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Sheila Khan tem esperança numa "reparação" em Moçambique

António Cascais
19 de novembro de 2024

A investigadora Sheila Khan acompanha a atual crise em Moçambique "com enorme tristeza". A neta do poeta moçambicano José Craveirinha diz que, se fosse vivo, o avô estaria a apontar o dedo aos que "capturaram o país".

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As manifestações têm sido convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece a vitória de Daniel ChapoFoto: Siphiwe Sibeko/REUTERS

Como digerem os moçambicanos na diáspora a tensão que se vive atualmente em Moçambique? Solidariedade com os manifestantes que exigem verdade eleitoral? Preocupação e medo do caos e/ou anarquia que se pode vir a instalar no país de origem? Ou simplesmente indiferença?

Foi sobre estas questões que a DW falou com Sheila Khan, socióloga, investigadora e professora universitária, de origem moçambicana, que já passou por países como Inglaterra, Itália, Noruega e Portugal, onde leva a cabo as suas investigações, na Universidade Lusófona do Porto, e onde escreve os seus livros.

Sheila Khan é neta do poeta moçambicano José Craveirinha, galardoado com o Prémio Camões em 1991, que morreu em 2003. O que diria hoje sobre a atual situação o avô, que foi socializado numa fase em que os combatentes da FRELIMO eram considerados os libertadores da pátria, se fosse vivo?

DW África: Como descreveria o seu estado de alma perante os acontecimentos em Moçambique?

Sheila Khan (SK): Eu não consigo olhar para o que está a acontecer em Moçambique com indiferença. E é preciso dizer que eu cresci em Portugal, mas eu fui sempre acompanhando a realidade moçambicana através de familiares que ficaram em Moçambique, familiares que vieram para Portugal e que tiveram sempre a atenção de se manter atentos à realidade moçambicana. Portanto, a indiferença é um estado que não existe de todo em mim.

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Quando eu olho para esta realidade em Moçambique, eu olho com enorme tristeza, com enorme desalento, mas também com uma enorme esperança e numa enorme fé que o que se está a passar em Moçambique não é uma revolução popular, eu chamaria isto um estado de reivindicação e de reparação, por um lado popular e, por outro lado, histórica, no sentido em que temos aqui novas vozes e novas formas de entender, efetivamente, o estado da arte da democracia e da política moçambicana.

DW África: Passou por vários países ao longo da sua vida, por Inglaterra, Itália, Noruega, Portugal. Será que está em condições de descrever, também como socióloga, o estado de alma da diáspora moçambicana - se é que existe uma diáspora e um estado de alma?

SK: Há uma comunidade e há uma diáspora significativa e até geracional, por exemplo, no Reino Unido, onde eu vivi e tive a oportunidade de estar com várias gerações. Na Itália, eu vivi em Bergamo, portanto, não havia muitos moçambicanos e aí, sei que havia em Roma, mas eu não tive a oportunidade de me encontrar com eles. Mas, por exemplo, na Noruega havia muitos moçambicanos que vinham estudar e que tinham, efetivamente, um sentido muito cívico e um sentido muito de servir o país.

DW África: Circulam comunicados de representantes da diáspora moçambicana, aqui e acolá. Um muito recente diz que o que está a ser praticado em Moçambique é um genocídio. Há também denúncias de que estão em Moçambique soldados ruandeses com licença para matar...

SK: Bem, em primeiro lugar, eu iria pedir às pessoas que estão a usar esse termo para estudar o conceito de genocídio. Se calhar é uma expressão muito exagerada e uma expressão até fora do contexto que estamos a viver. Há, efetivamente, uma arbitrariedade e uma violência que me parece de um enorme desrespeito perante esta reivindicação popular e esta reparação que o povo está a pedir de tudo aquilo que se está a passar em Moçambique.

Relativamente a tropas ruandesas, sim, tenho ouvido e escutado rumores sobre a questão de tropas ruandesas em Moçambique infiltradas para poder castigar e punir estas manifestações civis legítimas e válidas, necessárias. No que diz respeito à presença infiltrada dos tropas ruandesas, ouvi e escutei o debate em várias vozes que me parecem pessoas muito ponderadas, mas também tenho ouvido reflexões de que esses rumores não são fundamentados.

Sheila Khan é neta do poeta moçambicano José Craveirinha, falecido em 2003Foto: privat

DW África: É neta do grande poeta moçambicano José Craveirinha, um homem que foi socializado numa fase em que os combatentes da FRELIMOeram considerados os libertadores da pátria e a FRELIMO era o principal e único promotor oficial da construção da nação. O que é que o seu avô diria hoje se fosse vivo?

SK: Eu acho que José Craveirinha era um homem lúcido. José Craveirinha era um homem que sabia bem o que foi as amarguras e as agruras do regime colonialista e as vivências nesse regime, ele próprio foi preso pela PIDE juntamente com Malangatana.

Ele estaria muito surpreendido, triste, desalentado, decepcionado, porque ele conhecia o seu país e conhecia muitas das pessoas e das sementes do seu país que falam em termos sociais, históricos e políticos. E portanto ele iria certamente apontar com o seu dedo e com o seu olhar muitos daqueles que hoje foram libertadores e que hoje são os que capturaram o país, que sabotaram o país e que levaram o país para esta amargura social, para esta tristeza em termos de uma desesperança que existe no país.

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