Sistema político na Guiné-Bissau colapsou, afirma analista
António Cascais
17 de março de 2017
Luís Vicente defende o diálogo inter-institucional e com os partidos políticos e sociedade civil. Afirma que Portugal "tem um papel fundamental na solução" para o país e que "só as eleições" não resolvem o problema.
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A Guiné-Bissau continua numa situação de impasse político. E nada indica que os protagonistas do conflito político estejam em condições de procurar um consenso. As posições divergentes do Presidente da República, da Assembleia e dos diferentes partidos com assento parlamentar extremaram-se. As populações, essas, já perderam por completo a sua confiança no sistema político, e tentam sobreviver, apesar da estagnação económica total.
A diáspora, com destaque para a comunidade guineense em Lisboa, a tudo assiste, incrédula e com crescente impaciência. É o caso do guineense Luís Vicente, economista e professor universitário e coordenador do Geba-Summit Lisboa 2017, um Ciclo de Conferências sobre o tema «Estado, administração pública e cidadania» que terminou esta sexta-feira (17.03.).
Em entrevista concedida à DW, o professor Luís Vicente começa por fazer o ponto da situação política em Bissau.
DW África: Visto de longe, acha que assistimos à falência do sistema político na Guiné-Bissau?
Luís Vicente (LV): Acho que sim porque já faliu há algum tempo. O que sempre chamamos a atenção é que temos que reformar e, se for necessário, refundar o próprio Estado, no sentido de encontrar aqui uma base sólida que possa consubstanciar os pilares da democracia que se pretende. Sou um daqueles que defendem que efetivamente a Guiné-Bissau é um Estado de direito, mas a aplicabilidade e a eficácia desse direito é que não se vislumbra porque há sempre polémica entre os órgãos de soberania. Há problemas também junto dos tribunais, havendo aquela tentação de não separar os poderes, e portanto, a questão do equilíbrio também. É preciso que se retome e que se refunde de uma forma muito consistente e sólida. E isso só é possível se houver diálogo inter-institucional e com os partidos políticos e a sociedade civil, onde é também importante ouvir a própria comunidade internacional.
DW África: Nos últimos 18 meses já tiveram lugar muitas tentativas, inclusivamente, foi também ouvida a opinião da comunidade internacional e até houve o Acordo de Conacri. Mas, entretanto, as posições dos intervenientes extremaram-se...
LV: Na verdade, tentou-se resolver o problema do impasse político do país com a assinatura do Acordo de Conacri. Eu tenho muita reserva porque por mais que se tente dizer que este acordo é uma solução melhor neste momento, acaba por criar uma situação difícil e terrível porque ali é que as pessoas intensificaram as suas respetivas posições. São exemplo as últimas declarações do próprio primeiro-ministro que chamou a atenção do mediador da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), dizendo que ele não deveria intervir propriamente nos assuntos da Guiné-Bissau, e que não reconhecia a pessoa do senhor Alpha Condé como alguém indicado para ainda conduzir este Acordo de Conacri. As posições extremaram-se de tal forma que confesso que o país se encontra numa situação terrível e não sei quando estaremos em condições de dar a volta a esta situação.
17.03.2017 Guiné-Bissau (novo) - MP3-Mono
DW África: Se a CEDEAO se mostrar incapaz, Portugal deveria assumir um papel mais preponderante neste processo?
LV: Portugal, quer queira, quer não, tem um papel fundamental na solução e é preciso que seja feito alguma coisa.
DW África: Acha que o atual Presidente, a Assembleia Nacional Popular (ANP), os deputados e os partidos estão em condições de resolver a crise ou seria necessária a realização de novas eleições presidenciais e legislativas?
LV: Só as eleições não irão resolver o problema na Guiné-Bissau. Temos que começar a pensar na possibilidade das Nações Unidas intervirem junto do poder político no país, ou seja, chamar a atenção para aquilo que é a administração das suas operações em termos de administração pública. E chamar depois a Assembleia Nacional Popular e os seus respetivos deputados para se pensar e discutir a reforma da Constituição da República e começar a preparar o país para as eleições autárquicas que é o poder de proximidade das populações.
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Foto: DW/B. Darame
Luís de Almeida Cabral (1973-1980)
Luís de Almeida Cabral foi um dos fundadores do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e também o primeiro Presidente da Guiné-Bissau - em 1973/4. Luís Cabral ocupou o cargo até 1980, data em que foi deposto por um golpe de Estado militar. O antigo contabilista faleceu, em 2009, vítima de doença prolongada.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-T0111-320/Glaunsinger
João Bernardo Vieira (1980/1994/2005)
Mais conhecido por “Nino” Vieira, este é o político que mais anos soma no poder da Guiné-Bissau. Filiado no PAIGC desde os 21 anos, João Bernardo Vieira tornou-se primeiro-ministro em 1978, tendo sido com este cargo que derrubou, através de um golpe de Estado, em 1980, o governo de Cabral. "Nino" ganhou as eleições no país em 1994 e, posteriormente, em 2005. Foi assassinado quatro anos mais tarde.
Foto: picture-alliance/dpa/L. I. Relvas
Carmen Pereira (1984)
Em 1984, altura em que ocupava a presidência da Assembleia Nacional Popular, Carmen Pereira assumiu o "comando" da Guiné-Bissau, no entanto, apenas por três dias. Carmen Pereira, que foi a primeira e única mulher na presidência deste país, foi ainda ministra de Estado para os Assuntos Sociais (1990/1) e Vice-Primeira-Ministra da Guiné-Bissau até 1992. Faleceu em junho de 2016.
Foto: casacomum.org/Arquivo Amílcar Cabral
Ansumane Mané (1999)
Nascido na Gâmbia, Ansumane Mané foi quem iniciou o levantamento militar que viria a resultar, em maio de 1999, na demissão de João Bernardo Vieira como Presidente da República. Ansumane Mané foi assassinado um ano depois.
Foto: picture-alliance/dpa
Kumba Ialá (2000)
Kumba Ialá chega, em 2000, à presidência da Guiné-Bissau depois de nas eleições de 1994 ter sido derrotado por João Bernardo Vieira. O fundador do Partido para a Renovação Social (PRS) tomou posse a 17 de fevereiro, no entanto, também não conseguiu levar o seu mandato até ao fim, tendo sido levado a cabo no país, a 14 de setembro de 2003, mais um golpe militar. Faleceu em 2014.
Foto: AP
Veríssimo Seabra (2003)
O responsável pela queda do governo de Kumba Ialá foi o general Veríssimo Correia Seabra, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Filiado no PAIGC desde os 16 anos, Correia Seabra acusou Ialá de abuso de poder, prisões arbitrárias e fraude eleitoral no período de recenseamento. O general Veríssimo Correia Seabra viria a ser assassinado em outubro de 2004.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Bordalo
Henrique Rosa (2003)
Seguiu-se o governo civil provisório comandado por Henrique Rosa que vigorou de 28 de setembro de 2003 até 1 de outubro de 2005. O empresário, nascido em 1946, conduziu o país até às eleições presidenciais de 2005 que deram, mais uma vez, a vitória a “Nino” Vieira. O guineense faleceu, em 2013, aos 66 anos, no Hospital de São João, no Porto.
Foto: AP
Raimundo Pereira (2009/2012)
A 2 de março de 2009, dia da morte de Nino Vieira, o exército declarou Raimundo Pereira como Presidente da Assembleia Nacional do Povo da Guiné-Bissau. Raimundo Pereira viria a assumir de novo a presidência interina da Guiné-Bissau, a 9 de janeiro de 2012, aquando da morte de Malam Bacai Sanhá.
Foto: AP
Malam Bacai Sanhá (1999/2009)
Em julho de 2009, Bacai Sanhá foi eleito presidente da Guiné Bissau pelo PAIGC. No entanto, a saúde viria a passar-lhe uma rasteira, tendo falecido, em Paris, no inicio do ano de 2012. Depois de dirigir a Assembleia Nacional de 1994 a 1998, Bacai Sanhá ocupou também o cargo de Presidente interino do seu país de maio de 1999 a fevereiro de 2000.
Foto: dapd
Manuel Serifo Nhamadjo (2012)
Militante do PAIGC desde 1975, Serifo Nhamadjo assumiu o cargo de Presidente de transição a 11 de maio de 2012, depois do golpe de Estado levado a cabo a 12 de abril de 2012. Este período de transição terminou com as eleições de 2014, que foram vencidas por José Mário Vaz. A posse de “Jomav” como Presidente marcou o regresso do país à ordem constitucional no dia 26 de junho de 2014.