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Sindika Dokolo: "Uma negação da Justiça em Angola"

Eric Topona | ck
3 de janeiro de 2020

O congolês Sindika Dokolo nega as acusações levantadas contra ele e a mulher, Isabel dos Santos, pela Justiça angolana. Para Dokolo, trata-se de destruir o legado político do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.

Foto: Catherine Goffeau

Em entrevista à DW, Sindika Dokolo considera que ele e a sua mulher, filha do ex-Presidente angolano, são alvo de ataques políticos, porque o Governo procura bodes expiatórios aos quais deita as culpas pela corrupção. E sugere que os verdadeiros agentes da corrupção se encontram no poder e não no setor económico privado.

DW África: A acusação da Procuradoria-Geral da República foi inesperada?

Sindika Dokolo (SD): Sim, a decisão apanhou-nos de surpresa, porque nem os meus advogados, nem ninguém das empresas em questão foi consultado. É uma verdadeira negação da justiça. É certo que se trata de medidas cautelares, mas atendendo à situação catastrófica em que atualmente se encontra a economia angolana, com uma hiperinflação, o colapso do poder de compra dos angolanos e, por isso, um impacto muito forte nas empresas, é fundamental que a minha mulher e eu estejamos em condições de, por um lado, tomar as decisões difíceis necessárias à gestão num ambiente muito complexo e difícil, e, simultaneamente, que tenhamos acesso às contas bancárias para proceder à recapitalização quando for necessário. O que está verdadeiramente em causa é o bem-estar e a sobrevivência de muitos milhares dos nossos colaboradores e empregados. Refiro-me aos empregados diretos, mas há muito mais gente que vai sofrer. Uma unidade como a UNITEL tem 35.000 pontos de venda. Em cada um deles trabalham três ou quatro empregados, o que já faz muitas dezenas de milhares de pessoas. Nessa perspetiva, é por isso muito preocupante.

Sindika Dokolo: "Congelamento de bens é uma negação da Justiça em Angola"

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DW África: Que impacto poderá ter o processo em Angola?

SD: Penso que se trata de uma má notícia para um Estado de Direito. É certamente uma má notícia para a cultura económica de Angola, que esperávamos tornar-se mais próxima das realidades do setor privado. E é desanimador, porque efetivamente penso que há um problema de corrupção em Angola até hoje, mas não é no setor privado. Esta é a tentativa de encontrar um bode expiatório sobre o qual deitar todas as culpas de todos os crimes de corrupção em Angola. Penso ser necessário haver credibilidade. Hoje sabe-se muito bem que o problema está mais no processo político e no financiamento da vida política e dos políticos, do que no setor privado.

DW África: Qual é o teor da acusação?

SD: Trata-se de uma iniciativa do Procurador-Geral da República, que defende que o Estado devia ter auferido mais rendimentos nas parcerias público-privadas do que foi o caso. É evidente que rejeitamos completamente as acusações. Penso que o facto de optarem por um processo que não nos dá a menor hipótese de nos exprimirmos ou de apresentarmos a nossa documentação e as nossas provas mostra toda a dimensão da fraqueza dos argumentos dos nossos detratores. Se nos tivessem dado a oportunidade, poderíamos ter provado que as acusações são completamente ridículas. E se devêssemos dinheiro a empresas públicas, não seria complicado: haveria um contrato que o provaria. Se não mostram o contrato é porque ele não existe e porque se está a fabricar uma espécie de base mais ou menos legal ou legítima para alcançar o verdadeiro objetivo, que é a destruição do maior grupo privado na economia angolana, porque não corresponde às ligações políticas atuais.

Presidente angolano, João LourençoFoto: Getty Images/AFP/A. Rogerio

DW África: Desde que o Presidente João Lourenço assumiu o poder em setembro de 2017, a família dos Santos debate-se com muitos problemas judiciários. Acha que se trata de um ajuste de contas?

SD: Prenso que é preciso muita má fé ou muita falta de informação para não ver estes ataques agressivos no contexto de um clima político. A motivação é política. Veja, chegámos ao ponto de o Presidente Lourenço exigir que se apague a cara do seu predecessor das notas bancárias. Há uma vontade manifesta de reescrever a História, atacando diretamente o legado político de dos Santos. Tenta-se reduzir o personagem ao problema de corrupção que há no país, e que, peço perdão, mas é realmente um problema do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, partido no poder] e nomeadamente de todas as pessoas que se encontram hoje no poder e todas as pessoas que o Presidente Lourenço decidiu manter no poder, quando é mais que claro que são justamente elas a base de muitos dos problemas de corrupção, nomeadamente na Sonangol. É evidente que este clima geral tem um papel central nos problemas da família dos Santos. Começaram por atacar o filho, que será condenado a muitos anos de prisão apesar de ter cooperado perfeitamente com a Justiça, que podia ter fugido e não o fez, porque acreditou na Justiça do seu país, o que provavelmente vai pagar caro. Atacaram uma das filhas de dos Santos, que era deputada, conseguindo que perdesse o seu mandato de uma forma muito discutível do ponto de vista legal. E agora atacam diretamente a filha, que é a maior empregadora e contribuinte do país. Em termos de corrupção se calhar já se viu resultados piores do que esses. Estou a ser um pouco sarcástico, mas estou convencido de que por detrás de tudo há um ataque concertado contra o Presidente dos Santos, que está a ser acusado diretamente pela primeira vez e sem provas. Até agora ninguém teve acesso aos testemunhos e às provas apresentadas em tribunal, porque o processo decorreu no maior segredo. Mas o tribunal, ao qual competia apenas decidir arrestos cautelares, foi ao ponto de dizer que estava provado que o Sr. dos Santos tinha tomado decisões que tinham deliberadamente lesado o Estado em benefício dos seus filhos. Não obter o direito de resposta às provas apresentadas mostra que Angola não se está a aproximar do princípio de um Estado de Direito. Talvez não tenha sido um país perfeito no passado, mas não me parece que estejamos a andar na boa direção.

DW África: Será que o Presidente José Eduardo dos Santos esperava que o seu sucessor designado, João Lourenço, pudesse atacar desta maneira a sua família?

SD: Seria necessário colocar-lhe essa a pergunta, mas decerto que está um pouco triste e desiludido. Trata-se de uma pessoa corajosa, um homem que sobreviveu a muitas adversidades na vida, sobreviveu à Guerra Fria, sobreviveu primeiro à guerra contra os portugueses, a seguir à guerra contra os sul-africanos, à guerra civil contra a UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola]. Penso que, para ele, o que é sobretudo desolador é a situação no país. É claro que não estamos a falar de períodos e legados históricos idênticos, mas entre 2002 e 2017, ou seja, do final da guerra até ao momento em que decidiu deixar o poder para criar um exemplo de alternância democrática no seu país, o Presidente dos Santos multiplicou a economia nacional por um fator de 13. O Produto Interno Bruto angolano, que era de 10 mil milhões de dólares, passou para mais de 130 mil milhões de dólares. É um crescimento enorme. O investimento público, nomeadamente hospitais, cuidados médicos, escolas, universidades, estradas, são uma realidade. É verdade que, fazendo um balanço, há muito sombra neste quadro.

DW África: Que avaliação faz da política do Presidente João Lourenço?

SD: Se formos ver o balanço dos últimos dois anos, há uma revolução extraordinária. Tudo mudou. Mas a economia está num estado catastrófico, o poder de compra caiu, há manifestações quase dia sim, dia não. Tudo aponta para que em 2020 se consagre o naufrágio da economia de Angola, o que vai ter muitas consequências do ponto de vista social. Penso que é sobretudo isto que transtorna o Presidente dos Santos. Não há eleições presidenciais em Angola. João Lourenço foi eleito Presidente porque era o cabeça de lista do MPLA nas eleições legislativas. Portanto, havia um programa governamental definido pelo MPLA, que se podia resumir numa frase: melhorar o que está bem, mudar o que está mal. Mas, em menos de dois anos, o Presidente Lourenço decidiu privatizar a Sonangol, que é a segunda maior sociedade africana depois da Sonatrach, e que está numa situação de grande fragilidade. Ou seja, este é o pior momento para a vender, tanto mais que a Sonangol é para os angolanos o símbolo da soberania do país, um dos maiores produtores de petróleo do mundo. Penso, por isso, que tudo isto tenha apanhado de surpresa [José Eduardo dos Santos] e que, na verdade, o sinta como uma traição.

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