Irá o Zimbabué recuperar a riqueza desviada por Mugabe?
António Cascais | Chrispin Mwakideu
23 de novembro de 2017
O ex-ministro das Finanças do Zimbabué Tendai Biti acredita que será fácil. Já o diretor da organização Corruption Watch antevê dificuldades em conhecer o rasto do dinheiro, grande parte em paraísos fiscais.
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Os tabloides sul-africanos publicam inúmeros artigos sobre as "riquezas incalculáveis" que Robert Mugabe e sua família deverão ter acumulado ao longo de anos de 37 anos de poder. No entanto, não é possível ainda avaliar com precisão quanto o ex-Presidente do Zimbabué e família terão gasto de fundos públicos.
Sabe-se que as festas de aniversário de Mugabe devem ter custado mais de dois milhões de dólares, com cerca de 500 mil dólares só para champanhe e caviar.
Além de uma mansão em Harare com 25 quartos, avaliada em 8,5 milhões de euros, o ex-chefe de Estado do Zimbabué detém, pelo menos, quatro moradias de luxo em Hong Kong e o Palácio de Hamilton, em Sussex, na Inglaterra, avaliado em mais de 400 milhões de euros.
Irá o Zimbabué recuperar a riqueza desviada por Mugabe?
Além disso, há que contabilizar ainda mais de 15 mil hectares de terras, que incluem áreas expropriadas a proprietários brancos. Algumas dessas propriedades foram convertidas em retiros privados e resorts. Robert Mugabe detém também veículos blindados, alguns deles Mercedes, no valor de um milhão de euros, um Rolls-Royce, diversas joias, relógios, diamantes e aplicações financeiras.
A sua esposa Grace Mugabe foi até apelidada de Gucci-Grace devido ao seu estilo de roupa. Em 2014, chegou a defender o marido, dizendo que ele era o "Presidente mais pobre do mundo".
Os dois filhos do casal também apreciam uma vida de luxo. Chatunga Mugabe, por exemplo, viveu numa moradia no Dubai com uma mensalidade de 30 mil euros, antes de se mudar para uma residência em Joanesburgo, na África do Sul, com renda de quatro mil dólares.
Recuperar o dinheiro desviado do Zimbabué
O ministro das Finanças do Zimbabué entre 2009 e 2013, Tendai Biti, foi confrontado com a corrupção no Governo de Mugabe. "O meu maior desafio não foram os milhares que Mugabe roubou, mais os milhões que tinham desaparecido. Hoje, sabemos que foram cerca de 15 milhões de dólares, uma elevada quantia", lembra Tendai Biti. Para o ex-ministro das Finanças, "uma das principais tarefas do novo Governo é recuperar o dinheiro".
"Esse dinheiro pertence ao Zimbabué e deve regressar ao país. São cerca de mil milhões de dólares, que pertencem aos zimbabueanos. Será um teste para o novo Governo localizar esse dinheiro. Hoje em dia é fácil. Com todas as regras financeiras internacionais contra a lavagem de dinheiro e de promoção da transparência, deverá ser uma tarefa fácil", estima Tendai Biti.
Paraísos fiscais
No entanto, Paul Holden, diretor da organização sem fins lucrativos Corruption Watch, acredita que será difícil rastrear o dinheiro de Mugabe. Trazer o dinheiro de volta ao Zimbabué "depende de vários fatores: em primeiro lugar, é preciso descobrir a quantidade de ativos de Mugabe e onde eles estão exatamente. Caso contrário, poder ser muito difícil conhecer o rasto do dinheiro. A maioria do dinheiro está provavelmente localizado no exterior, em paraísos fiscais. Pode levar muito tempo e também ser bastante difícil", alerta Paul Holden.
Mesmo que se venha a saber onde estão os ativos, será muito difícil provar que o dinheiro foi roubado do Zimbabué, acrescenta o diretor da organização Corruption Watch.
Outros casos mostram o quão difícil pode ser o processo. O ex-Presidente da Nigéria Sani Abacha terá conseguido gastar cinco mil milhões em receitas de petróleo fora do país durante seu mandato entre 1993 e 1998. Mas apenas depois de 16 anos uma pequena parte do dinheiro roubado foi trazida de volta à Nigéria.
Será Mnangagwana uma verdadeira alternativa?
A questão que fica é se o sucessor de Robert Mugabe, o antigo vice-Presidente Emmerson Mnangagwana, é o homem certo para promover esse desenvolvimento."Mnangagwa foi um aliado próximo de Mugabe por mais de 30 anos e, como tal, foi parte do sistema corrupto. Então, a maior parte dos observadores é cética sobre se ele realmente será diferente do seu antecessor", observa Paul Holden, diretor da organização Corruption Watch.
"A nossa esperança é que a destituição de Mugabe seja o ponto de partida para a transformação do Zimbabué num estado democrático", acrescenta Holden.
Enquanto Robert Mugabe liderou o Zimbabué, não foi uma preocupação da sua família esconder o luxo em que vivia. Num país em que parte da população é pobre, a família do Presidente exibiu, durante anos, uma vida faustosa.
Foto: Getty Images/M.Safodien
Fortuna de um bilião
Estima o The Guardian que a fortuna de Mugabe deverá rondar um bilião de euros, espalhados, entre outros, em contas secretas na Suiça e Bahamas. Só a sua mansão, localizada a norte de Harare, está avaliada em cerca de oito milhões de euros. Um valor que um cidadão comum no Zimbabué só conseguiria pagar se trabalhasse cerca de 3.825 anos seguidos sem gastar um centavo.
Foto: Getty Images
Seis pessoas, 25 quartos
Desenhada por arquitetos chineses, a mansão “Blue Roof”- com este nome por causa dos azulejos azuis do telhado importados da China - tem 25 quartos. Se cada elemento da família tiver um quarto - Robert, Grace, os três filhos do casal e o filho do primeiro casamento de Grace - sobrarão ainda 19. A casa tem ainda lagos, monitores panorâmicos, cadeiras de veludo e camas em estilo monárquico.
Foto: Getty Images/J.Njikizana
Outras propriedades
Sabe-se que o casal possui ainda propriedades na Malásia, Singapura e Dubai . Em 2009, diz o Sunday Times, Robert e Grace Mugabe adquiriram uma outra casa num bairro de luxo em Hong Kong, cidade onde estudou a sua filha Bona, por 4,5 milhões de euros. Na mesma altura, "Dis Grace", como também é chamada pelos zimbabueanos, terá gasto mais de 60 mil euros em estátuas de mármore do Vietname.
Foto: picture-alliance/dpa/Ym Yik
Casamento extravagante
Robert e Grace Mugabe deram o nó em agosto de 1996, quatro anos após a morte da primeira esposa do presidente do Zimbabué, Sally, ter falecido. O casamento custou um milhão de dólares e contou com 40 mil convidados. Na imprensa local, falou-se no “casamento do século”. Para assinalar o 20º aniversário de casamento, Grace terá comprado um anel de diamantes por 1,15 milhões de euros.
Foto: Getty Images/O.Anderson
"Gucci Grace"
Embora quisesse ser notícia pelo trabalho social que desenvolvia no Zimbabué, a agora ex primeira-dama, apelidada também de "Gucci Grace" pela sua futilidade, era criticada pelos seus gastos pessoais com objetos de luxo. Grace Mugabe, 40 anos mais nova que Robert Mugabe, não escondia as suas roupas, sapatos e jóias de marcas de luxo.
Foto: Getty Images/Z.Auntony
Às compras pela Europa...
Diz o The Guardian que a marca favorita de sapatos de Grace é a Ferragamo. Ao todo, o seu armário, contará com mais de três mil pares de sapatos. Em 2003, o Daily Telegraph deu conta que Grace gastou, numa só viagem a Paris, cerca de 63 mil euros. Já em Londres, a primeira-dama terá gasto 45 mil. Até 2004, Grace terá retirado do Banco Central do Zimbabué mais de cinco milhões de euros.
Foto: Getty Images/J.Delay
Luxo “hereditário”
O gosto por gastar é algo que Grace parece ter incutido nos seus filhos. Só o casamento de Bona (na foto) custou mais de três milhões de euros. Já Robert Jr. e Bellarmine Chatunga, os outros dois filhos do casal, enquanto viveram no Dubai, estiveram instalados num apartamento que tinha uma renda mensal de cerca de 30 mil euros. Já na África do Sul, pagavam cerca de 4,5 mil.
Foto: Getty Images/R.Rahman
Filhos não escondem riqueza
Este ano, o filho mais novo de Mugabe publicou um vídeo onde derramava champanhe Armand de Brignac em cima do seu relógio de luxo. Dias antes, diz o The Guardian, o jovem postou uma fotografia com a legenda “51 mil euros no pulso quando o seu pai comanda o país”. A imprensa local não deixou também passar em branco a excentricidade do enteado de Mugabe, que importou dois luxuosos Rolls-Royce.
Foto: Rolls-Royce
"Gucci Grace" em tribunal
Recentemente “DisGrace” travou uma guerra no tribunal com um negociante de diamantes libanês. Grace Mugabe afirma ter pago cerca de 858 mil euros por um diamante de 100 quilates que não recebeu.
Foto: dapd
Festas de anos milionárias
As festas de anos de Mugabe já eram uma tradição. Ano após ano, em fevereiro, repetiam-se as notícias relacionadas com as suas extravagâncias. No seu 85º aniversário, por exemplo, foram encomendadas duas mil garrafas de champanhe Moet & Chandon e 400 doses de caviar. Já por altura dos seus 91 anos, Mugabe gastou cerca de um milhão de dólares na festa, que teve lugar num hotel de cinco estrelas.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Ufumeli
Na mira do “Wikileaks”
Em 2010, as informação reveladas pelo Wikileaks vieram dar razão aos zimbabueanos que criticavam os luxos da família Mugabe. Os documentos divulgados fizeram referência ao envolvimento de elites e altos funcionários do governo do Zimbabué em negócios de diamantes. Um dos nomes citados foi precisamente o de Grace Mugabe.