O jornalista Orlando Castro acredita que ainda pode haver um volte-face na lista do MPLA, o partido no poder, às eleições gerais. O analista luso-angolano também duvida que as eleições em Angola se realizem em agosto.
A lista é liderada por João Lourenço, vice-presidente e ministro da Defesa. O general na reserva e ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa, é o número dois e concorre, por isso, ao cargo de vice-presidente. O secretário-geral do MPLA, António Paulo Kassoma, é o número três. O atual vice-presidente da República, Manuel Domingos Vicente, desce para 24.º lugar.
O jornalista luso-angolano afirma que ainda pode haver um volte-face em Angola. Em entrevista à DW África, Orlando Castro diz ainda que inclusão de Vicente Pinto de Andrade na lista do MPLA é uma "jogada de credibilidade".
DW África: Pela primeira vez, e depois de quase 38 anos no poder, José Eduardo dos Santos não será o cabeça de lista do MPLA às proximas eleições. É um anúncio que "peca por tardio"?
Orlando Castro (OC): Mais do que pecar por tardio, eu ainda não dou como certo que ele não seja o cabeça de lista, tal como não dou como certo que as eleições se realizem em agosto. Talvez seja ceticismo a mais, mas estamos habituados ao longo de 41 anos de governação do MPLA e 38 de José Eduardo dos Santos que em Angola nem tudo o que parece é. Portanto, estou a ainda à espera de ver para crer se, de facto, isto vai ser assim.
DW África: Acha que ainda pode haver alguma "carta surpresa" na manga? Por exemplo, a Convergência Ampla de Salvação em Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE, oposição) diz que se trata apenas de uma "operação de cosmética" e que o MPLA é o mesmo de sempre...
OC: E é. Com esta configuração, com João Lourenço como número um, Bornito de Sousa como número dois e Paulo Kassoma em terceiro é exatamente o mesmo MPLA. A jogada que antevejo que ainda pode acontecer terá a ver eventualmente com a noção que o MPLA tenha de que sem Eduardo dos Santos como número um correrá mais riscos de perder as eleições. Portanto, não me admiraria nada que houvesse aqui um volte-face aqui nessa matéria.
DW África: O estado de saúde de José Eduardo dos Santos e uma conjuntura internacional pouco favorável - veja-se o exemplo da Gâmbia - terão sido decisivos para José Eduardo dos Santos sair por sua própria iniciativa?
OC: Sim, creio que isso foi fundamental para a decisão dele, caso se concretize essa decisão. O estado de saúde dele, de facto, é de alguma gravidade (segundo as informações que temos é de muita gravidade), a conjuntura internacional, mesmo a mais perto de Angola é complicada e ele terá pensado em sair enquanto era tempo. Mas é como lhe digo, ver para crer.
DW África: De qualquer forma, há membros da família no MPLA, e ao contrário do que se esperava não são os filhos mais velhos, mas a primeira-dama Ana Paula dos Santos (que concorre em 17.º lugar) e a filha do Presidente Tchizé dos Santos (80.º lugar). Os interesses da família dos Santos continuam, portanto, assegurados?
OC: Os interesses continuam porque durante muitos anos dizia-se que o MPLA era Angola e que Angola era o MPLA. Agora o MPLA é sobretudo a Sonangol. E estando a empresa nas mãos de Isabel dos Santos, obviamente José Eduardo dos Santos, sendo ou não o número um, sendo ou não Presidente, tem a economia na mão, tem a máquina motora na mão. E tendo isso na mão, vai ser ele, direta ou indiretamente, a controlar todo o futuro do país, como aliás aconteceu ao longo destes anos todos.
Saída de JES da presidência de Angola: "É preciso ver para crer"
DW África: Ficou admirado com o nome de Ana Paula dos Santos na lista?
OC: Não fiquei admirado. Aliás, a lista - que duvido que vá ser esta - acho-a perfeitamente normal, embora Manuel Vicente esteja cá muito para baixo...
DW África: Isto poder sido um puxão de orelhas a Manuel Vicente?
OC: Isto pode ter sido um puxão de orelhas, mas tenho imensa dificuldade em entender as coisas tal como elas nos parecem que são. Porque estamos habituados em que qualquer jogada que José Eduardo dos Santos faz não dá ponto sem nó.
É um político muito inteligente, está muito bem rodeado por conselheiros, inclusivamente portugueses, portanto, ele sabe muito bem o que está a fazer e pode, tal como há uns anos fez com João Lourenço, estar a puxar as orelhas a Manuel Vicente ou Manuel Vicente ter-se prestado a este papel, porque depois haverá mais alguma coisa. Isto não é, e cada vez mais me convenço disso, nada do que parece ser.
DW África: Outra surpresa foi a integração na lista de Vicente Pinto de Andrade, uma das vozes mais críticas da governação do partido e do José Eduardo dos Santos. O que é que se pode esperar?
OC: Calculo que seja uma jogada de credibilidade, uma tentativa de dar uma imagem mais credível e de maior substância às propostas do MPLA, mas não me parece que seja muito mais do isso. São políticos que, de facto, têm credibilidade e pujança política a nível interno e também internacional e, portanto, como operação de marketing funcionou.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".