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Sócrates diz ter telefonado a vice angolano "sem interesse"

João Carlos (Lisboa)6 de fevereiro de 2015

O ex-primeiro ministro português admitiu ter contactado o vice-Presidente de Angola para ajudar empresas a fazer negócios no país, "sem nenhum interesse". A organização Transparência e Integridade critica o telefonema.

Ex-primeiro-ministro português, José SócratesFoto: Reuters

Numa entrevista por escrito transmitida pelo canal privado de televisão SIC, José Sócrates admitiu ter falado com o vice-Presidente angolano, Manuel Domingos Vicente, para interceder a favor de investimentos estagnados de empresas do Grupo Lena, com uma carteira de negócios em Angola de milhões de euros, abrangendo os setores da construção civil e obras públicas, imobiliário, indústria, ambiente e energia.

Sócrates, preso em novembro de 2014 por suspeitas de fraude fiscal, branqueamento de capitais e crime de corrupção, admitiu ter feito o telefonema no início de setembro do ano passado, depois de um almoço com o "amigo" empresário Carlos Santos Silva, ligado ao Grupo Lena e também sob prisão preventiva.

"É verdade que [… ] vários anos depois de ter saído do Governo […] foi-me perguntado e pedido se podia diligenciar para que essa empresa fosse recebida pelo sr. vice-presidente de Angola", disse o ex-governante à televisão portuguesa. "Acedi ao pedido por mera simpatia e fiz esse contacto com gosto, sem nenhum interesse que não fosse ajudar uma empresa portuguesa, como, aliás, fiz com outras"

Vice-Presidente angolano e ex-presidente da Sonangol, Manuel VicenteFoto: Getty Images

Críticas

"Sócrates admitiu ter feito 'diplomacia económica' mas isso também pode ser descrito como tráfico de influências, pois há o uso de contactos pessoais para tentar facilitar negócios. Isto vindo de uma pessoa que foi primeiro-ministro é muito pouco saudável", diz João Paulo Batalha, da Transparência Internacional – Associação Cívica (TIAC).

A investigação sobre os crimes imputados ao ex-primeiro-ministro português e a dois outros arguidos decorre há vários meses, sob segredo de justiça. Na opinião de Batalha, este é um processo nebuloso que revela uma enorme cultura de promiscuidade.

"Isso é algo que, infelizmente, não é exclusivo de José Sócrates", diz o diretor-executivo da TIAC. "Esta cultura de promiscuidade tem sido um dos cancros da política portuguesa nos últimos anos. Há demasiada proximidade pessoal entre decisores políticos e agentes económicos. Os dirigentes públicos, que deviam ser guardiães da confiança pública, transformam-se em facilitadores de negócios e delegados comerciais de empresas privadas."

João Paulo Batalha, da TIACFoto: Transparência e Integridade

Muitas vezes, acrescenta, são negócios com prejuízos enormes para os contribuintes, feitos entre empresas portuguesas e regimes amigos de Portugal de forma pouco clara e transparente. Seria esse o caso de Angola, segundo Batalha.

"Angola é um país onde, como todos sabemos, as decisões estão muito centralizadas na cúpula do regime e onde os contactos pessoais e a corrupção são portas de entrada", afirma o responsável da TIAC. "Ou seja, pomos os nossos responsáveis políticos a funcionarem como agentes facilitadores de negócios muito escuros. Sem qualquer preocupação com a 'boa governação' ou a capacidade de se poder fazer negócios evitando a armadilha da corrupção."

Sócrates diz que suspeitas são "absurdas"

Depois do telefonema de José Sócrates, terá sido combinado um encontro em Nova Iorque, em finais de setembro de 2014, entre o ex-primeiro ministro, os empresários portugueses do Grupo Lena e Manuel Vicente, que na altura iria representar Angola na Assembleia Geral das Nações Unidas.

Em novembro do mesmo ano, depois do alegado encontro na cidade norte-americana, a empresa anunciou a adjudicação de mais uma obra orçada em mais de três milhões de euros. Mas a administração do grupo, cuja sede em Leiria foi alvo de buscas, garantiu num comunicado que a reunião nunca se realizou.

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Por várias vezes, em cartas que fez chegar à imprensa, Sócrates sublinha que as suspeitas são "absurdas, injustas e sem fundamento", e considera que este é "um processo de contornos políticos". João Araújo, um dos seus dois advogados, não crê haver factos que apontam para o crime de corrupção e acredita que a acusação irá decidir pela libertação do seu cliente.

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