Shell e ENI no banco dos réus por corrupção na Nigéria?
Jan-Philipp Scholz | nn
20 de abril de 2017
Um tribunal de Milão decide esta quinta-feira se prossegue com o processo contra a Shell e a parceira italiana ENI. As petrolíferas estão sob suspeita por alegados subornos na Nigéria, envolvendo ex-ministro do Petróleo.
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Nos últimos dias, a organização ecologista e anti-corrupção do Reino Unido Global Witness divulgou e-mails confidenciais que indiciam o pagamento de somas avultadas ao ex-ministro do petróleo da Nigéria, Dan Etete, que já tinha sido condenado por branqueamento de capitais.
A informação está a causar embaraços à gigante do petróleo Shell, que durante anos negou ter conhecimento do caso.
"Este caso está a ser investigado em seis países diferentes e há 119 milhões de dólares atualmente congelados no Reino Unido e na Suíça", afirma Barnaby Pace, da Global Witness.
O ativista lembra que o processo está a ganhar amplitude. "A Shell e a parceira ENI estão a ser acusadas tanto em Itália como na Nigéria, assim como alguns dos seus executivos que têm de responder em tribunal sobre as alegações de que pagaram enormes subornos".
Subornos distribuídos por ministro
O caso remonta a 2011, altura em que a Shell e a ENI transferiram 1,3 mil milhões de dólares para uma conta bancária do Governo nigeriano. Com este pagamento, as empresas queriam garantir os direitos de exploração de um dos maiores campos de petróleo de África. Mas uma parte significativa do dinheiro não foi parar aos cofres do Estado, mas sim à conta da empresa Malabu, controlada por Dan Etete, o ministro do Petróleo nigeriano.
Segundo os procuradores italianos responsáveis pelo caso, Etete foi obrigado a distribuir uma fração substancial dos subornos por políticos de alta patente. Entre eles, Goodluck Jonathan, antigo Presidente da Nigéria.
Shell e ENI no banco dos réus por corrupção na Nigéria?
Contactados pela DW, os representantes da Shell e da ENI recusaram-se a dar entrevistas. Numa declaração por escrito enviada à DW, a empresa italiana disse apenas que "um inquérito independente encomendado pela ENI não encontrou factos que provassem que os funcionários da empresa estivessem envolvidos em negócios de corrupção".
Para Barnaby Pace, não há margem para dúvidas: "Tanto a Shell como a parceira italiana ENI sabiam que estavam a pagar o dinheiro a Dan Etete, um homem já condenado por lavagem de dinheiro".
O ativista chama a atenção para as consequências para o povo nigeriano. "Cinco milhões de pessoas estão atualmente a passar fome neste país. E mais de mil milhões de dólares foram roubados aos nigerianos. Essa quantia é quase uma vez e meia mais dinheiro do que o que a ONU diz que é necessário para lidar com a crise atual no país", sublina.
Ambientalistas otimistas
Barnaby Pace tem esperança que o processo judicial em Itália não seja fogo-de-vista, uma vez que os procuradores italianos foram particularmente cuidadosos na preparação do caso.
"Este inquérito está a ser conduzido em Itália, onde julgamentos por crimes graves como este são mais comuns do que acordos e casos em que não há culpados", afirma o ativista.
"É um daqueles casos raros em que poderemos ver diretores de empresas a serem obrigados a ir a tribunal explicar as suas ações, o que não é comum", conclui Pace.
Ogoniland – O dia a dia após o derrame de petróleo
Apesar de gerar receitas, o petróleo também causa desilusão na região de Ogoniland, no Delta do Níger. A pesca tornou-se quase impossível nas águas contaminadas e o ar está poluído pelos gases tóxicos da queima de gás.
Foto: Katrin Gänsler
Pesca ineficaz
A aldeia de Bodo, na Nigéria, sempre viveu da pesca. Mas desde os derrames de petróleo no Delta do Níger, em 2008 e 2009, as redes dos pescadores estão vazias. Quem hoje em dia ainda pretende viver da pesca tem de ir para o mar, o que significa mais horas de trabalho e custos mais elevados.
Foto: Katrin Gänsler
Dependentes da água
Bodo fica na região de Ogoniland, no Delta do Níger, no extremo sudeste do país. Aqui, quase todos os canais do Níger estão contaminados por petróleo. E as pessoas sempre viveram na e com a água. Ainda hoje muitos vilarejos só são acessíveis por barco.
Foto: Katrin Gänsler
Manchas de petróleo por toda a parte
O caso do derrame de petróleo em Bodo e noutras partes de Ogoniland também foi abordado pelo Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente (PNUMA). Num relatório publicado em agosto de 2011, o PNUMA recomendou que o governo e as petrolíferas disponibilizem mil milhões de dólares para trabalhos de limpeza. No entanto, as manchas de petróleo, que reluzem na água, continuam até agora.
Foto: Katrin Gänsler
O meio ambiente não tem interesse na Nigéria
Saint Emmah Pii, o chefe da aldeia de Bodo, está zangado. “Estamos todos a morrer aqui. Bebemos água contaminada. Inalamos fumos tóxicos. A culpa é do petróleo.” Fora de Bodo, no entanto, ninguém parece preocupado. “Até ao momento, nem o governo em Abuja nem mesmo as multinacionais se interessaram pelos nossos problemas”, lamenta o chefe da aldeia.
Foto: Katrin Gänsler
Nada funciona sem o ouro negro
Desde o início da produção de petróleo, em 1958, a Nigéria tornou-se no oitavo exportador de petróleo no mundo. O Estado depende fortemente do ouro negro, do qual advém 90% das receitas de exportação. Cerca de 80% dos impostos do país derivam da produção do crude. Oleodutos como estes no estado de Rivers têm, portanto, de ser tolerados.
Foto: Katrin Gänsler
Na sombra das chamas de gás
Em todo o Delta do Níger, chamas como estas aparecem de repente. E não importa se a aldeia mais próxima fica a poucas centenas de metros de distância. Aqui, a queima de gás é oficialmente proibida desde 1984. Porém, 28 anos depois, ninguém se preocupa com o cumprimento da lei.
Foto: Katrin Gänsler
Tão ricos, tão pobres
Furioso, Chukwuma Samuel mostra as chamas de metros de altura com as quais ele e toda a aldeia têm de viver perto da pequena cidade de Egbema. “Olhem para as pessoas aqui. Elas estão indignadas”, diz, apontando para o pequeno mercado em que se encontra. “Estamos a sofrer aqui. Temos de lutar. Para nós, não sobra nada da riqueza do petróleo.”
Foto: Katrin Gänsler
O povo deve decidir
As petrolíferas não gostam de ouvir que não se importam com as pessoas. Portanto, o Grupo Shell anunciou um programa chamado GMoU - "Memorando de Entendimento Global". Os municípios recebem o dinheiro e decidem eles mesmos o que fazer com ele. Na maior cidade do Delta do Níger, Port Harcourt, o Hospital de Obio Cottage foi renovado. Todos os pacientes elogiam o empenho da Shell.
Foto: Katrin Gänsler
Bodo sem qualquer apoio
Contudo, a Bodo não chegou qualquer apoio, critica Kentebe Ebiaridor da organização de defesa ambiental Environmental Rights Action (ERA). E a maior prova disso são as margens sujas de petróleo. "As pessoas estão desiludidas", diz.
Foto: Katrin Gänsler
Petróleo barato do governo
Que a Nigéria é um país produtor de petróleo, os nigerianos só o notam nos preços da gasolina subsidiados pelo Estado. Até o final de 2011, um litro de gasolina custava 65 nairas (32 cêntimos). No início de 2012, o governo acabou com uma parte dos subsídios. Isto causou uma onda de protestos. Atualmente o litro custa 97 nairas (50 cêntimos), bem menos do que em muitos outros países de África.
Foto: Katrin Gänsler
A sonhar com uma pequena loja
Franziska Zabbey nada sabe sobre os preços da gasolina barata. Vive da terra e raramente sai de Bodo. O dinheiro que ganha mal lhe chega para sobreviver. “Se a Shell nos pagar uma indemnização pelo derrame de petróleo, eu poderia abrir uma pequena loja”, espera. Tudo o resto teria pouco futuro em Bodo.
Foto: Katrin Gänsler
Pescadores para sempre
Apesar de ser quase impossível viver da pesca, os barcos de pesca de Bodo são bem preservados. Quando voltarão a poder ser usados como antigamente não se sabe bem. As Nações Unidas estimam que irá demorar entre 25 e 30 anos até Ogoniland ficar limpa do petróleo.