do dia 25 de novembro de 2022. De acordo com uma fonte da DW, ambos encontram-se em Portugal, desde 6 de fevereiro passado, a frequentar um curso na Escola das Armas, em Mafra, para promoção a capitão do Exército.

"Como é que indivíduos como esta postura e acusados podem sair para frequentar um curso de promoção? Não faz sentido e é de difícil compreensão a saída dos três [militares] para Portugal", sublinha o analista.

Carlos Semedo considera que a situação "é extremamente grave": "Quer dizer que há forte conivência e proteção que nós vamos tentar demonstrar aos poderes políticos", garante.

Aeroporto Internacional de São ToméFoto: João Carlos/DW

Em defesa de Delfim Neves

O advogado tem em mãos processos autónomos já apresentados que correspondem às queixas contra as chefias militares e os demais soldados identificados durante a investigação pelo Ministério Público são-tomense. Carlos Semedo está em São Tomé também para preparar outro processo distinto contra o crime de sequestro, imputado a instituições e militares envolvidos na detenção de Delfim Neves durante os acontecimentos de 25 de novembro de 2022.

"Para além do pedido de indemnização pelos danos que ele sofreu no processo que o Ministério Público abriu e já arquivou. O chamado primeiro processo", explica.

Delfim Neves, cujo primeiro processo foi arquivado pelo Ministério Público por falta de provas quanto ao seu envolvimento como potencial mandante e financiador da intentona, apresentou antes uma queixa por difamação contra o primeiro-ministro, Patrice Trovoada, a primeira figura a reagir oficialmente, naquela altura, sobre a alegada "tentativa de golpe de Estado". Apesar das ameaças e das pressões, o jurista afirma que a sua equipa está mais alerta e vai estar atento a todos os passos. 

Carlos Semedo revelou que, posteriormente, os processos serão também levados à Comissão dos Direitos Humanos do Parlamento Europeu e à Amnistia Internacional.

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