São Tomé: Presos no exército disponíveis para advogados
Lusa
16 de dezembro de 2022
O Ministério da Defesa assegurou que a permanência de militares em prisão preventiva nas instalações do exército cumpre a lei e os mesmos estão disponíveis para diligências judiciárias e advogados.
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"Estamos em presença de um crime essencialmente militar, sendo assim, quando decretado a prisão preventiva aos militares no ativo ou na efetividade de serviço, estes deverão ser requisitados aos superiores hierárquicos pela polícia criminal competente, nos termos da legislação processual penal aplicável”, refere o comunicado do gabinete do ministro da Defesa e Administração Interna, Jorge Amado.
Em causa está o assalto ao quartel-militar das Forças Armadas, em São Tomé, ocorrido em 25 de novembro, em que morreram quatro pessoas que se encontravam sob custódia militar. Segundo o Ministério Público são-tomense, até esta quinta-feira, tinham sido detidas 17 pessoas, das quais nove ficaram em prisão preventiva.
O documento da Defesa, datado de quinta-feira, afirma pretender "repor a verdade”, face a informações veiculadas "nas redes sociais e por algumas fontes mal informadas” de que as Forças Armadas de São Tomé e Príncipe encarceraram no presídio militar os militares envolvidos no ato , "contrariando assim a decisão das autoridades judiciais nacionais que decretaram a prisão preventiva dos mesmos na cadeia central”.
O gabinete do ministro da Defesa e Administração Interna, Jorge Amado, sublinha que de acordo com o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, lei nº. 8/2012, "os militares detidos ou presos preventivamente devem manter-se em prisão militar à ordem do tribunal ou à autoridade competente”.
"Importa ainda acrescentar que os militares detidos em flagrante delito serão imediatamente entregues às autoridades militares, mantendo-se a ordem do tribunal ou autoridade competente nos termos da legislação processual aplicável”, acrescenta do comunicado.
Inverdades
O gabinete de Jorge Amado assegura que "os militares detidos preventivamente em prisão militar encontram-se à ordem do Tribunal Judicial ou do Ministério Público, dispondo o tribunal e a autoridade judiciária competente de toda a liberdade para efetuar as diligências julgadas necessárias no âmbito processual”.
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"De igual forma, o militar tem direito a receber proteção jurídica nas modalidades de consulta jurídica e apoio judiciário para defesa dos seus direitos, do seu nome e da sua reputação, não estando vedado em momento nenhum o contacto com os respetivos advogados”, lê-se na nota do Ministério da Defesa.
O Ministério da Defesa considera que toda a informação contrária "constitui falta à verdade e intenção maléfica no sentido de fazer veicular inverdades e atingir objetivos que contrariam a lei”.
Na quarta-feira, o bastonário da Ordem dos Advogados de São Tomé e Príncipe, Wilfred Moniz, que coordena uma equipa de três advogados que presta assistência a 15 arguidos, disse que nove militares foram colocados em prisão preventiva nas instalações das Forças Armadas "contra a decisão da juíza”.
"A juíza da instrução criminal decretou no seu despacho que as pessoas fossem esperar o julgamento na prisão civil, mas no dia em que isso aconteceu os militares impuseram-se contra o despacho da juíza. É uma questão que nós lamentamos num país de direito, que dizem que ninguém está sob a decisão judicial”, referiu Wilfred Moniz.
"Se os militares não concordam com essa decisão devem recorrer, têm meios próprios para o efeito e não se sobrepor a uma ordem da meritíssima juíza”, acrescentou.
Denúncia de tortura
Na quinta-feira, um grupo de sete partidos da oposição defendeu que o "crime de tortura até a morte não é um crime militar”, mas sim um crime civil, e por isso apelou para que os militares que foram colocados em prisão preventiva nas instalações do quartel do exército fossem entregues às autoridades civis.
Estes partidos, com e sem assento parlamentar, apelaram ao Conselho Superior de Defesa que aja rapidamente para expurgar "militares criminosos” que "torturaram até a morte” quatro civis no quartel do exército.
Após o ataque ao quartel-general das Forças Armadas são-tomenses, que as autoridades classificaram de "tentativa de golpe de Estado", três dos quatro assaltantes e Arlécio Costa, antigo combatente do 'batalhão Búfalo' alegadamente identificado como mandante do ataque, morreram, quando se encontravam sob custódia dos militares, tendo circulado imagens e vídeos que mostram que foram alvo de maus-tratos.
O Governo são-tomense anunciou ter feito uma denúncia ao Ministério Público para que investigue a "violência e tratamento desumano” de que foram vítimas os detidos.
O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de São Tomé e Príncipe pediu, entretanto, a demissão, denunciando "atos de traição” e condenando os "factos horrorosos” que envolveram a morte de quatro detidos. O primeiro-ministro, Patrice Trovoada, classificou as mortes como "execuções extrajudiciais".
Nas primeiras horas após o ataque, os militares também detiveram o ex-presidente da Assembleia Nacional Delfim Neves, alegadamente identificado pelos atacantes também como mandante do assalto, que foi libertado três dias depois.
No país está uma missão de informação da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) e também se deslocou ao país, esta semana, o representante do alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos na África Central para avaliar os maus-tratos aos detidos.
São Tomé e Príncipe: Como a pandemia mudou a vida das pessoas
Na capital do país, São Tomé, profissionais dos mais diversos setores ralatam as intempéries causadas pela Covid-19, mas falam em esperança num futuro sem pandemia.
Foto: João Carlos/DW
Impacto negativo das restrições
Quem chega às ilhas de São Tomé e Príncipe, plantadas no meio do Oceano Atlântico, depara com um ambiente de quase total abstração sobre a existência da Covid-19. A maior parte da população não usa máscara facial. Mas a pandemia do novo coronavírus obrigou a muitas restrições e teve um forte impacto negativo na vida social e económica deste país da África Central.
Foto: João Carlos/DW
Normalidade em plena pandemia
Apesar dos vários avisos e informações oficiais recomendarem cuidados preventivos e proteção por causa do coronavírus e de suas variantes, muitos são-tomenses levam a sua vida quotidiana com normalidade, praticamente a ignorar que a Covid-19 constitui um problema de saúde pública. No entanto, há quem reconheça que a doença provocou perturbações no quotidiano da população.
Foto: João Carlos/DW
A vida está mais difícil
Taxista, 40 anos de idade, pai de quatro filhos, Euclides Gonçalves é quem sustenta a família. A vida que já não era está fácil ficou ainda mais difícil desde o início da pandemia de Covid-19. "Sentimos muita pressão com esta pandemia", afirma. "O negócio arrefeceu e é mais complicado ganhar dinheiro", diz o taxista, reconhecendo que "vivemos um momento de crise mundial".
Foto: João Carlos/DW
Subsídio do Estado é irrisório
O subsídio de cerca de 60 euros atribuído apenas uma vez pelo Governo são-tomense foi irrisório face à dimensão dos prejuízos que os taxistas sofrem depois do surto da pandemia. "O santomense nunca acreditou que houve Covid-19 em São Tomé e Príncipe", afirma Euclides, explicando a razão pela qual já não exige aos passageiros o uso de máscaras.
Foto: João Carlos/DW
Clientes também têm dificuldades
Fernando Afonso Vila Nova, motoqueiro de 62 anos de idade, também tem limitações para sustentar a família. Ainda com filhos na escola, consegue o sustento com muito sacrifício, já agravado pelo acidente de viação que lhe afetou as pernas e um braço. A crise pandémica agudizou a sua situação e de muitos colegas: "Há pouco movimento porque os clientes também passam por dificuldades".
Foto: João Carlos/DW
Nem barba, nem cabelo e tampouco bigode
A Barbearia Rita é uma das mais antigas da cidade de São Tomé. Edne Sacramento, cabeleireiro há 17 anos e pai de três filhos, testemunha em que medida a Covid-19 prejudicou a sua atividade. "Antes da pandemia, tínhamos muitos clientes", relata. Mas "depois da pandemia, muitos sentiam aquele receio de vir cá ao salão cortar cabelo, apesar de cumprirmos as regras todas".
Foto: João Carlos/DW
Escassez de mercadorias
Maria Helena da Mata, há mais de 30 anos no comércio, diz que é "muito forte" o impacto na sua atividade. O país depende totalmente do exterior: "Houve falta de transporte marítimo, o que provocou escassez de mercadorias". Além disso, a crise afetou a situação das famílias. "As pessoas não têm dinheiro, não têm poder de compra. Isso faz com que o comércio esteja também numa situação caótica".
Foto: João Carlos/DW
Encerramentos e incertezas
Os setores da restauração, viagens e eventos não ficaram ilesos. Elisabete Carvalho avalia a atual conjuntura com algum alívio porque fez investimentos próprios sem recorrer a créditos. Ainda assim, foi obrigada a fechar os serviços e isso acabou por afetar muitas famílias que empregava. "Neste momento, tudo é uma incerteza", refere.
Foto: João Carlos/DW
O peixe de cada dia
Nascido na localidade de Praia Gambôa, arredores de São Tomé, o pescador Cristovão da Trindade confirma que a sua atividade também sofreu com a redução da campanha e limitação à circulação das "palaiês" [vendedeiras de peixe], afetando o rendimento de toda a comunidade. Agora que diminuiu o número de casos de infetados, ele e os demais pescadores tentam recuperar o tempo perdido.
Foto: João Carlos/DW
Acostumar-se ao teletrabalho
O jurista Weiko Bastos diz que a pandemia pesou fundamentalmente na redução da receita e dos honorários. Levou à diminuição da quantidade e qualidade de clientes. Isso, aliado ao confinamento, atingiu igualmente o orçamento da sua família, forçada a fazer contenção de gastos. "Não estávamos preparados para o teletrabalho e não tinha Internet em casa. As dificuldades eram maiores", recorda.
Foto: João Carlos/DW
Estudar em casa
O professor e escritor, Lúcio Amado é um observador crítico da sociedade são-tomense. Considera que a principal preocupação da população é a sobrevivência, o que faz com que se não dê muita atenção à luta contra a Covid-19. No entanto, reconhece, a pandemia teve reflexos perversos no sistema de ensino. As turmas tinham números elevados de alunos que foram forçados a ficar em casa.
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Dançar conforme a música
Tem um disco novo que devia ter sido lançado em 2020, o que não aconteceu devido à Covid-19. "Tive que suspender todos os trabalhos", explica Kalú Mendes, produtor e um dos músicos de referência de São Tomé e Príncipe. '"Também as grandes editoras começaram a ter problemas financeiros", afirma. No entanto, continua a trabalhar e espera ter o disco no mercado em 2022.
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Resistir à turbulência
Outra referência das artes das ilhas, João Carlos Nezó resiste às intempéries no sul de São Tomé: "Aqui o mercado de arte é muito pequeno", dependente de turistas estrangeiros. Com a pandemia, deixou de vender. Ficou em primeiro lugar num concurso da Aliança Francesa, que lhe dava o passaporte para participar numa residência artística. "Não pude ir porque a pandemia durou dois anos", lamenta.
Foto: João Carlos/DW
Quebra brutal no turismo
Ligada a um empreendimento turístico ecológico no sul de São Tomé, Luísa Carvalho lamenta a quebra de turistas. "Todos os dias há cancelamentos de reservas. Antes da pandemia, tínhamos muita procura", garante a gerente. "De julho até então", adianta, "têm estado a aparecer alguns clientes curiosos", que fogem um pouco à situação, por exemplo, na Europa. Ms prevê: "Isto já não será como era antes".
Foto: João Carlos/DW
Resistência à vacinação
No início, havia resistência da maioria dos são-tomenses em aceitar a vacina contra a Covid-19, devido a rumores sobre a Astrazeneca. No entanto, com a campanha iniciada a 15 de março, aumentou a adesão da população, diz Solange Barros, coordenadora do Programa Nacional de Vacinação. "As vacinas são todas eficazes". Mas, dá conta, a adesão à segunda dose ficou muito aquém do esperado.
Foto: João Carlos/DW
À espera da terceira dose
Daniel Costa reconhece que "a pandemia afetou toda a gente". Para este antigo militar das Forças Armadas, as restrições impostas pelo confinamento e fracos salários agravaram o nível de pobreza da população. Sentiu-se algum alívio com as medidas de apoio do Governo aos mais carenciados. Diz que está pronto para tomar a terceira dose de qualquer vacina e aconselha as pessoas a se vacinarem.
Foto: João Carlos/DW
Manter a esperança e o otimismo
Apesar de algum receio, há uma mensagem de esperança entre os são-tomenses. Os nossos entrevistados acreditam que "as coisas poderão melhorar" nos próximos tempos, sobretudo para a atividade turística afetada sobremaneira. Vive-se uma "normalidade aparente", como diz Elisabete Carvalho, mas a expetativa está em 2022, porque, argumenta Weiko Bastos, "a economia não suporta mais confinamentos".