Evaristo Carvalho: "É tempo de passar o testemunho"
Lusa
12 de julho de 2021
Em declarações, no âmbito dos 46 anos da independência do país, Evaristo Carvalho advertiu ainda contra a "compra" de votos no país que, diz, "tem manchado" as eleições e fez um balanço do seu mandato.
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O Presidente são-tomense, Evaristo Carvalho, justificou, pela primeira vez, esta segunda-feira (12.07), que decidiu não se candidatar a um segundo mandato para passar o testemunho aos mais jovens, afirmando esperar do seu sucessor "mais dinamismo e iniciativas".
O chefe de Estado de São Tomé e Príncipe não tinha, até agora, comentado publicamente a sua decisão sobre uma eventual recandidatura ao cargo presidencial, depois de, em abril, o presidente da Assembleia Nacional, Delfim Neves, ter anunciado que Evaristo Carvalho não avançaria para um segundo mandato nas eleições de dia 18 de julho.
"Não me recandidatei porque entendi que é tempo de passar o testemunho às gerações mais jovens, capazes de imprimir novas dinâmicas [...]" e "provavelmente mais promissoras em termos de energia, dinamismo e criatividade", afirmou hoje Evaristo Carvalho, no discurso que proferiu no Palácio dos Congressos, sede do parlamento são-tomense, no ato central de comemoração do 46.º aniversário da independência nacional.
"É o que espero depois do ato eleitoral de 18 de julho próximo: que o meu sucessor traga o mesmo empenho e a mesma boa vontade, com mais dinamismo e iniciativas, que traga propostas de grandes remédios para os grandes males de que o país enferma", acrescentou.
Evaristo Carvalho afirmou ainda ser expectável que "o próximo Presidente da República faça mais e melhor, a bem da nação são-tomense".
Exploração da pobreza para conseguir votos
Na mesma ocasião, o chefe de Estado advertiu contra a prática de dar dinheiro em troca de votos: "Não posso deixar de me referir ao fenómeno designado por 'banho', que tanto tem manchado os nossos atos eleitorais", disse.
"Explorar a pobreza do cidadão para beneficiar do seu voto é imoral e indecoroso", sublinhou.
Já o cidadão-eleitor, "deve votar de acordo com a sua consciência e não em função de quem der mais".
Na sua intervenção, alertou ainda para a necessidade de prevenir a propagação da Covid-19 durante a campanha eleitoral, que decorre até sexta-feira (16.07). As candidaturas, disse, "têm o dever cívico de evitar grandes aglomerações, tendo em conta a crise sanitária resultante da pandemia de Covid-19".
"Não podemos correr o risco de virmos a enfrentar uma terceira vaga devido a atos irresponsáveis das candidaturas. Constatamos lamentavelmente que não tem sido dada a devida atenção ao grave problema de aglomerações", afirmou Evaristo Carvalho.
"Corrupção desenfreada" no Estado
Ainda no Parlamento, o Presidente de São Tomé e Príncipe alertou para a "profunda crise de valores", que impede o desenvolvimento do país, criticando "a corrupção desenfreada das instituições do Estado".
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"País nenhum se desenvolve numa sociedade mergulhada numa crise de valores tão profunda", considerou o chefe de Estado, acrescentando que "a onda de roubos e assaltos, a corrupção desenfreada nas instituições do Estado, a tendência para se trabalhar pouco e querer ter muito, os esquemas, as burlas, tudo isso tem levado a que se trabalhe pouco e com muito baixa produtividade".
Para Evaristo Carvalho, os "valores morais fundamentais" do respeito, disciplina e trabalho estão hoje perdidos, comprometendo "o desenvolvimento socio-económico e sociocultural" de São Tomé e Príncipe.
"O resgate desses três valores fundamentais e de todos os outros torna-se tarefa urgente e transversal a toda a sociedade e interpela os responsáveis das instituições do Estado e dos partidos políticos, as câmaras distritais, as organizações da sociedade civil, as igrejas, as escolas, os pais e encarregados de educação", salientou.
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"Entendimento nacional"
Num balanço do seu mandato presidencial, que termina a 3 de setembro, recordou a sua aposta na reforma da justiça e a busca de um "entendimento nacional", com o objetivo de procurar "consensos alargados que permitissem encontrar vias e meios para reverter a situação galopante da perda dos valores morais fundamentais" e adotar "uma estratégia nacional de desenvolvimento económico, social, cultural, desportivo e recreativo".
"Nem sempre fui bem compreendido por alguns cidadãos que entendiam que eu devia tomar decisões mais drásticas em determinados momentos críticos. Tenho, porém, a plena consciência de que fiz o que foi necessário fazer em prol da estabilidade", salientou, justificando que "os múltiplos problemas do país não se compadecem com situações de instabilidade política ou governativa".
Um total de 19 candidatos concorre à sucessão de Evaristo Carvalho nas eleições presidenciais de dia 18 de julho.
Património histórico - Roças de São Tomé e Príncipe
As roças de São Tomé e Príncipe foram a base económica das ilhas até à independência em 1975, altura em que se deu a sua nacionalização. Esta galeria apresenta o património histórico das roças do arquipélago.
Foto: DW/R. Graça
Nas montanhas: a Roça Agostinho Neto
A roça organiza-se através da artéria principal que é fortemente marcada pelo imponente hospital, implantado na extremidade mais elevada, bem como pelos terreiros e socalcos que acompanham o declive. Na era colonial era esta roça que possuia o sistema ferroviário do arquipélago, a partir do qual se estabelecia a ligação e o abastecimento entre as suas dependências e o porto na Roça Fernão Dias.
Foto: DW/R. Graça
Uma roça memorial e emblemática
A Roça Agostinho Neto recebeu este nome após a independência nacional em 1975, em memória do primeiro Presidente de Angola. É uma das mais emblemáticas e impressionantes estruturas agrícolas do país. Situa-se no distrito de Lobata, norte da ilha de São Tomé, a 10 quilómetros da capital. Foi fundada em 1865 pelo Dr. Gabriel de Bustamane e foi explorada a partir de 1877, pelo Marquês de Vale Flor.
Foto: DW/R. Graça
Aqui começou a cultura do cacau
Fundada nos finais do século XVIII, a Roça Água-Izé foi a primeira da Ilha de São Tomé que implementou a cultura de cacau. José Ferreira Gomes trouxe a planta do Brasil para a Ilha do Princípe, inicialmente como uma planta ornamental, mas a cultura do cacau prosperou no arquipélago e tornou as ilhas o maior produtor de cacau a nível mundial. Esta roça é composta por nove dependências.
Foto: DW/R. Graça
O hospital da Roça Água-Izé
Implantada numa zona litoral, a Roça Água-Izé é o exemplo mais representativo da necessidade de expansão. Essa urgência levou à construção de um segundo hospital, de novos blocos de senzalas e edíficios de apoio à produção, como armazéns, fábricas de sabão e cocheiras.
Foto: DW/R. Graça
A Roça Uba Budo
Localizada na parte leste da ilha de São Tomé, no distrito de Cantagalo, esta roça foi fundada em 1875. Pertenceu à Companhia Agrícola Ultramarina, administrada na altura pelo general português Humberto Gomes Amorim. A principal cultura na Roça Uba Budo era o cacau.
Foto: DW/R. Graça
Cenário de televisão
Nos anos 90, a Roça Uba Budo foi o cenário escolhido pela RTP Internacional, o canal internacional da televisão pública de Portugal, para rodar uma série televisiva. Retratava a história de amor entre uma escrava e o seu patrão.
Foto: DW/R. Graça
Uma das mais antigas: a Roça Monte Café
A Roça Monte Café localiza-se numa zona bastante acidentada, na região de Mé-Zóchi, no centro da Ilha de São Tomé. É uma das mais antigas roças do país, tendo sido fundada em 1858, por Manuel da Costa Pedreira. A 670 metros de altitude, em terrenos bastante propícios para a cultura de café arábica, assumiu o lugar de destaque como a maior produtora de café, entre as restantes roças são-tomenses.
Foto: DW/R. Graça
Uma pequena cidade: Roça Roca Amparo
O desenvolvimento e a modernização das estruturas das roças, originaram um contínuo crescimento de espaços e equipamentos, e a Roça Roca Amparo é um exemplo disso. Esta evolução permitiu que se criasse uma malha de ruas, jardins e praças, cada qual com a sua função e importância. O processo de crescimento correspondia ao de uma pequena cidade.
Foto: DW/R. Graça
Uma noite na roça
A Roça Bombaim localiza-se em Mé-Zóchi, um dos distritos mais populosos de São Tomé. Bombaim é uma das unidade hoteleiras de referência do arquipélago que promove o turismo rural. Encravada no meio de uma floresta densa, a sua estrutura arquitetónica faz dela um espaço único para quem procura paz. Para se aceder à roça passa-se pela Cascata S. Nicolau, um dos encantos são-tomenses.
Foto: DW/R. Graça
A Roça Vista Alegre
A casa principal da Roça Vista Alegre constitui um dos exemplos arquitetónicos de maior interesse. Desenvolve-se sobre uma planta retangular em dois pisos, parcialmente elevada e um terceiro, formando apreendas apoiadas em pilares contínuos de madeira. Conserva-se ainda em estado razoável, devido às intervenções na casa principal, sendo que os restantes edifícios requerem obras de restauro.
Foto: DW/R. Graça
As senzalas - antigas casas dos escravos
Representa a casa do africano, oriunda do quimbundo angolano e referenciada nas pequenas povoações autóctones, formadas por cubatas (pequenas casas de madeira com cobertura de colmo). Com a exportação de mão de obra africana para o Brasil ao longo do século XVI, a dominação "senzala" foi aplicada ao conjunto habitacional onde residiam os trabalhadores escravos nas estruturas agrárias.
Foto: DW/R. Graça
Na Roça Boa Entrada, a maioria é pobre
Hoje, a Roça Boa Entrada é habitada por pessoas de diversas proveniências. Umas vieram de outras roças do país e outras vieram de outros países de África, principalmente de Cabo Verde. A maioria da população de Boa Entrada é pobre. A roça tem uma forte densidade populacional e uma grande concentração de pessoas num espaço relativamente reduzido e organizado em torno da antiga casa senhorial.
Foto: DW/R. Graça
O abandono das roças
A Roça Porto Real, localizada na Ilha do Princípe, faz parte das 15 grandes unidades agro-industriais criadas depois da independência e sucessivamente abandonadas. Antigamente, a roça tinha uma produção agrícola variada. Há quem diga que produzia o melhor óleo da palma de toda a ilha.