Samora Júnior acusa Nyusi de violar estatutos da FRELIMO
Lusa
24 de abril de 2019
Samora Machel Júnior, filho do primeiro Presidente moçambicano, quer que a FRELIMO abra um processo disciplinar contra o presidente do partido no poder e chefe de Estado, Filipe Nyusi, por alegada violação dos estatutos.
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"Deve ser instaurado um processo disciplinar ao camarada presidente e ao secretário-geral [Roque Silva] por desrespeito aos mais elementares valores da FRELIMO", afirma Samora Machel Júnior, membro do Comité Central do partido no poder.
A posição de Samora Machel Júnior está expressa na sua defesa, a que a Lusa teve acesso, à nota de acusação formulada pelo Comité de Verificação do Comité Central da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
A FRELIMO decidiu instaurar um processo disciplinar contra Samora Machel Júnior na sequência da sua candidatura à presidência do município de Maputo nas eleições municipais de 10 outubro do ano passado pela Associação Juvenil para o Desenvolvimento de Moçambique (AJUDEM), após ser excluído das eleições internas do partido no poder.
Na resposta, com 40 páginas, o filho de Samora Machel acusa Filipe Nyusi e Roque Silva de terem violado os estatutos do partido para inviabilizarem a sua candidatura a cabeça-de-lista da Frelimo à presidência de Maputo.
"Eu candidatei-me pela AJUDEM quando ficou claro que o presidente da FRELIMO e o secretário-geral pensam que a FRELIMO é a sua vontade", lê-se no documento.
"Crimes eleitorais"
Sobre o facto de a candidatura pela AJUDEM ter sido travada pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), Samora Machel Júnior considera ter havido crime eleitoral, acusando membros desta entidade de terem obedecido às ordens da cúpula da FRELIMO. "Tenho provas cabais de terem existido vários crimes e ilícitos eleitorais, com autores morais e materiais identificáveis, para a exclusão da AJUDEM junto da CNE", refere a contestação.
O filho do primeiro Presidente moçambicano (1975-1986) considera que a CNE está partidarizada, acusando membros deste órgão de terem sido obedientes aos comandos da Frelimo para serem bem vistos. "Engendraram as manobras necessárias para ameaçar alguns subscritores da lista da AJUDEM. É ilícito eleitoral, é crime", adianta o documento.
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Samora Machel Júnior acusa a direção do partido de ter permitido o enchimento de urnas nas eleições internas da FRELIMO para permitir a designação de um candidato da sua escolha a cabeça-de-lista às municipais de 10 de outubro. "No comité da cidade, para a eleição do cabeça-de-lista, houve notável enchimento de urnas e o primeiro secretário, em perfeito conflito de interesses, manipulou o processo pré-eleitoral", considera a carta da defesa de Samora Machel Júnior.
Nesse sentido, prossegue, seria inútil impugnar o ato eleitoral, uma vez que foi organizado por órgãos do partido que atuam em violação dos estatutos. "Este processo disciplinar contra mim movido é um mecanismo de branquear um processo eleitoral inquinado de todas as irregularidades", acrescenta.
Samora Machel Júnior diz que foi o único pré-candidato nas internas da Frelimo que reuniu todos os requisitos necessários para concorrer como cabeça-de-lista pelo município de Maputo, mas que viu essa pretensão travada pela direção máxima do partido.
"O Comité de Verificação do Comité Central devia ter tomado conhecimento de que o camarada presidente do partido não está a empenhar a sua magistratura moral e política, não defende a unidade e coesão internas, não garante o respeito pelos princípios e valores da Frelimo, [e] viola gravemente os princípios e estatutos da Frelimo", refere a contestação.
“A Palavra e o Gesto” de Samora Machel
Na Fundação Mário Soares, em Lisboa, estão expostas as fotografias de Samora Moisés Machel, líder da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). As imagens são do fotógrafo moçambicano Kok Nam (1939-2012).
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Dos primeiros retratos do Presidente
O conceituado fotojornalista moçambicano, Kok Nam, registou as imagens e os gestos que tornaram lendária a figura e o carisma do primeiro Presidente da República de Moçambique. Machel foi Presidente de 25 de junho de 1975 a 19 de outubro de 1986.
Os registos fiéis de Kok Nam
A exposição, inaugurada no dia 24 de novembro, abre com esta imagem de 1985 em que o Presidente moçambicano falava à população. No verso Kok Nam escreveu “The maestro of the mass rally” (O maestro do comício de massas). Após a independência, em 1975, com a fuga generalizada dos quadros brancos, Machel lançou programas de reorganização económica, com o apoio dos países socialistas.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Graça Machel: primeira-dama
Em 1976, casa com Graça Simbine, que entrara em 1969 para a organização clandestina da FRELIMO. Além de primeira-dama, Graça Machel foi ministra da Educação até 1989. Uma das figuras mais conhecidas da História africana, Graça Machel é a única mulher que foi primeira-dama de dois países. Depois da morte de Samora, casou com Nelson Mandela, primeiro Presidente da África do Sul do pós-apartheid.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Político frontal e didático
Frontal, direto, seguro de si e desafiador no discurso à população: esta foto de 1983 captou um dos gestos típicos do político. Samora convencia pela simplicidade com que abordava os assuntos mais complexos do país e dos moçambicanos. Foi assim que conquistou a adesão das populações às suas mensagens e doutrina.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
A mobilização dos jovens
Nascido a 29 de setembro de 1933, em Xilambene, na província de Gaza, Machel viria a assumir-se como um combatente pela liberdade. O seu objetivo era dar continuidade à luta iniciada pelo seu antecessor, Eduardo Mondlane, assassinado em fevereiro de 1969, e que fundou a FRELIMO em junho de 1962. Nesta foto, Machel dirige-se aos jovens militares na base de Nachingwea (1974).
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Unir todos os moçambicanos
Conversa com uma cidadã moçambicana (1983). Samora sabia escutar a voz do povo. Das suas frases, esta proferida em setembro 1973 expressa bem uma das suas maiores preocupações: "Unir todos os moçambicanos, para além das tradições e línguas diversas, requer que na nossa consciência morra a tribo para que nasça a Nação.”
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Capacidade de diálogo
A unidade da Nação ainda hoje é uma prioridade defendida pela FRELIMO, no poder desde 1975. Samora afirmou que "O povo não é um conjunto de raças. É um conjunto de homens iguais". Perante o olhar atento de populares e da imprensa, o líder conversa com uma senhora, dando provas da sua capacidade de diálogo no período de transição entre a dominação colonial e a independência de Moçambique.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Atenção à saúde dos moçambicanos
Samora Machel em visita a uma unidade hospitalar moçambicana em 1983. Machel dizia que o doente era sagrado para o hospital: "Um enfermeiro, um servente, um médico, não conhecem a vingança na sua missão. O pessoal médico não discrimina doentes", dizia. Gostava de dar orientações em todos os setores e momentos da vida moçambicana.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
A ligação ao bloco soviético
Samora Machel tratou sempre de privilegiar a relação com o bloco socialista, que apoiou a luta de libertação das antigas colónias portuguesas. Kok Nam registou o Presidente à partida para uma visita à então União Soviética. Esta desempenhou um papel relevante nos chamados países da “Linha da Frente” de luta contra o regime do apartheid da África do Sul.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Morte em Mbuzini
Samora Machel morreu em 19 de outubro de 1986, quando o avião em que seguia se despenhou em Mbuzini, na vizinha África do Sul, na fronteira com Moçambique. Regressava a Maputo vindo de uma cimeira na Zâmbia, com os presidentes de Angola, Eduardo dos Santos, e do Zaire, Mobuto Sese Seko, entre outros. A exposição em Lisboa assinala os 30 anos da sua morte.