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Estado de DireitoNíger

"Sentimento anti-francês" pode justificar golpes na CEDEAO

1 de agosto de 2023

Antigo secretário de Estado guineense João Bernardo Vieira não descarta intervenção da CEDEAO no Níger para "estancar hemorragia" na região. E diz que "sentimento anti-francês" pode justificar aumento da instabilidade.

João Bernardo Vieira, antigo secretário de Estado guineense para o setor dos Transportes e Telecomunicações Foto: Privat

A retirada de cidadãos franceses do Níger, após o golpe de Estado de 26 de julho, poderá indiciar que a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) vai mesmo avançar com uma intervenção militar no país, considera o analista político João Bernardo Vieira.

Em declarações à DW África, o antigo secretário de Estado dos Transportes e Telecomunicações da Guiné-Bissau nota um crescente sentimento anti-francês nos países francófonos em África, impulsionado pelas lideranças militares jovens.

Para o ex-dirigente guineense, que lidou de perto com dossiês da CEDEAO, a organização subregional da África Ocidental está agora perante um dos seus "maiores desafios" existenciais.

DW África: Como podemos interpretar a retirada dos franceses do Níger?

João Bernardo Vieira (JBV): Estamos perante mais uma situação lamentável num país africano. O Níger estava a dar sinais de alguma progressão democrática, tendo tido uma transferência de poder pacífica em 2021. É uma situação preocupante quando a França avança para a retirada dos seus nacionais. A França tem informações privilegiadas sobre a situação no Níger e em qualquer país africano, e isso demonstra claramente que toda a retórica que temos ouvido nos últimos dias, de alguma intervenção, de uma eventual intervenção nesse país, poderá vir a confirmar-se.

Manifestantes apoiam militares golpistas na capital nigerina, Niamey, a 30 de julho de 2023Foto: Balima Boureima/REUTERS

DW África: Como olha para as declarações dos líderes militares da Guiné-Conacri, do Mali e do Burkina Faso, que avisaram a CEDEAO que uma intervenção militar seria uma "declaração de guerra"?

JBV: Repare que isto é um dos maiores desafios. É um desafio existencial para a própria CEDEAO. Há 15 países na CEDEAO e vemos quatro países numa situação de transição política, de golpe de Estado. Estes países foram todos objeto de golpes de Estado e, se permitirem que haja uma intervenção no Níger, obviamente que haverá, eventualmente, uma posição muito mais dura relativamente a esses países.

DW África: Por que motivo a CEDEAO só avançaria com esta decisão em relação ao Níger?

JBV: Isto é uma situação que tem tido contornos preocupantes. Penso que alguém vai ter de ser sacrificado neste momento. Vemos aqui esta nova dinâmica na subregião e a CEDEAO deverá obrigatoriamente rever o seu modus operandi, para poder adaptar-se a esta desafiante realidade e afirmar-se como uma organização política subregional. Nesse sentido, penso que esta situação do Níger não vai ficar assim e a CEDEAO poderá tomar uma medida muito mais dura.

Mohamed Bazoum, Presidente nigerino depostoFoto: Boureima Hama/AFP/AP/dpa/picture allaince

DW África: Acha que há uma mão invisível da Rússia nesta agitação nos países francófonos?

JBV: Isto tem que ver com o sentimento anti-francês que se está a criar na subregião. A grande verdade é que, apesar de haver este sentimento, os militares que dão o golpe não são militares franceses, são militares desses países onde o golpe está a ser realizado. Penso que é importante compreender que o que está aqui em causa é uma nova parceria que esses países reclamam com o mundo ocidental, para que possam falar de igual para igual.

Há aqui uma perceção de que esses países, e alguns países que dependem de França, estão a perder riquezas; de que a França está lá a, digamos, "aproveitar-se" dessas riquezas. Repare que há três países — o Senegal, o Mali e o Burkina Faso — que são produtores de ouro, e a França, que não é produtora de ouro, tem praticamente mais de metade do ouro desses países. Isto é sabido, não é especulação. São factos.

DW África: Quais são as consequências imediatas de uma eventual intervenção militar da CEDEAO no Níger?

JBV: Existe uma 'troika' que é constituída pelo Presidente do Benim, o Presidente da Guiné-Bissau, o Presidente do Níger e o Presidente da Nigéria. É uma 'troika +1'. E é precisamente num desses países da 'troika' que ocorreu agora o golpe de Estado. Portanto, penso que haverá uma posição mais dura da CEDEAO, senão isto vai tomar contornos complicados para a subregião e haverá golpes de Estado noutros países. Portanto, há que estancar esta hemorragia que está a acontecer neste momento nos países da costa ocidental africana.

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