São Tomé: PJ efetua "a maior incineração de droga até hoje"
Lusa
11 de agosto de 2019
Equipa multissetorial incinerou 33,5 quilos de drogas apreendidos no aeroporto e no porto da capital são-tomense. Ex-ministro da Defesa afirma que "disfuncionamento" nos tribunais dificulta combate ao tráfico no país.
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As drogas, incineradas numa operação apoiada por fortes medidas de segurança e coordenada pela Polícia Judiciária (PJ), na lixeira de Penha, a três quilómetros da capital são-tomense, são 31,7 quilos de cocaína apreendidas no aeroporto de São Tomé na primeira semana de julho, e 1,7 quilos de heroína apreendidos nas alfândegas do país.
A operação envolveu agentes da Polícia Judiciária, da Polícia Nacional, da Polícia Fiscal e Aduaneira, do Ministério Público (MP) e dos tribunais e foi considerada "a maior incineração de droga efetuada até hoje" pela polícia.
"Todas as drogas apreendidas pela polícia devem ser queimadas, mas para isso precisamos de uma autorização judicial", explicou a diretora da Polícia Judiciária, Maribel Rocha.
A diretora da PJ referiu ainda uma nova apreensão de cocaína no aeroporto da Região Autónoma do Príncipe que aguarda autorização dos serviços judiciais para incineração, sem, contudo, dar mais detalhes.
Consumo nas escolas
Na quinta-feira, em declarações à Rádio Nacional (emissora oficial), Maribel Rocha alertou as autoridades para o consumo de droga em pelo menos nove escolas do país, sem especificar o tipo de estupefaciente.
Dados avançados por esta responsável indicam que pelo menos oito por cento dos alunos do Liceu Nacional - a maior instituição escolar do país, na capital, com mais de seis mil alunos - consomem droga, seguindo-se a escola secundária de Algés, em Cantagalo, com seis por cento, e outros seis por cento da escola secundária da Trindade.
De acordo com a diretora da PJ, dois por cento dos alunos da escola secundária de Neves (norte de São Tomé) foram igualmente identificados como consumidores de estupefacientes, e um por cento dos alunos do liceu Manuela Margarido, em Mé Zochi. Um por cento dos alunos de quatro escolas da Região Autónoma do Príncipe, designadamente escola secundária do Príncipe, de Santo António Segundo, da escola Nova Estrela, e da escola Padrão, também são consumidores.
Problemas na justiça dificultam trabalho da PJ, diz ex-ministro
Arlindo Ramos, deputado da Ação Democrática Independente (ADI, na oposição) e ministro da Defesa e Administração Interna no anterior Governo (de Patrice Trovoada, 2014-2018) exortou as autoridades a "levarem a sério" o combate ao tráfico e consumo de drogas no país.
Intervindo na quinta-feira (08.08) em sessão plenária na Assembleia Nacional, o antigo governante considerou que os tribunais atravessam uma fase de "disfuncionamento", o que "complica ainda mais o problema" e põe em causa os trabalhos da Polícia Judiciária (PJ).
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O deputado do ADI lembrou as declarações da diretora da Polícia Judiciária aquando da apreensão no mês passado de 33 quilos de cocaína, segundo as quais 80% das drogas apreendidas no país saem para o estrangeiro e outros 20% são consumidas em São Tomé e Príncipe.
Arlindo Ramos fez as contas e concluiu que "20% de 35 quilos de cocaína dariam cerca de 70 mil doses e é muita droga".
O ex-ministro convidou as autoridades a refletir sobre este problema e saudou a cooperação da Polícia Judiciária portuguesa no combate ao tráfico. Arlindo Ramos defende que o combate ao tráfico e consumo de droga deve merecer o envolvimento de todos, mas a realidade que se vive a nível dos órgãos judiciais "deixa muito a desejar" e desencoraja a PJ.
"Se as drogas são entregues aos tribunais acompanhadas de detidos, o tribunal diz que as provas não são suficientemente claras para manter essas pessoas detidas, as drogas são guardadas nos tribunais e depois desaparecem. As pessoas são identificadas e indiciadas, mas acabam por entrar novamente no sistema", criticou o deputado.
Arlindo Ramos não avançou nomes, mas diz saber de "muitas pessoas" que são recetoras de drogas em São Tomé, "são levadas ao Ministério Público e aos tribunais, mas depois estão na rua". O ex-ministro considerou que "tudo isso tira credibilidade, força e vontade de continuar a trabalhar" à PJ.
Portugal destaca-se no combate à droga
País europeu conseguiu reduzir o consumo de estupefacientes e tem-se tornado uma referência sem declarar guerra contra as drogas, mas adotando medidas como a descriminalização e o envolvimento de grupos de ajuda.
Foto: DW/J. Carlos
De "berço da droga" para a mudança
Há cerca de 15 anos, o bairro do Intendente, em Lisboa, era uma espécie de "berço da droga", depois do desmantelamento do mal afamado Casal Ventoso, em Campolide. A requalificação das ruas e das praças parece ter dado mais garantia de segurança aos que circulam pelo bairro da freguesia de Arroios.
Foto: DW/J. Carlos
Praças renovadas e humanizadas
Quem circula pela Rua do Benformoso ou atravessa a Praça do Intendente, já não sente o clima tão tenso e de insegurança de outrora, em que o uso indiscriminado de droga ao ar livre partilhava espaço com a prostituição, predominantemente praticada por mulheres africanas. Este era um dos becos onde se acomodavam os toxicodependentes.
Foto: DW/J. Carlos
Arte no lugar da droga
Por iniciativa da autarquia local, a pequena Praça Benformoso, na freguesia de Santa Maria Maior, está mais alegre. A arte urbana vai ocupando alguns destes espaços, conferindo-lhes dignidade como lugar de lazer e de encontros. Com a requalificação, passou a designar-se "Bem Formosa Praça".
Foto: DW/J. Carlos
Luta ainda por vencer
Apesar de não ser uma luta vencida, Portugal é referenciado por ter conseguido reduzir o número de mortes por overdose, sendo um dos níveis mais baixos do mundo. O país é apontado como um exemplo também pelo facto de, ao mesmo tempo, baixar o número de toxicodependentes sem que este combate se transformasse numa guerra, a exemplo do que acontece noutras partes do mundo.
Foto: DW/J. Carlos
Realidade despercebida entre turistas
Alguns moradores e proprietários, entre comerciantes, aplaudem as obras feitas pela Câmara Municipal de Lisboa, bem como as medidas para controlar ou sanear o uso de droga a céu aberto. Apesar de mais segurança e de mais policiamento, o problema ainda persiste, embora de forma menos intensa e visível. De certo modo, a realidade passa despercebida entre os turistas.
Foto: DW/J. Carlos
Assistência médica imediata
No entanto, na Rua dos Anjos, que confina com o Largo do Intendente, ainda são visíveis vestígios da toxicodependência. A DW viu uma cidadã a preparar uma dose de produto para se injetar. Mais ao fundo da rua, uma ambulância prestava assistência a uma das vítimas de overdose, prontamente socorrida pelos serviços de emergência médica.
Foto: DW/J. Carlos
Casal Ventoso reconvertido
Muitos consumidores de droga no Intendente eram originários do antigo Casal Ventoso, onde também subsistem casos de consumo, mas mais controlados pelas instituições competentes. Considerado um dos bairros mais problemáticos de Lisboa, o reconvertido Casal Ventoso ainda é hoje alvo de intervenções sistemáticas visando reduzir o estigma e o impacto do consumo de droga nos grupos de risco.
Foto: CRESCER
Intervenção comunitária
A CRESCER, associação não-governamental de intervenção comunitária, não tem mãos a medir. Abraça várias valências no que toca à assistência social. Todas as semanas, as respetivas equipas, constituídas por jovens voluntários, estão no terreno para prestar assistência aos casos mais graves. Apoiam pessoas que usam substâncias legais e ilegais ou que se encontram em situação de vulnerabilidade.
Foto: CRESCER
Criar novas respostas
Apesar dos esforços, que ajudaram a regredir o recurso a substâncias psico-ativas e fazer face à disseminação do HIV/SIDA, "nos últimos anos não se tem criado novas respostas para a problemática da droga", conta o diretor executivo da CRESCER. Américo Nave defende a criação de salas de consumo assistido, como está previsto na lei de 2001, para evitar o consumo a céu aberto.
Foto: DW/J. Carlos
Visibilidade internacional
Desde 2000, as políticas e medidas na área do combate à droga ganharam uma enorme visibilidade no plano internacional. A decisão de descriminalizar o consumo de droga para tratar os toxicodependentes despertou o interesse do Papa Francisco. Tem particular importância o surgimento do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).
Foto: DW/J. Carlos
Impacto da descriminalização
"As pessoas praticavam furtos para sustentar a sua dependência", afirma João Goulão, diretor geral do SICAD, que destaca o impacto que teve a lei sobre a descriminalização do consumo. Além do drama do HIV/SIDA, Portugal tinha cerca de 100 mil utilizadores problemáticos de cocaína, o equivalente a 1% da população portuguesa.
Foto: DW/J. Carlos
Observatório adverte
Contrariando o otimismo das autoridades, o último relatório do Observatório Europeu sobre a Droga e a Toxicodependêcia (OEDT), com sede em Lisboa, diz que Portugal não merece referência especial pelos resultados alcançados, mas adverte que voltou a aumentar o número de mortes por overdose. De acordo com o relatório, diminuiu o número de infetados por HIV/SIDA.