Seca castiga mais de 700 famílias no sul de Angola
Anselmo Vieira (Lubango)
13 de novembro de 2017
Autoridades provinciais do Cunene admitem não ter capacidade de resposta à seca que assola aquela região e apelam ao Governo central. Cidadãos falam em mortes causadas pela fome.
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Mais de 700 famílias na província do Cunene estão afetadas pela seca que assola a região sul de Angola, segundo o governador da província, General Kundi Paihama. A autoridade provincial alerta que, a nível local, não existem meios para acudir a população castigada e diz que vai pedir ajuda ao Governo central.
"Criámos um grupo de trabalho para fazer um estudo mais detalhado com a colaboração dos técnicos, especialistas, mas tem de ser o mais rapidamente possível. Vamos atacar não so a partir das nossas forças . Penso que também temos de pedir socorro ao Governo central, porque não temos meios", esclarece.
O bispo católico da Diocese de Ondjiva, capital da província do Cunene, Dom Pio Hipunhaty, diz que não há alimentos para as pessoas e nem para os animais, "assim como falta água a mais de meio milhão de pessoas afetadas".
Famílias migram para áreas menos afetadas pela estiagem
Perante as dificuldades, diz o bispo de Ondjiva, muitas pessoas optam pela migração, principalmente para "as margens do rio Cubango, Cunene e Cuvelai, onde ainda se pode encontrar algum alimento para o gado e alguma água".
"As pessoas transferem-se para aquelas zonas, sobretudo os homens, para que o gado não morra. Isto faz com que os jovens em idade escolar abandonem as áreas tradicionais de residência, o que cria um estrangulamento social", conta o religioso, destacando o facto de os jovens deixarem a escola por causa da seca.
Israel José, de 58 anos, é funcionário público na localidade do Curoca, região mais prejudicada pela seca. Ele diz que a estiagem está a obrigar muitos cidadãos, incluindo crianças, a abandonarem as suas casas nas zonas rurais em busca de trabalho nas cidades.
"As pessoas estão a abandonar as suas casas para as áreas urbanizadas, onde prestam trabalhos indecorosos, pesados. Até mesmo crianças abandonaram as suas aldeias e estão a trabalhar pesado, a fazer transportação de terra, de pedra, de areia, água. Também ajudam as vendedoras nos mercados paralelos para terem algo para comer", denuncia o morador do Curoca.
13.11 Fome no Cunene - MP3-Mono
Vítimas fatais
De acordo com Israel José, a fome já causou vítimas mortais devido à má nutrição. "As doenças oportunistas que encontram os organismos debilitados levam a vida das pessoas a origem disto é mesmo a fome, temos muitas pessoas que já morreram a fome".
Maria Custódio Isabel da Silva, de 53 anos, professora no município de Curoca, também testemunhou a falta de alimentos. "Neste momento há pessoas que já não comem, estão mesmo com fome e haverá mais fome em todas as comunas", alerta.
O ativista Josefa Tchivela apela à implementação de medidas para combater o problema. "É preocupante, muito preocupante. É necessário que haja programas que possam ultrapassar ou então reduzir em definitivo estas situações".
Pobreza no meio da riqueza no sul de Angola
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul do país. A região é assolada por uma seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser pobres neste ano. Muitos angolanos passam fome.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Sobras da guerra civil
A guerra civil (1976 -2002) grassou com particular violência no sul de Angola. Aqui, o Bloco do Leste socialista e o Ocidente da economia de mercado livre conduziram uma das suas guerras por procuração mais sangrentas em África. Ainda hoje se vêm com frequência destroços de tanques. A batalha de Cuito Cuanavale (novembro de 1987 a março de 1988) é considerada uma das maiores do continente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Feridas abertas
O movimento de libertação UNITA tinha o seu baluarte no sul do país, e contava com a assistência do exército da República da África do Sul através do Sudoeste Africano, que é hoje a Namíbia. Muitas aldeias da região foram destruídas. Mais de dez anos após o fim da guerra civil ainda há populares que habitam as ruínas na cidade de Quibala, no sul de Angola.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Subnutrição apesar do crescimento económico
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul. A região sofre de seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser más no ano 2013. Muitos angolanos não têm o suficiente para comer. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) diz que nos últimos anos pelo menos um quarto da população passou fome durante algum tempo ou permanentemente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
O sustento em risco
Dado o longo período de seca, a subnutrição é particularmente acentuada nas províncias do sul de Angola, diz a FAO. As colheitas falham e a sobrevivência do gado está em risco. Uma média de trinta cabeças perece por dia, calcula António Didalelwa, governador da província de Cunene, a mais fortemente afetada. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também acha que a situação é crítica.
Foto: DW/A. Vieira
Semear esperança
A organização de assistência da Igreja Evangélica Alemã “Pão para o Mundo” lançou um apelo para donativos para Angola na sua ação de Advento 2013. Uma parte dos donativos deve ser reencaminhada para a organização parceira local Associação Cristã da Mocidade Regional do Kwanza Sul (ACM-KS). O objetivo é apoiar a agricultura em Pambangala na província de Kwanza Sul.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Rotação de culturas para assegurar mais receitas
Ernesto Cassinda (à esquerda na foto), da organização cristã de assistência ACM-KS, informa um agricultor num campo da comunidade de Pambangala, no sul de Angola sobre novos métodos de cultivo. A ACM-KS aposta sobretudo na rotação de culturas: para além das plantas alimentícias tradicionais como a mandioca e o milho deverão ser cultivados legumes para aumentar a produção e garantir mais receitas.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Receitas adicionais
Para além de uma melhora nas técnicas de cultivo, os agricultores da região também são encorajados a explorar novas fontes de rendimentos. A pequena agricultora Delfina Bento vendeu o excedente da sua colheita e investiu os lucros numa pequena padaria. O pão cozido no forno a lenha é vendido no mercado.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Escolas sem bancos
Formação de adultos na comunidade de Pambangala: geralmente os alunos têm que trazer as cadeiras de plástico de casa. Não é só em Kwanza Sul que as escolas carecem de equipamento. Enquanto isso, a elite de Angola vive no luxo. A revista norte-americana “Forbes” calcula o património da filha do Presidente, Isabel dos Santos, em mais de mil milhões de dólares. Ela é a mulher mais rica de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Investimentos em estádios de luxo
Enquanto em muitas escolas e centros de saúde falta equipamento básico, o Governo investiu mais de dez milhões de euros no estádio "Welvitschia Mirabilis", para o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins 2013, na cidade de Namibe, no sul de Angola. Numa altura em que, segundo a organização católica de assistência “Caritas Angola” dois milhões de pessoas passaram fome no sul do país.
Foto: DW/A. Vieira
Novas estradas para o sul
Apesar dos destroços de tanques ainda visíveis, algo melhorou desde o fim da guerra civil em 2002: as estradas. O que dá a muitos agricultores a oportunidade de venderem os seus produtos noutras regiões. Durante a era colonial portuguesa, o sul de Angola era tido pelo “celeiro” do país e um dos maiores produtores de café de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Um futuro sem sombras da guerra civil
Em Angola, a papa de farinha de milho e mandioca, rica em fécula, chama-se “funje” e é a base da alimentação. As crianças preparam o funje peneirando o milho. Com a ação de donativos de 2013 para a ACM-KS, a “Pão para o Mundo” pretende assegurar que, de futuro, os angolanos no sul tenham sempre o suficiente para comer e não tenham que continuar a viver ensombrados pela guerra civil do passado.