Simpatizantes da RENAMO com dificuldade no acesso à água
Manuel David (Lichinga)
14 de novembro de 2018
A filiação política está a provocar desigualdades sociais em Lichinga, no norte de Moçambique. Simpatizantes da RENAMO acusam membros da FRELIMO de impedir o seu acesso a fontes de água potável.
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Centenas de famílias, membros e simpatizantes da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), residentes no bairro Niassa I, na cidade de Lichinga, dizem estar a ser impedidas de aceder à água potável da única fonte existente no bairro, alegadamente por pertencerem e apoiarem o maior partido da oposição em Moçambique.
Os lesados ouvidos pela DW África afirmam que a medida surgiu, depois de terem apoiado publicamente a RENAMO nas autárquicas de 10 de outubro. Desde então, dizem, membros da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) residentes neste bairro - que são também responsáveis pela gestão do sistema – estão a impedir o acesso à água.
Ernesto Daúdo, simpatizante da RENAMO, afirma que a sua família está a ter dificuldades em aceder à fonte.
"Ali há escolha: Quem busca água lá no poço, devem ser verdadeiros [membros] da FRELIMO. Então, os da RENAMO precisam procurar [outras fontes] onde podem ir ter a água", afirma.
Água RENAMO Lichinga - MP3-Stereo
Anita Serafim, também residente no bairro Niassa I, encontrou o mesmo problema.
"A pessoa pode levar dois [baldes] ou uma bacia. Você chega aí e deixam aqueles que levaram 15 ou 12 baldes e esses não buscam apenas os deles. Se têm amigas, chamam as amigas [também para buscar a água]. Você que levou só dois baldes, fica só a secar. Mas sabendo que todos nós pagamos", critica.
Responsáveis refutam acusações
Verónica Fernando, secretária do quarteirão e uma das responsáveis pelo funcionamento da referida fonte, rejeita as acusações e diz que não há nenhuma discriminação baseada em filiação partidária.
"Já fizemos campanhas eleitorais, mas nunca proibimos esses da RENAMO. É pura mentira", afirma.
"São cinquenta meticais, mas não são todos os que pagam. São poucas pessoas que pagam. Aquele fontenário, as peças que estão ali custam muito caro", argumenta.
Os moradores do Niassa I têm de pagar 50 meticais para utilizar a fonte. O valor serve para a manutenção da mesma em caso de avaria.
Aberto em 2007, o fontanário é propriedade da ESTAMOS, uma organização da sociedade civil de cariz humanitário. Visa minorar o sofrimento dos residentes, uma vez que, mesmo com a canalização do Fundo de Investimento e Patrocínio de Abastecimento de Água (FIPAG) ao nível daquela unidade residencial, nas torneiras não jorra água com frequência.
Água potável em Angola, privilégio para poucos
Para quem tem água encanada em casa, a vida sem ela é inimaginável. Esta é, no entanto, a realidade para mais da metade da população angolana. Todos os dias, muitos angolanos fazem uma maratona para obter água.
Foto: DW/C. Vieira
Abastecimento, uma maratona diária
Para quem tem água encanada em casa, a vida sem ela é inimaginável. Esta é, no entanto, a realidade para mais da metade da população angolana, segundo a Universidade Católica de Angola (UCAN). Todos os dias, os angolanos fazem uma maratona que consume uma quantia considerável de tempo e dinheiro para obter água.
Foto: DW/C. Vieira
O dia começa no chafariz púlico
Nas regiões periféricas da capital de Angola, Luanda, o dia começa cedo a caminho do chafariz público. No município de Cazenga, esta é uma cena comum. Mulheres e crianças são as principais responsáveis pelo abstecimento de água das famílias angolanas. O consumo diário é geralmente limitado pela capacidade de aquisição e transporte da água.
Foto: DW/C. Vieira
Preço alto e falta d'água
Segundo um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), as fontes mais comuns para o abastecimento de água segura em Angola são: chafarizes (16%), furos protegidos (12%) e cacimbas (6%). Em Luanda, um galão de 20 litros de água custa 10 kwanzas no chafariz – o equivalente a 0,10 dólares. As famílias chegam cedo. Mas, muitas vezes, o chafariz está fechado por falha no abastecimento.
Foto: DW/C. Vieira
O sonho de ter água em casa
Aqueles que têm condições constroem tanques para armazenar a água em casa. O custo da obra supera os 1.500 dólares – uma despesa pesada com a qual poucos podem arcar. A água é entregue por um caminhão pipa privado e cada fornecimento de 20 mil litros custa 20 mil kwanzas – o equivalente a 0,20 dólares por 20 litros de água.
Foto: DW/C. Vieira
Água, um bom negócio?
Apesar de custar o dobro do preço pago no chafariz público, o tanque pode se tornar um bom negócio. Muitas pessoas vendem parte de sua água a 50 kwanzas por galão – o equivalente a 0,50 dólares por 20 litros. Uma margem de revenda de 150%. Esta mulher de Luanda compra água de sua vizinha e armazena em tonéis em casa.
Foto: DW/C. Vieira
Situação difícil também nas províncias
A falta de abastecimento de água leva a população a enfrentar muitas dificuldades para o transporte. Mulheres transportam a água até suas casas. Na foto: a cidade do Lobito, na província de Benguela. Além de ter que suportar o peso da bacia cheia, é preciso muito equilíbrio para não deixar a água pelo caminho.
Foto: DW/C. Vieira
Armazenar para garantir o abastecimento
As residências onde há encanamento são um privilégio para poucos angolanos. Ainda assim, não há garantia de que haverá sempre água. O abastecimento falha com frequência. No Lobito, muitos moradores investem em tanques para a armazenagem. Este comporta 3.000 litros de água e é a garantia para uma família de oito pessoas. O investimento foi de 560 dólares.
Foto: DW/C. Vieira
Criatividade para vencer a dificuldade
O transporte da água depende da criatividade e das possibilidades de cada um. Depois de adquirir a água, será preciso prepará-la para o consumo. Apesar da transparência, a água precisa ser tratada ou fervida para ser considerada potável - ou seja, livre de impurezas e que não oferece o risco de se contrair uma doença.
Foto: DW/C. Vieira
Água potável é saúde
A população de Luanda enfrenta muitas dificuldades para o transporte da água. Além disso, muitas crianças morrem de diarreia ou de outras doenças relacionadas com a água e o saneamento em Angola. Em 2006, um surto de cólera afectou mais de 85.000 pessoas e ceifou cerca de 3.000 vidas em 16 das 18 províncias angolanas.
Foto: DW/C. Vieira
Cobertura sanitária pouco abrangente
Segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 2,6 mil milhões de pessoas no mundo não têm acesso a condições sanitárias adequadas. Na África sub-saariana, a cobertura sanitária abrange apenas 31% da população. Em Angola, apenas cerca de 25% da população têm acesso ao saneamento básico, segundo a Universidade Católica de Angola. Em Luanda, é preciso conviver com esgotos a céu aberto.
Foto: DW/C. Vieira
Saneamento básico para combater doenças
A falta de saneamento básico é um pesadelo também para os moradores do município de Cazenga, em Luanda. Não há como escoar a água das ruas e enormes poças se formam. A água parada é o paraíso para a reprodução dos mosquitos transmissores da dengue e da malária – esta última ainda é a principal causa de mortes em Angola.
Foto: DW/C. Vieira
Higiene, uma questão de saúde
A falta de saneamento básico aumenta o risco da transmissão de doenças como a diarreia, a cólera e o tifo. Em toda a África, 115 pessoas morrem a cada hora de doenças ligadas à falta de saneamento, empobrecida higiene e água contaminada. Lavar as mãos após defecar, antes de cozinhar e antes das refeições ajuda a evitar doenças e pode reduzir em até 45% a incidência da diarreia.