Senegal: Anúncio de Macky Sall levanta interrogações
DW (Deutsche Welle) | com agências
5 de julho de 2023
A decisão do Presidente do Senegal, Macky Sall, não se candidatar às eleições de 2024 causou surpresa, mas também levantou uma série de questões. Oposição e comunidade internacional fazem leituras diferentes do anúncio.
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Até segunda-feira (03.07) à noite, Macky Sall contava com o apoio do seu partido, a Aliança para a República (APR), para a recandidatura. Mais de 300 presidentes de municípios também já tinham manifestado o seu apoio, mas a pressão no interior do país, na sequência da condenação de Ousmane Sonko, líder da oposição, parece ter influenciado a decisão do Presidente senegalês.
A oposição senegalesa e a comunidade internacional fazem leituras diferentes da decisão de Macky Sall de não se candidatar a um terceiro mandato presidencial. Os parceiros externos do Senegal não pouparam elogios, mas para os opositores do Presidente senegalês, Macky Sall não fez nenhum favor à democracia.
Diallo Diop, vice-presidente do Pastef, o partido de Ousmane Sonko, considerou "excelente" a notícia, "porque era inaceitável em princípio e na prática".
Moustapha Guirassy, membro da coligação da oposição Yewwi Askan Wi, disse que a pressão popular é que travou as pretensões do chefe de Estado. "O povo triunfou, o povo ganhou. A emoção não deve levar-nos a não julgar corretamente o que se passou", frisou.
O alívio tomou conta do Senegal. A decisão de Sall evitou os receios de um derramamento de sangue. Elimane Kane, presidente do Partido Legs-Africa, concorda que Sall foi forçado a mudar os seus planos devido à indignação pública.
"Não é normal que, num país democrático como o Senegal, estejamos à espera de um anúncio do Presidente da República a dizer se vai ou não ser candidato a um terceiro mandato", afirmou. "Tendo em conta que temos uma Constituição clara, isto não deveria ter acontecido. De facto, ele tem alguma responsabilidade por ter deixado dúvidas sobre se seria candidato", declarou Kane.
Elogios fora de portas
Mas fora de portas, Macky Sall tem sido aplaudido. A União Europeia (UE) saudou o chefe de Estado senegalês, sublinhado que a decisão vai no sentido de atenuar as tensões políticas e sociais.
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Já os Estados Unidos consideraram a decisão "um exemplo para a região". Também, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) saudou a "decisão corajosa" do Presidente.
Macky Sall foi ainda felicitado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, e pelo presidente da Comissão da União Africana (UA), Moussa Faki Mahamat.
Dethie Fallan, líder da oposição, exortou a população a "manter-se vigilante" e falou num "truque" de Sall para enfraquecer os opositores. "A ação não deve ser utilizada como um estratagema para atacar ainda mais a oposição, para isolar ainda mais os líderes da oposição, para isolar ainda mais Ousmane Sonko. É por isso que pedimos a todos que se mantenham vigilantes e mobilizados."
Ousmane Sonko "bloqueado"
O principal líder da oposição está atualmente impedido de se candidatar às presidenciais de 2024 e bloqueado na sua casa em Dakar pelas forças de segurança, depois de ter sido condenado a dois anos de prisão por acusações de abuso sexual, que Sonko nega.
O caso provocou distúrbios esporádicos ao longo de dois anos, culminando em confrontos mortais aquando da sua condenação no mês passado, que fizeram 16 mortos, segundo as autoridades, e cerca de 30 para a oposição.
Macky Sall, de 61 anos, foi eleito pela primeira vez em 2012 para um mandato de sete anos e novamente em 2019 para um mandato de cinco anos, na sequência de uma revisão constitucional do mandato.
A Constituição estipula que um Presidente não pode servir mais de dois mandatos, mas os apoiantes de Sall argumentaram que o contador tinha sido reposto a zero com a revisão de 2019.
Casamança: Um conflito (quase) esquecido
A região de Casamança, no sul do Senegal, é um foco de conflito há 30 anos - embora oficialmente prevaleça a paz. Com uma nova operação militar, o Exército tem tomado medidas contra os refúgios dos grupos rebeldes.
Foto: John Wessels/AFP/Getty Images
Nova ofensiva do Exército
No início de fevereiro de 2021, soldados do Governo senegalês participaram numa operação para encontrar rebeldes em Casamança. A região no sudoeste do Senegal é palco de um conflito em ebulição desde os anos 80. Embora ultimamente a situação se mantenha relativamente calma, em janeiro deste ano o Governo lançou uma nova ofensiva contra os refúgios dos rebeldes.
Foto: John Wessels/AFP/Getty Images
Rebelião sangrenta
O círculo vicioso de violência começou em 1982, quando os líderes do Movimento das Forças Democráticas de Casamança (MFDC), que até então lutavam pacificamente pela independência da região, foram presos. Nos anos seguintes, o grupo radicalizou-se e, a partir de 1990, recebeu apoio militar vindo de território guineense. Também a vizinha Gâmbia é cada vez mais arrastada para o conflito.
Foto: John Wessels/AFP/Getty Images
Negociações falhadas
Houve várias tentativas de um cessar-fogo nos anos 90, que não duraram muito tempo, em parte porque o braço armado do MFDC continuou a fragmentar-se. Apesar de várias tentativas do fundador do MFDC, Augustin Diamacoune Senghore, para alcançar um acordo com o Governo do Senegal, só entre 1997 e 2001 centenas de pessoas foram mortas e milhares tiveram de fugir.
Foto: John Wessels/AFP/Getty Images
Momento histórico
Em abril de 2001, o então Presidente senegalês Abdoulaye Wade (à direita) viajou para Ziguinchor, em Casamança, um ano após a sua tomada de posse. O novo chefe de Estado queria negociar um caminho para a paz com o líder separatista Augustin Diamacoune Senghore (à esquerda), mas como o acordo contornava a questão da autonomia, volta a ser rejeitado pelos rebeldes.
Foto: Seyllou Diallo/AFP
Violência apesar do acordo de paz
Em 2004, o líder rebelde Augustin Diamacoune Senghore (à direita) e o ministro do Interior Ousmane Ngom (à esquerda) assinaram um tratado de paz duradouro. Embora o conflito político estivesse resolvido, alguns grupos de dissidentes do MFDC continuaram a lutar. E a violência em Casamança intensifica-se.
Foto: Seyllou/AFP/Getty Images
A paz torna-se uma questão eleitoral
Em 2012, o concorrente Macky Sall venceu as eleições presidenciais contra Abdoulaye Wade. Uma das suas promessas era trazer finalmente a paz a Casamança. Durante a campanha, Macky Sall enviou o popular músico senegalês Youssou Ndour a Casamança.
Foto: Seyllou/AFP/Getty Images
Violência latente
Apesar de todos os esforços de paz, a violência continuou nos anos seguintes. Mais recentemente, em 2018, 13 jovens foram mortos e vários ficaram feridos num massacre perto da capital regional de Ziguinchor. Até agora, muitas pessoas deslocadas não regressaram às suas casas por terem medo.
Foto: Seyllou/AFP/Getty Images
Quotidiano em Casamança
Apesar dos recorrentes surtos de violência, os habitantes de Ziguinchor, a principal cidade da região de Casamança, prosseguem a sua vida quotidiana. Com mais de 200.000 habitantes, Ziguinchor é o principal centro comercial de Casamança e uma base importante para o Exército senegalês.
Foto: John Wessels/AFP/Getty Images
Atrás dos rebeldes
Segundo informações oficiais, soldados do Exército já capturaram várias bases rebeldes, incluindo um bunker subterrâneo, durante a última operação militar que arrancou no início de fevereiro de 2021. Desta forma, o Governo espera acabar também com as atividades criminosas através das quais os grupos rebeldes se financiam.