Após alegações finais, Tribunal de Luanda agendou para 6 de julho leitura da sentença do julgamento dos jornalistas Rafael Marques e Mariano Brás, acusados de injúria e ultraje a órgão de soberania pelo ex-PGR.
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O anúncio foi feito esta sexta-feira (15.06) pela juíza Josina Ferreira Falcão no final da sessão de apresentação das alegações por parte da defesa, do mandatário de João Maria de Sousa e Ministério Público (MP), que reiterou as acusações contra os jornalistas e "pediu a responsabilização criminal" dos mesmos. A defesa do antigo chefe da procuradoria angolana acrescenta na pena, uma indemnização de 4 milhões de Kwanzas (14,208 Euros), para que “Rafael Marques mude de atitude quando analisa as coisas”. Os réus poderão pagar cerca de 7 mil euros cada.
Em causa está uma notícia de novembro de 2016, divulgada no portal de investigação jornalística Maka Angola, do jornalista Rafael Marques, com o título "Procurador-geral da República envolvido em corrupção", que denunciava o negócio alegadamente ilícito realizado por João Maria de Sousa, envolvendo a aquisição de um terreno de três hectares em Porto Amboim, província angolana do Cuanza Sul, para a construção de um condomínio residencial.
Alegações finaisEsta sexta-feira (15.06), ficou marcada com apresentação das alegações finais das duas partes envolvidas no processo.
A defesa do ex-PGR João Maria de Sousa entende que os jornalistas devem ser responsabilizados pelos crimes que alegadamente cometeram.
O advogado de Mariano Brás, Salvador Freire, por sua vez pediu a absolvição do jornalista por este não ter praticado nenhum crime pelo facto de republicar a peça jornalística de Rafael Marques.
Já o defensor de Rafael Marques, Horácio Junjuvile, apresentou vários documentos, entre os quais Diários da República, que comprovam as irregularidades que o antigo procurador terá cometido.
Questões de caráter político?
Em declarações à imprensa o advogado João Pedro, constituído pelo magistrado angolano, acusou a defesa dos jornalistas de levarem para o julgamento questões de caráter político.
“Ficamos desiludidos com a defesa, porque está-se aqui a ter a impressão que está a trazer questões políticas para o tribunal. É importante ressalvar que não estamos contra a imprensa. A imprensa é um meio necessário”, disse o advogado reiterando que a "atividade de jornalismo deve ser exercida com uma certa ética. Mesmo que alguém fosse condenado por crime de corrupção, o juiz não tem legitimidade de lhe chamar corrupto porque a palavra "corrupto" é uma palavra vexatória”, sublinhou João Pedro.
Já o advogado do proprietário do Maka Angola, falando aos órgãos de comunicação, disse que o seu cliente publico fundamentações "robustas".
julgamento de Rafael Marques marcada para 6 de julho
Jornalistas não cometeram injúria por terem publicado a matéria
Segundo Horácio Junjuvile os profissionais não cometeram injúria ao publicar aquela matéria que envolvia o ex-Procurador-Geral de Angola. "Reafirmamos que aquilo que Rafael Marques escreveu está sustentado por provas robustas. Rafael Marques entende que corrupção não é apenas conseguir favores a troco de dinheiro. É também conseguir patrocínio estatal num processo que viola a lei e que por sinal não pagou nada. Reafirmar também que um jornalista que republica factos jurídicos como se provou no presente processo, não pode ser acusado de injuria”.
Entretanto a decisão agora está com o tribunal que vai decidir a sentença.
Rafael Marques reafirma que houve mesmo um ato de corrupção no processo de aquisição da parcela de terra no Porto Aboim, província do Kwanza-Sul.
“Eu disse aqui e reitero tudo que foi dito. O processo de concessão de terra foi feito de forma ilícita. O Procurador assinou aquele documento de forma ilícita. Um ato de favorecimento em que se entrega o património do Estado a uma entidade pública sem que pague nenhum kwanza é um acto de quê se não é de corrupção?”, concluiu Marques.
"Este julgamento é uma palhaçada"
Presos desde junho de 2015, os 15 ativistas aguardam o desfecho do julgamento desde setembro. Recentemente, Nito Alves classificou o julgamento como uma "palhaçada", o que lhe valeu uma condenação a seis meses de prisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Este julgamento é uma palhaçada"
Depois de quase seis meses de julgamento, Manuel Nito Alves, um dos 15 ativistas detidos desde junho, afirmou que todo o processo era uma "palhaçada". A afirmação valeu-lhe uma condenação a seis meses de prisão. A Central Angola 7311 resolveu criar várias imagens, onde os ativistas surgem com maquilhagem de palhaço, para desmascarar o "circo" em que estão envolvidos.
Foto: Central Angola 7311
Reclusos do Zédu
No início do julgamento, a 16 de novembro do ano passado, os ativistas chegaram a tribunal com t-shirts onde tinham escritas frases de protesto. Luaty Beirão, um dos revus, afirmou na altura que "Vai acontecer o que o José Eduardo decidir. Tudo aqui é um teatro".
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Ao longo dos vários meses de processo, foram vários os protestos que aconteceram nas ruas de Luanda e de outras cidades. A Amnistia Internacional pede a liberdade dos prisioneiros de consciência, que se mostram bastante desgastados psicologicamente.
Foto: Reuters/H. Corarado
Prisão domiciliária desde dezembro
Em dezembro, o Tribunal Constitucional de Angola decretou o fim da prisão preventiva dos 15 ativistas. No acórdão era possível ler-se que "cabe ao juiz da causa determinar a medida de coação a aplicar nos termos da lei". A Procuradoria Geral da República propôs a alteração da medida de coação para prisão domiciliária.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Prisão domiciliária sem fundamento
Em fevereiro, o Tribunal de Luanda decretou que os ativistas deveriam continuar em prisão domiciliária. Praticamente um mês depois, os revus continuam à espera das alegações finais. "Nós sabemos que não podemos esperar nada de bom disto, apenas uma condenação", disse António Kissanda, da Central Angola 7311, à DW.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Os 15+2 estão a ser julgados por falar a verdade"
"Falar sobre as boas condições que José Eduardo dos Santos criou não é crime, mas dizer que não há luz, água potável, educação já é", diz António Kissanda. O 15+2 (Laurinda Gouveia, na foto, e Rosa Conde foram constituídas arguidas, mas aguardam julgamento em liberdade) estão a ser julgados porque "falaram a verdade".
Foto: Central Angola 7311
Ativistas usam greve de fome como forma de protesto
Em setembro, Domingos da Cruz, Inocêncio de Brito, Luaty Beirão (na imagem) e Sedrick de Carvalho declararam uma greve de fome contra a prisão preventiva, ilegal nessa altura, ao abrigo da Constituição angolana. Luaty Beirão manteve-se em greve de fome até ao final de outubro. Agora, é Nuno Dala quem usa a greve de fome como forma de protesto: tomou a decisão há seis dias (9.03).
Foto: Central Angola 7311
Julgamento sem fim à vista
Ontem (14.03), realizou-se mais uma sessão do julgamento dos 15+2. David Mendes (à esquerda na imagem), um dos advogados de defesa do grupo, recusa depor como declarante no processo. A sessão de ontem, prevista para as declarações finais, foi adiada para 21 de março, depois de o advogado ter sido impedido de exercer as suas funções como advogado de defesa.
Foto: DW/Nelson Sul d'Angola
"Isto é uma farsa que os levou à cadeia e os mantém na cadeia"
Para António Kissanda, da Central Angola 7311, este julgamento é uma farsa e lembra todos os outros ativistas que, ao longo dos 36 anos em que José Eduardo dos Santos está no poder, foram perseguidos e mortos. "Nós já estamos mortos, para dizer a verdade, só falta estarmos no caixão como prova disso", afirma. "Tal como em qualquer ditadura, é importante que não se criem mentalidades no povo".