SADC vai enviar equipa para avaliar apoio a Moçambique
Leonel Matias (Maputo)
8 de abril de 2021
Presidente do Botswana defende uma "resposta coletiva" aos ataques terroristas na província moçambicana de Cabo Delgado. SADC combinou o envio imediato de uma equipa técnica para avaliar que tipo de apoio é necessário.
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"Os ataques terroristas no norte de Moçambique são uma ameaça a toda a região da África Austral e, por isso, precisamos de uma resposta coletiva", declarou esta quinta-feira (08.04) o Presidente do Botswana, Mokgweetsi Masisi, durante a abertura da Cimeira Extraordinária da "Dupla Troika" da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que juntou em Maputo vários chefes de Estado da região.
"Vão concordar comigo, excelências, de que não podemos permanecer indiferentes numa altura em que os nossos companheiros dos Estados-membros continuam a ser alvo desses assaltos indiscriminados que são perpetrados por esses terroristas", afirmou Masisi, presidente do órgão de política de Defesa e Segurança da SADC.
Segundo o chefe de Estado, "esses ataques constituem uma afronta clara para a SADC, uma região que se pretende ser pacífica, estável, segura e próspera". E "nenhum Estado-membro pode lidar com o flagelo do terrorismo isoladamente, porque o terrorismo […] não usa métodos convencionais de guerra, não respeita as fronteiras, a soberania e a dignidade da vida humana".
Uma equipa técnica deverá ser enviada de imediato a Moçambique para produzir um relatório a ser apresentado numa reunião extraordinária do comité ministerial da Troika que se reúne no próximo dia 28 de abril, na véspera de uma cimeira extraordinária do órgão.
SADC sublinha urgência da situação
No comunicado final da cimeira foi reafirmado o compromisso contínuo da SADC em contribuir nos esforços em prol do alcance de uma paz e segurança duradouras em Moçambique.
A violência terrorista contra crianças em Cabo Delgado
02:28
A organização "condenou os ataques terroristas nos termos mais veementes e declarou que não seria permitido que esses ataques hediondos continuem sem uma resposta regional, na medida adequada".
Para a Secretária Executiva da SADC, Stergomena Tax, "notando os ataques persistentes, não se pode subestimar a urgência de reforçar as medidas de segurança através de uma abordagem regional coordenada e da prestação de apoio humanitário".
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Nyusi pede reforço dos controlos nas fronteiras
A decisão da troika da SADC de enviar de imediato uma equipa técnica a Moçambique visa, conforme informou a ministra moçambicana dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Verónica Macamo, "avaliar a dimensão da ameaça para, tendo em conta a [sua] dimensão real, ver quais são os meios [de ação], para que sejam proporcionais".
Questionada pelos jornalistas sobre se, para além do apoio logístico, estará também previsto o envio de militares por parte da SADC para apoiar Moçambique, Verónica Macamo respondeu: "Não posso imaginar o que vai acontecer depois da avaliação".
O Presidente Filipe Nyusi defendeu que, nesta fase, o combate ao terrorismo, depois de ser uma questão soberana de Moçambique, é também uma questão interna da SADC.
O chefe de Estado disse esperar agora um "aprimoramento" da estratégia contra o terrorismo e extremismo violento, além de "medidas concretas em quatro vertentes, nomeadamente prevenção, proteção, perseguição e resposta".
"Há que estabelecer um controlo mais rigoroso nas fronteiras, uma melhor cooperação policial e judicial para detetar e perseguir suspeitos. Temos de encontrar formas acertadas, capazes de impedir o financiamento ao terrorismo. Temos de promover com rigor o combate ao crime organizado e contrariar a radicalização", anunciou Nyusi.
Artigo atualizado às 18h39 (CET) de 8 de abril de 2021
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?