Sem acordo, máquinas de mineradora amedrontam povoado
Sitoi Lutxeque (Nampula)
2 de julho de 2020
Ao verem as máquinas a aproximarem-se ainda antes do reassentamento, moradores de localidade em Nampula sentem-se pressionados. Mineradora diz que está a operar dentro dos limites estabelecidos.
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A população residente na comunidade de Izowa, na localidade de Topuito, distrito de Larde (Nampula), protesta contra a mineradora irlandesa Kenmare. Pelo menos 117 famílias locais dizem-se preocupadas ao ver as máquinas da mineradora a aproximarem-se cada vez mais das suas casas.
O processo de negociação para o reassentamento da comunidade ainda não foi concluído. Bandeira Adamugy, residente há mais de nove anos em Izowa, conta à DW África que não era isso que estava combinado.
Estranhamente, segundo Adamugy, "a empresa já está a fazer o seu serviço, a fábrica já está na nossa varanda. Nós chamámos a empresa para dizer que aquilo que combinámos não é o que está a acontecer e a empresa já está nas nossas varandas. Como é que vamos fazer?"
População desvalorizada
Ao todo, estão previstas três consultas à comunidade, mas ainda só foi feita uma, segundo os moradores. As consultas terão sido suspensas devido à pandemia de Covid-19. A retoma continua em aberto.
Ao verem as máquinas a aproximarem-se ainda antes da comunidade ser reassentada, os populares sentem-se pressionados.
"O que nós queremos é que eles, no período de reassentamento, construam casas do tipo três [melhoradas], não de duas águas. E não se pode inverter o cenário, porque não havemos de aceitar", afirma Adamugy.
Mineradora defende-se
A mineradora irlandesa opera há mais de uma década em Topuito, mas pensa em expandir a exploração para a zona de Pilivili. Em resposta às preocupações da população, a Kenmare diz, no entanto, que as máquinas estão a operar dentro dos limites estabelecidos.
"A fábrica que ainda está a trabalhar é a fábrica A - localizada no bairro de Mutiticoma - ainda está a explorar o depósito que há na área para ser explorado. Nós não entrámos em nenhum outro lugar e este esclarecimento já foi dado a população. Não ultrapassámos os limites da nossa atual licença", diz Regina Macuácua, responsável pela área social da empresa.
A Kenmare assegura ainda que as negociações com as comunidades vão continuar e que os populares serão reassentados, como prometido. O administrador do distrito de Larde, Fonseca Etide, também tranquiliza a comunidade de Izowa.
"O que está a acontecer na verdade, é que eles [a mineradora] já fizeram uma consulta, mas a população está a sentir-se quase pressionada quando viram as máquinas quase a aproximarem-se da área deles, mas não vão entrar agora sem terminar as consultas", esclarece Etide.
Cemitérios destruídos
O braço de ferro entre a população e a mineradora já é antigo. Em meados de dezembro, populares revoltados paralisaram as máquinas por temerem a destruição de vários cemitérios. Quase sete meses depois, as preocupações continuam.
Marracuene Abacar, coordenador da ONG Comité de Gestão de Recursos Naturais de Topuito, diz que prevalece a destruição de cemitérios, neste caso as campas.
"Principalmente dos menores. No princípio deste ano, pagaram oito campas em Tipane e algumas no povoado de Topuito-Sede. A empresa alicia os familiares dos finados com algum incentivo, o que não é justo e nós consideramos uma ofensa aos falecidos, segundo a lei", alerta.
A empresa rejeita as críticas. Macuácua alega que tudo é feito com autorização. "Todas as campas que nós encontramos no percurso da mina - antes de darmos o seguimento, os critérios são indicados pelas comunidades - nós fazemos o transladação dos restos mortais e a realocação dos cemitérios. Isso faz parte do processo de reassentamento previsto dentro das normas”, disse.
As riquezas minerais de Nampula
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo.
Foto: DW/Petra Aschoff
Cadeia de riquezas minerais
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo. As areias pesadas da região são parte de uma cadeia de dunas que se estendem desde o Quénia até Richards Bay, na África do Sul. Em Moma, exploram-se os bancos de areia de Namalote e as dunas de Topuito.
Foto: Petra Aschoff
Areias para diferentes indústrias
Unidade de lavagem de areias pesadas da mineradora irlandesa Kenmare, um dos chamados "megaprojetos" estrangeiros em Moçambique. A ilmenite, o zircão e o rutilo, extraídos das areias, são usados, respetivamente, na indústria de pigmentos, cerâmica e na produção de titânio. O rutilo, um óxido de titânio, é fundamental para a produção do titânio usado para a construção de aviões.
Foto: Petra Aschoff
Lucro após prejuízo
Os produtos são transportados através de um tapete rolante até um pontão no Oceano Índico. Segundo media moçambicanos, a extração de areias pesadas na mina de Topuito, em Moma, resultou num lucro de 39 milhões de dólares no primeiro semestre de 2012. No mesmo período de 2011, a empresa registou prejuízo de 14 milhões por causa da baixa dos preços devido à crise económica mundial.
Foto: Petra Aschoff
Problemas trabalhistas?
O semanário moçambicano Savana repercutiu, em outubro de 2011, a decisão do ministério do Trabalho de suspender 51 trabalhadores estrangeiros em situação ilegal na Kenmare. Segundo o Savana, na mesma altura, a Inspeção Geral do Trabalho descobriu que 120 trabalhadores indianos estavam para ser recrutados pela Kenmare. O recrutamento foi cancelado.
Foto: Petra Aschoff
Mudança de aldeia
Para poder explorar as areias pesadas em Nampula, entre 2007 e 2010 a mineradora irlandesa Kenmare transferiu as moradias de centenas de pessoas na localidade de Moma, no norte do país. A empresa prometeu acesso à água, casas melhores e postos de saúde. Na foto, nova escola primária para a população local.
Foto: Petra Aschoff
Acesso à água
Em 2011, o novo bairro de Mutittikoma, em Moma, ainda não tinha um poço d'água. Esta é transportada até o vilarejo com um camião cisterna. O acesso à água também é garantido com uma tubulação que a Kenmare instalou ali. Porém, como a mangueira só deixa correr um fio d'água, as mulheres que vêm buscá-la esperam no sol durante horas a fio para encher baldes e recipientes.
Foto: Petra Aschoff
Responsabilidade social
Uma casa construída pela Kenmare para a população desalojada por causa da exploração das areias pesadas em Moma. No início de setembro, Luísa Diogo, antiga primeira-ministra de Moçambique, disse que o país deve estar "muito atento" para que os grandes projetos de recursos naturais – como carvão e gás – beneficiem as populações. Ela também defende renegociação de contratos multinacionais.
Foto: Petra Aschoff
Em busca do brilho
Para além das areias pesadas, o solo da parte sul da província moçambicana de Nampula oferece mais riquezas. Na foto: garimpeiros à procura da pedra preciosa turmalina em Mogovolas. Os garimpeiros recebem cerca de um euro por dia para cavar buracos com vários metros de profundidade. As pedras são vendidas a um comerciante intermediário.
Foto: Petra Aschoff
Verde raro
As pedras de turmalina costumam ter várias cores. Uma das mais conhecidas é a verde. Mas existe outro verde precioso que se torna cada vez mais raro em Mogovolas: o da vegetação. Os buracos cavados pelos garimpeiros podem não ter pedras, mas permanecem após a escavação e sofrem erosão. As plantas não são plantadas novamente, apesar de a recomposição da vegetação ser prevista pela lei.