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História

II Guerra Mundial: 19 mil polacos refugiaram-se em África

Martina Schwikowski | tms
5 de junho de 2019

Durante a Segunda Guerra Mundial, pelo menos 19 mil polacos refugiaram-se em África. Foram viver na região onde hoje é a Tanzânia. Mas não foi fácil chegar até lá. Um documentário segue os passos desta odisseia.

Foto: www.memoryisourhomeland.com

O canadiano Jonathan Durand tinha 20 anos quando esteve pela primeira vez em África. E teve a estranha sensação de sentir-se em casa. Mas não demorou muito a perceber por que motivo a região lhe parecia tão familiar.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a sua avó polaca Kazia Gerech viveu num campo de refugiados onde hoje está localizada a atual Tanzânia. E os relatos da sua infância inusitada ao pé do monte Kilimanjaro ficaram marcados na memória de Jonathan Durand.

"Quando a tua avó polaca te diz que fez um safári na montanha mais alta de África, isso inspira a imaginação de uma criança", disse o canadiano à DW.

II Guerra Mundial: 19 mil polacos refugiaram-se em África

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Como estudante de História, Jonathan Durand ficou surpreendido com a falta de informação sobre os polacos que buscaram refúgio em África. Um professor seu, por exemplo, nunca ouvira falar de campos de refugiados polacos naquele continente.

Mas os testemunhos da avó sobre a vida na pequena cidade de Tengeru, no norte da Tanzânia, motivaram Jonathan Durand, que também é realizador, a embarcar numa aventura de nove anos que o levou à Europa Oriental, Médio Oriente e África.

O documentário resultante desta viagem, intitulado "A memória é a nossa pátria" (Memory is our homeland), ganhou o Prémio do Público no Festival Internacional de Cinema de Montreal em 2019, no Canadá.

Convivência harmoniosa

O realizador conta que de 1942 a 1949, a sua avó Kazia Gerech viveu com os irmãos e pais numa simples cabana de palha em Tengeru, no então território administrado pelos ingleses, a atual Tanzânia. A pequena comunidade plantava legumes e verduras, fabricava sapatos, colchões e outros objetos.

Nas suas viagens aos antigos campos de refugiados polacos na África do Sul, Tanzânia e Zâmbia, Durand constatou que a população local "tinha boas lembranças dos polacos". "Muitas vezes foram os primeiros contactos com os brancos", conta.

Também os refugiados polacos têm uma memória positiva dos habitantes locais, diz Durand. "Eles eram jovens e esses encontros interculturais moldaram a sua humanidade".

Vida dos polacos na pequena Tengeru, na TanzâniaFoto: www.memoryisourhomeland.com

A especialista em migração Julia Devlin concorda com as descobertas de Durand. "Foi uma existência amigável, lado a lado", disse ela à DW. Os moradores de Tengeru e os polacos às vezes celebravam a missa juntos, recorda Devlin, que é chefe do Centro de Migração da Universidade Católica Alemã de Eichstätt-Ingolstadt.

Migração desencadeada pela guerra

A migração polaca para África tem as suas raízes num evento de agosto de 1939. Foi quando a Alemanha nazi de Adolf Hitler e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas Socialistas (URSS), de Joseph Stalin, assinaram um pacto de não agressão que dividiu vários países da Europa Oriental, incluindo a Polónia, em esferas de interesse alemãs e soviéticas.

Mas, em poucos dias, a Alemanha invadiu a Polónia, desencadeando a Segunda Guerra Mundial. Por seu turno, algumas semanas depois, os soviéticos invadiram o país pelo leste.

Kazia Gerech (centro) à porta da sua cabana, em 1946Foto: www.memoryisourhomeland.com

Assim como os nazis no oeste do país, os soviéticos também iniciaram a "limpeza étnica" e deportaram centenas de milhares de polacos, incluindo muitos judeus, para campos de trabalhos forçados em regiões remotas da Rússia, como a Sibéria e o Cazaquistão.

Difícil rota para África

Entretanto, em 1941, o destino dos deportados mudou praticamente do dia para a noite. "Após a ofensiva alemã contra a União Soviética, os aliados [Reino Unido, França e Estados Unidos] trouxeram os russos para seu lado, para combater Hitler", explica a historiadora Julia Devlin. Em consequência, a Polónia estabeleceu contatos diplomáticos com Moscovo e obteve a libertação de seus deportados.

"A ideia do Governo polaco era que essas pessoas formassem um exército para lutar do lado dos aliados contra Hitler". Os voluntários foram convocados a reunir-se em Busuluk, no sul da URSS, para lá formar as tropas. Mas não se apresentaram apenas homens aptos ao serviço militar: na esperança de finalmente poder abandonar a União Soviética, deportados polacos de todas as partes do país enfrentaram a penosa viagem.

Como já não era possível abastecer o exército cada vez mais volumoso, além dos civis de Busuluk, os aliados decidiram levar os polacos para fora da URSS, primeiramente para o Irão. Enquanto os homens receberam treino militar e pouco depois partiram para Itália. No início não estava claro o que seria feito dos civis.

"Nenhum país queria recebê-los por muito tempo", relata Julia Devlin. Por fim, o Governo britânico dispôs-se a procurar alojamento nos seus territórios coloniais. Assim os ex-deportados foram enviados para Tanzânia, África do Sul, Zimbabué e outras partes da zona de influência do Reino Unido, onde estivessem a salvo do conflito mundial.

Cemitério polaco na TanzâniaFoto: www.memoryisourhomeland.com

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os países africanos pressionaram para mandar embora os refugiados. "As nações africanas estavam a caminho da independência, e não queriam nenhuma relíquia que as lembrasse do domínio colonial", explica a historiadora.

Pouco a pouco os polacos deixaram os países anfitriões e migraram para o Reino Unido, Austrália ou Canadá. Para o seu país não podiam voltar, já que lá era território soviético. A avó de Jonathan Durand chegou em 1949 à Inglaterra, onde encontrou o marido, um sobrevivente do campo de concentração de Majdanek. Em 1954, mudaram-se para o Canadá.

Lembrança da avó

De todas as pesquisas realizadas por Jonathan Durand, uma descoberta causou-lhe uma ótima impressão. No Instituto Polaco e Museu Sikorski, em Londres,  encontrou as únicas filmagens do acampamento de refugiados na Tanzânia em que a sua avó vivera.

"Eu reconheci o hospital e um grupo de meninas caminhando despreocupadas em direção à câmera. À esquerda, a sorrir e de braços cruzados, estava a minha avó". Até hoje, Jonathan Durand sente um arrepio ao ver as fotos: "Sinto como se fosse uma recompensa", diz.

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