"Sequestro" de juízes em Bissau: "É tentativa de impor medo"
25 de julho de 2024Segundo relatos dos familiares, os três juízes do Tribunal Militar Superior foram chamados na quarta-feira (24.07) pelo Estado-Maior General das Forças Armadas. Desde então, perderam o contacto com eles.
Até agora, não regressaram às respetivas residências. Acredita-se que estejam retidos nas instalações do Estado-Maior em Bissau.
Para a Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH), o que aconteceu aos três juízes configura "sequestro".
"Condenamos esta atuação ilegal e arbitrária do Estado-Maior General das Forças Armadas", afirma o segundo vice-presidente da Liga, Edmar Nhaga, em declarações à DW.
Esta será uma "tentativa de condicionar o exercício da atividade jurisdicional, impondo medo para que ninguém ouse pronunciar sobre o que não vá de acordo com as orientações da classe castrense", continua Nhaga.
Os três juízes conselheiros assinaram um acórdão do Tribunal Militar Superior que ordenou a libertação dos detidos no caso da alegada tentativa de golpe de Estado de 01 de fevereiro de 2022. Antes, o Tribunal Civil já havia decidido sobre a libertação de alguns detidos, mas a decisão não foi cumprida.
"Não é a primeira vez"
Em comunicado, a LGDH exigiu a libertação imediata dos três juízes. Responsabilizou ainda o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, Biague Na Ntan, "pela vida e integridade física" dos magistrados, apelando a que cumpra escrupulosamente o acórdão que ordenou a libertação dos detidos no caso 01 de fevereiro de 2022.
Esta manhã, as forças de defesa e segurança circulavam por todo o lado em Bissau.
O analista político Rui Jorge Semedo olha com apreensão para a situação atual na capital. Não se sabe se isso tem a ver com o caso 1 de fevereiro de 2022 ou, por exemplo, com as marchas pró e contra o Presidente Umaro Sissoco Embaló, agendadas para o próximo sábado (27.07).
Seja como for, Rui Jorge Semedo critica duramente o suposto "sequestro" dos juízes.
"Estamos perante a violação dos direitos desses cidadãos", comenta. "Mais uma vez, é uma demostração de força, uma tentativa de se sobrepor às ordens do país. O juiz é autónomo, tem e deve decidir em sã consciência, e acredito que foi o que fizeram. Mas está a acontecer o que todos nós sabemos e não foi a primeira vez."
O analista recorda o caso do Supremo Tribunal de Justiça em que "o presidente foi afastado por via da força e o vice-presidente desta instância máxima da Justiça guineense assumiu o lugar à margem da lei".
Detidos serão libertados?
Rui Jorge Semedo aponta que a atual situação pode agravar ainda mais a crise política e institucional no país: "É mais uma confusão, e esta confusão pode aumentar o estado de tensão e de risco, obviamente."
Por outro lado, Semedo duvida que os detidos no caso 01 de fevereiro de 2022 sejam libertados, como o Tribunal Militar Superior decidiu.
"Estamos a falar da Guiné-Bissau, um país com a sua especificidade. O cumprimento da lei e das normas não é uma exigência, sobretudo no contexto atual, em que há sempre uma ordem superior. Portanto, tudo vai depender esta ordem superior."
Deste a divulgação do acórdão do Tribunal Militar Superior, as autoridades do país não se pronunciaram sobre o caso – nem o Governo, nem a Presidência da República.
O chefe de Estado Umaro Sissoco Embaló já sublinhou várias vezes a necessidade de julgar o caso da alegada tentativa de golpe.