Mais um jornalista moçambicano detido em Cabo Delgado
Lusa
20 de fevereiro de 2019
O jornalista Germano Daniel Adriano, da Rádio e Televisão de Macomia, foi detido em Cabo Delgado, norte de Moçambique, informou o MISA Moçambique. São ainda desconhecidas as causas e as circunstâncias da detenção.
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De acordo com um comunicado da organização de defesa da liberdade de imprensa MISA Moçambique, são desconhecidas as causas e circunstâncias da detenção de Germano Daniel Adriano. É o segundo jornalista preso este ano em Cabo Delgado, após a detenção de Amade Abubacar a 5 de janeiro na vila de Macomia, no centro de Cabo Delgado, quando fotografava famílias que abandonavam a região com receio de ataques armados.
"O MISA Moçambique reitera a sua profunda preocupação perante esta onda de contínuas detenções arbitrárias contra jornalistas, particularmente o envolvimento de militares nos interrogatórios, na ausência de advogados", refere o comunicado.
Em dezembro do ano passado, três jornalistas estrangeiros e um moçambicano foram detidos durante 48 horas pelo exército moçambicano, a caminho do distrito de Palma, na mesma província, apesar de estarem credenciados pelas autoridades para trabalhar na zona.
Distritos recônditos da província de Cabo Delgado, no extremo nordeste do país, têm sido alvo de ataques de grupos desconhecidos desde outubro de 2017. De acordo com números oficiais, pelo menos 140 pessoas, entre residentes, supostos agressores e elementos das forças de segurança, morreram desde que a onda de violência começou.
Amade Abubacar celebra aniversário na prisão
O jornalista Amade Abubacar, detido há 45 dias no norte de Moçambique e cuja libertação é pedida pelas Nações Unidas e outras organizações, completou esta terca-feira (19.02) 32 anos e aguarda por respostas do tribunal, disse o seu advogado à Lusa. "Não há avanços no processo", disse Augusto Messariamba, que a 7 de fevereiro submeteu um novo pedido de liberdade provisória, depois de, ao primeiro, o tribunal responder com prisão preventiva.
O advogado visitou Amade na segunda-feira, na Penitenciária de Mieze, junto a Pemba, capital provincial de Cabo Delgado, e disse à Lusa que o jornalista aparenta estar bem fisicamente.
Especialistas em direitos humanos das Nações Unidas defenderam há três semanas, em Genebra, que "as autoridades moçambicanas devem libertar imediatamente o jornalista" cuja detenção tem sido contestada por diversas organizações. David Kaye, relator especial da ONU para a área de liberdade de expressão, e por Seong-Phil Hong, secretário-geral do Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias, sustentaram que a "detenção alegadamente arbitrária e os maus-tratos, que parecem estar diretamente relacionados com o seu trabalho como jornalista, podem inibir o direito à liberdade de expressão em Moçambique".
Mas no mesmo dia, a 25 de janeiro, o porta-voz do Tribunal Judicial de Pemba anunciou que Amade ia aguardar julgamento em prisão preventiva para não perturbar investigações sobre o seu alegado envolvimento no movimento de grupos armados que têm atacado aldeias remotas da província de Cabo Delgado.
"Incompreensão pelo trabalho dos jornalistas"
O MISA considera que as acusações de violação do segredo de Estado (espionagem) e instigação pública com recurso a meios informáticos revelam total incompreensão pelo trabalho de um jornalista, nomeadamente no que respeita à recolha de informação.
Amade Abubacar, jornalista colaborador de diferentes órgãos moçambicanos, foi detido a 5 de janeiro na vila de Macomia, no centro de Cabo Delgado, quando fotografava famílias que abandonavam a região com receio de ataques armados. Foi levado pelas autoridades e durante os primeiros dias foi mantido incomunicável, sabendo-se mais tarde que estava numa base militar em Mueda, no interior da província.
Foi posteriormente transferido para um comando da polícia da vila onde reside com a esposa e filhos, Macomia, onde foi presente a um juiz que, apesar de fazer reparos à forma como foi detido, lhe confirmou a prisão. Dali foi levado para o estabelecimento penitenciário de Mieze, a poucos quilómetros da capital provincial, Pemba - a mesma prisão que alberga dezenas de detidos que as autoridades dizem estar ligados aos grupos armados que têm protagonizado ataques a aldeias de Cabo Delegado, mas que a ONG Human Rights Watch (HRW) diz também ser fruto de prisões abusivas.
No fim de janeiro, uma comissão da Ordem dos Advogados de Moçambique que visitou Amade Abubacar disse que o jornalista denunciou agressões e privação alimentar na base militar, onde esteve encarcerado nos primeiros dias.
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".