Sissoco Embaló aposta no combate a corrupção em 2021
Iancuba Dansó (Bissau)
30 de dezembro de 2020
O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, faz um balanço positivo da sua governação em 2020. Cidadãos ouvidos pela DW África afirmam que 2020 foi um ano muito mau.
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No balanço do ano de 2020 que fez esta quarta-feira (30/12), o Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, enalteceu o papel "interventivo" da Polícia Judiciária (PJ) no combate aos males do país e destacou o "dinamismo” da diplomacia da Guiné-Bissau.
Realçou ainda aquilo que considera ser a evolução do país no plano diplomático. Para o próximo ano, Umaro Sissoco Embaló quer continuar a garantir o restabelecimento de confiança entre a Guiné-Bissau e os seus parceiros.
O estadista sublinhou o "relançamento" da diplomacia guineense desde que assumiu a presidência do país. Do ponto de vista interno apelou ao combate à corrupção.
Sissoco Embaló especificou que na Guiné-Bissau "não há cidadão especial quando lesa o Estado. Isso significa corrupção, que, para mim, é pior que o coronavírus”, disse, acrescentando que "quem toma dinheiro ao Estado vai pagá-lo”.
Na ocasião, o Presidente da República, anunciou a intenção de criar brevemente uma Agência de Ética e Anticorrupção no país. "Quem quiser ser deputado passará a ter que ser validadeo pelo Ministério Público, para evitar que haja deputados, presidentes e ministros bandidos”, declarou.
Casos DSP e Aristides Gomes
Sobre o mandado de captura internacional contra o líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) Domingos Simões Pereira, emitido pela Procuradoria-Geral da República, o chefe de Estado afirmou haver indícios fortes que justificam a tomada dessa decisão.
"Há regras. São vários países que fazem parte da Interpol [Organização Intrnacional da Polícia Criminal]. Para validarem o mandado como o validaram, é porque há indícios fortes contra a pessoa”, disse Sissoco Embaló, que nega ter tido algo a ver com este processo contra Domingos Simões Pereira.
"Não tenho direito e nem obrigação de chamar o Procurador-Geral da República. Se lhe perguntarem, vão saber que nunca lhe perguntei sobre um processo, não é meu papel, nunca”, reiterou.
Relativamente ao ex-primeiro-ministro, Aristides Gomes, que se encontra ainda refugiado nas instalações do Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau, UNIOGBIS, na capital, depois de ser destituído do poder no princípio deste ano, o chefe do Estado guineense afirmou que nada sabe dele, e "nem vai tentar saber".
"Se tem problema com a Justiça, que vá resolvê-lo", disse Embaló, que, no entnato, adiantou que não vai permitir perseguição política a nenhum cidadão guineense.
O Presidente da República da Guiné-Bissau avaliou de forma positiva o seu desempenho e o do Governo em 2020.
Cidadãos ouvidos pela DW África nas ruas de Bissau, entendem que o ano que agora termina, não tem nada de positivo. "Para mim, o ano 2020 foi muito negativo. Em todos os aspetos, nada melhorou”, afirmou um residente da capital.
A mesma opinião é partilhada por uma cidadã, para quem "a única coisa de bom é que as pessoas continuam a ter coragem e expetativa”, disse.
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Investimentos na infraestrutura
No quadro das realizações, Sissoco Embaló anunciou o financiamento de dize milhões de dólares, do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) para a construção das estradas e o financiamento do Banco Mundial, num montante não revelado, para o setor de agricultura guineense.
Informou ainda que, em 2020, a Guiné-Bissau conseguiu liquidar todas as quotas em atraso com a União Africana (UA). Para o estadista, doravante a Guiné-Bissau tem a voz nas cimeiras da UA, contrariamente aos últimos anos, em que "não discursava”.
Umaro Sissoco Embaló realçou também a relação do país com Portugal, que disse ser "porta de entrada" do país na União Europeia (UE), e anunciou a visita do Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, à Guiné-Bissau, no próximo ano.
Tarrafal: O Campo da Morte Lenta
O Campo de Concentração do Tarrafal foi, nas palavras do cabo-verdiano Pedro Martins, "um sítio planificado para fazer sofrer as pessoas". Os presos políticos que por aí passaram recordam-no como "Campo da Morte Lenta".
Foto: DW/Madalena Sampaio
Bastião de tortura
Construído numa das regiões mais agrestes de Cabo Verde, o Campo de Concentração do Tarrafal foi, nas palavras do então preso político cabo-verdiano Pedro Martins, “um sítio planificado, desenhado e construído para fazer sofrer as pessoas”. Para os detidos que por aí passaram, o local ficará para sempre nas suas memórias como o “Campo da Morte Lenta" devido ao regime a que eram submetidos.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Colónia para desterrados
Situada no concelho do Tarrafal, na ilha cabo-verdiana de Santiago, começou por chamar-se Colónia Penal. Entre 1936 e 1954 recebeu presos políticos portugueses desterrados pelo Governo do Estado Novo. Reabriu em 1961 para aí serem internados militantes anti-regime das colónias portuguesas de Angola, Cabo Verde e Guiné.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Inspirado nos campos nazis
O modo de funcionamento do Tarrafal e a forma como eram tratados os presos eram semelhantes aos de outros campos de concentração existentes no mundo. Castigos, tortura, trabalhos forçados, má alimentação e falta de assistência médica faziam parte do dia-a-dia dos detidos. A maior parte das detenções era feita de forma arbitrária.
Foto: DW/Madalena Sampaio
“Não estou aqui para curar”
Doenças como o paludismo e a biliose ceifaram muitas vidas no Tarrafal. O pequeno posto de socorro aí existente, dividido em duas salas, também servia de casa mortuária. “Não estou aqui para curar, mas para passar certidões de óbito”, afirmava Esmeraldo Pais Prata, o médico do campo que tinha a alcunha de “Tralheira”. Gostava de assistir aos espancamentos e a dor dos presos deixava-o indiferente.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Ala dos presos cabo-verdianos
Os primeiros presos políticos de Cabo Verde foram internados no Tarrafal em 1968. O espaço onde estavam detidos era de tal modo exíguo que se tinham de acomodar "como sardinhas enlatadas”, recorda Pedro Martins, que foi detido quando tinha apenas 19 anos. Ao fundo da sala ficava a casa-de-banho, onde através de um transístor clandestino escutavam várias emissoras. Era a famosa "rádio retrete".
Foto: DW/Madalena Sampaio
Sobreviver à alimentação
Era nesta cozinha que eram preparadas as refeições dos presos. Segundo os detidos, a alimentação era “péssima” e muito pouco diversificada. “Cachupa com uns vestígios de atum era-nos servida diariamente”, descreve Pedro Martins no livro “Testemunho de um Combatente”. Quando se recusavam a comer peixe estragado, “que nem os cães seriam capazes de comer”, o diretor mandava cortar-lhes as refeições.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Quotidiano duro
Nos dias de faxina, os detidos eram obrigados a carregar água em latas suspensas por um fio de arame. E também tinham de carregar a água para lavar as suas roupas para as tinas de betão armado. “Às vezes escasseava a água e tínhamos que a racionar”, lê-se no livro “Testemunho de um Combatente”. Nos meses mais quentes, a temperatura nas celas facilmente ultrapassava os 40 graus.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Testemunhos de sobreviventes
Na antiga cela dos presos políticos angolanos, uma exposição dá a conhecer os rostos de quem sobreviveu ao “Campo da Morte Lenta”. E testemunhos de Angola, Moçambique e Cabo Verde. “A ideia principal era: vim para aqui e não sei se sairei daqui”, lê-se no poster do angolano Vicente Pinto de Andrade, que esteve aqui encarcerado entre 1970 e 1974, juntamente com o seu irmão Justino Pinto de Andrade.
Foto: DW/Madalena Sampaio
A temida "Frigideira"
Também conhecida como “câmara de torturas”, a “Frigideira” era uma caixa rectangular em cimento armado, dividida ao meio, com proporções para conter dois homens. Tinha uma porta em chapa de ferro com cinco pequenos furos na base, em cada divisória, e uma pequena grade de ferro no topo esquerdo. A temperatura aqui podia chegar aos 60 graus, segundo os detidos.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Tortura na “Holandinha”
No lugar da “Frigideira” foi construída outra cela disciplinar, "pouco mais alta que um homem em pé", com uma pequena janela de grades. Segundo os presos, era um “autêntico forno” onde não tinham capacidade de movimentos. A este cubículo de cimento, que ficava dentro de um espaço anexo à cozinha, deu-se o nome de “Holandinha”, numa referência ao país para onde partiam muitos cabo-verdianos.
Foto: DW/M. Sampaio
Comunicação entre presos
A muito custo, os nacionalistas africanos das colónias conseguiam, por vezes, comunicar entre si. Com a ajuda de alguns guardas “infiltrados”, os presos cabo-verdianos enviavam bilhetes aos angolanos que estavam do outro lado do campo, a quem também procuravam aliviar o sofrimento quando estes eram enviados para a “Holandinha”. Tudo feito sob uma “pressão enorme”, recordam hoje os presos.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Estudar atrás das grades
No recinto existia também esta biblioteca, cuja instalação foi autorizada ainda na década de 40. Muitos camponeses aprenderam a ler e a escrever no Tarrafal. Segundo o cabo-verdiano Pedro Martins, quase todos os detidos na sua ala passaram a estudar e organizavam-se até horários de estudo. Os presos com mais instrução chegaram a dar formação política aos restantes companheiros.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Vítimas mortais
A detenção no Tarrafal custou a vida a 36 presos políticos: 32 portugueses, dois angolanos e dois guineenses. Entre as vítimas mortais de origem lusa inclui-se Bento Gonçalves, então secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP). Entretanto, vários outros morreram já depois da sua libertação, em consequência dos maus tratos e das condições de vida no campo de concentração.
Foto: DW/Madalena Sampaio
O dia da libertação
Foi por aqui que saíram os últimos presos do Tarrafal, no dia 1 de maio de 1974, uma semana depois da Revolução dos Cravos em Portugal. “O Tarrafal era uma prisão para o resto da vida. Se não fosse o 25 de Abril iríamos morrer todos lá”, afirmou o angolano Joel Pessoa. Nessa altura, a libertação dos presos políticos era uma das principais exigências da população.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Espaço meio abandonado
O campo do Tarrafal só foi definitivamente extinto em 1975. Acabaria por ser transformado em Museu da Resistência, em 2009. Atualmente, o espaço-símbolo da resistência anticolonialista encontra-se em estado de semi-abandono e sem grandes cuidados. Entretanto, o Governo cabo-verdiano constituiu uma comissão para preparar a candidatura do campo a Património Mundial da UNESCO.