Relatório Anual UE sobre Direitos Humanos e Democracia
18 de outubro de 2017A União Europeia (UE) divulgou esta quarta-feira (18.10.) o relatório anual sobre o respeito pelos Direitos Humanos a nível mundial em 2016.
"A situação geral dos direitos humanos deteriorou-se em Moçambique", sobretudo devido "à tensão política e militar entre o governo e a RENAMO", principal partido da oposição, refere-se no documento.
"Os assassinatos não resolvidos, a repressão política e a intimidação visando os oponentes do governo continuaram, enquanto nas áreas afetadas pelo conflito os moçambicanos continuaram a fugir para os países vizinhos para evitar a violência", acrescenta.
Desafios importantes
Segundo a UE, a paz e a consolidação da democracia "continuam a ser um desafio importante para o futuro". Além disso, o fortalecimento da justiça e o respeito pelos direitos fundamentais são áreas onde se "exigem novos progressos".
"A este respeito, apesar de alguns progressos alcançados, as questões de gênero, incluindo a igualdade de direitos, continuam a ser dignas de atenção especial", aponta o relatório.Durante o ano de 2016, o Instrumento Europeu para a Democracia e os Direitos Humanos (IEDDH) foi ativado "em quatro ou cinco casos individuais para cobrir despesas legais e médicas" em Moçambique.
Houve ainda dois projetos financiados pela UE a receber apoio para cobrir perdas após um assalto e atos de intimidação.
A democratização foi apoiada através de onze projetos centrados na educação cívica e no planeamento participativo e arrancaram ainda três projetos do IEDDH para promover o acesso à informação.
Angola: Entre críticas e progressos à independência dos tribunais
A União Europeia reconhece progressos na independência dos tribunais em Angola no seu relatório sobre a situação dos Direitos Humanos em 2016, mas critica a continuação do uso "injustificado" da polícia e dos militares.
De acordo com as conclusões do documento, a situação em Angola "caracterizou-se pelo encolhimento do espaço político" em 2016, face às eleições gerais então agendadas, realizadas já em agosto deste ano.
Por outro lado, e citando a libertação, por decisão dos tribunais, de vários ativistas detidos, nomeadamente o caso do mediático processo dos "15+2", condenados em primeira instância pelo tribunal de Luanda, o relatório admite melhorias na independência do sistema judiciário angolano, face aos anos anteriores.Contudo, as "mortes recentes", como o caso de um rapaz de 14 anos abatido a tiro por um militar em agosto de 2016, durante a demolição de casas construídas ilegalmente nas proximidades do novo aeroporto de Luanda, "são um exemplo do recorrente e injustificado excesso do uso da força policial e militar" em Angola.
O relatório anual "Human Rights and Democracy in the world", relativo a 2016, aponta que as preocupações da União Europeia em Angola continuam a centrar-se na "implementação integral da Constituição", em particular no que diz respeito à independência do poder judicial, à liberdade de expressão, de associação e reunião pacífica, e sobre as detenções arbitrárias.
Comunicação social
O novo pacote para a comunicação social, aprovado no parlamento no final de 2016, é classificado no relatório como uma forma de "restringir ainda mais" a liberdade de imprensa no país, podendo constituir-se como "censura" e "limitação das liberdades fundamentais". Além disso, ao manter crimes de difamação com referências, neste novo pacote legislativo, a "fontes fraudulentas" e à "produção ilícita de informações", é colocado em causa o desenvolvimento do jornalismo de investigação em Angola.
A UE sublinha que continua a apoiar, financeiramente, vários projetos relacionados com os direitos humanos e a boa governanção em Angola, além do contacto regular com as Organizações Não Governamentais (ONG) que atuam no país, bem como com a sociedade civil e com o Governo. Nesta matéria, o relatório refere que as ONG estão a enfrentar dificuldades para cumprirem os requisitos de registo da nova legislação aprovada em 2015 pelo Governo, o que está a provocar o corte de financiamento internacional a estas operações em Angola, "limitando ainda mais a capacidade de atuação". Esta legislação foi, contudo, declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional de Angola já em julho deste ano.
No relatório da UE é ainda apontado que a queda do preço do petróleo, que representa cerca de 95% das exportações angolanas, tem representado um "impacto significativo" nas camadas "mais vulneráveis da população", levando ainda à "diminuição considerável" da capacidade de intervenção do Governo.
A gestão e acesso à terra, para construção e desenvolvimento da agricultura, motivam igualmente preocupação, com o relatório da UE a defender uma apertada monitorização. Nomeadamente pela ameaça que, em alguns casos, representa para as comunidades tradicionais que vivem da terra ou para quem construiu casa, ilegalmente, nos arredores dos grandes centros urbanos ao longo dos anos.
Crise política e os direitos humanos na Guiné-Bissau
A Guiné-Bissau não registou importantes violações aos direitos humanos em 2016, mas viu agravada a crise política iniciada em agosto de 2015, que tem enfraquecido as instituições do Estado, sobretudo na aplicação da lei, indica o relatório da UE. No documento é indicado que o respeito pelos princípios democráticos tem sido testado, permitindo que os constrangimentos financeiros continuem a impedir a defesa e promoção dos direitos humanos.
Por isso, defende-se no relatório, são necessárias reformas que defendiam e promovam "áreas cruciais" como a defesa, justiça, segurança direitos humanos, "que têm sido adiados".
O papel dos "28" em Bissau tem sido prioritariamente desenvolvido na promoção da democracia e respeito pelo estado de direito, o que inclui um melhor acesso à justiça, proteção dos direitos dos detidos e apoios à liberdade de informação e à sociedade civil, bem como a promoção dos direitos das crianças e das mulheres, nomeadamente à violência, tráfico, abusos e exploração sexual.
"A instabilidade política e as sucessivas alterações de governo desde agosto de 2015 resultaram num impasse institucional, em especial na Assembleia Nacional, mas existem ainda outros constrangimentos sérios à gestão do país", escreve a UE, realçando a confrontação política, a paralisia institucional, o aumento da deterioração socioeconómica e dos riscos de instabilidade.
Segundo o documento, a corrupção e a impunidade "continuam preocupantes" e a criação de uma comissão internacional de inquérito, tal como foi recomendado em julho de 2013, está ainda parada, ao mesmo tempo que não se registam quaisquer progressos na implementação dos mecanismos transitórios da justiça ou na vontade de se realizar uma conferência nacional de reconciliação.
Tentativas de controlo dos media
Ponto "positivo", segundo os "28", é o facto de a liberdade de imprensa não ter sido desafiada, embora tenham ocorrido recentemente algumas tentativas de controlar os "media" da oposição por parte de várias instituições governamentais, prontamente denunciadas a abortadas devidos aos esforços da sociedade civil, políticos e organizações de direitos humanos.
Em 2016, a UE, lê-se no documento, prestou "atenção particular" ao processo político, tendo promovido o diálogo entre as autoridades guineenses e os parceiros regionais e internacionais, manifestando-se, porém, "preocupada" com a falta de progressos.
"Devido à intensidade da crise política, tornou-se preocupante a situação de defensores específicos dos direitos humanos, sobretudo 'bloggers' cujos artigos agressivos podem ser facilmente confundidos com ataques ao presidente (guineense, José Mário Vaz), mas até agora nada foi feitio", lê-se no relatório.A aposta de Bruxelas na defesa e promoção dos direitos humanos e da democracia tem-se também centrado em dezenas de projetos, dez deles focados nos direitos dos mais vulneráveis - sobretudo idosos, mulheres, crianças -, ligados em particular à mutilação genital feminina e a deficientes.
A Guiné-Bissau aprovou várias convenções internacionais sobre direitos humanos, mas não algumas das mais importantes, como as ligadas aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (ICESCR), Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes (CAT), Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das suas Famílias (ICRMW), Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD) e Direitos Civis e Políticos (ICCPR, entre eles o protocolo que visa a eliminação da pena de morte), salienta a UE.
A luta política tem, por isso, prejudicado as ratificações, pelo quer se torna necessário, defendem os "28", a estabilização do país, para que se possa avançar com as reformas essenciais nas áreas da governação, justiça, defesa, segurança, com o apoio dos doadores internacionais.
Por fim, a UE recomenda a criação de uma estrutura institucional para a defesa e promoção dos direitos humanos.
Cabo Verde continua a respeitar os direitos humanos
O respeito dos direitos humanos em Cabo Verde continuou, em 2016, a ser "positivo", mas persistem os relatos, referenciados sistematicamente no passado, de violência contra prisioneiros, atrasos na justiça, tráfico de pessoas e turismo sexual. No relatório da UE são referenciados outros abusos, como a exploração sexual de crianças, associado normalmente ao turismo, trabalho infantil e violência baseada no género.Estas violações, refere a UE, contrastam com o facto de Cabo Verde continuar a demonstrar-se como um "caso raro" de estabilidade democrática pluralista em África, facto novamente confirmado com a realização de três eleições - presidenciais, legislativas e autárquicas - em 2016, todas "livres, justas e pacíficas", com significativas alterações políticas.
O respeito pelos direitos humanos em Cabo Verde, segundo os "28", deve-se sobretudo a instituições políticas "sólidas", a uma imprensa e um sistema judiciário "independente" e, sobretudo, a um sistema político democrático "que garante o respeito das liberdades fundamentais".
Consolidação da democracia
Em 2016, lê-se no documento, a UE continuou empenhada no diálogo regular com as autoridades cabo-verdianas na consolidação da democracia e dos direitos humanos, tendo como pano de fundo o facto de Cabo Verde ter uma parceria especial com os "28".
As prioridades estendem-se aos direitos das mulheres e das crianças, à situação dos migrantes, ao combate à violência doméstica, à melhoria do sistema judicial, ao combate à corrupção e à promoção da boa governação, refere-se no documento, em que é destacado que Cabo Verde ratificou e implementou no arquipélago 27 convenções internacionais sobre direitos humanos, direitos laborais e proteção ambiental.
A aprovação de todos estes tratados e convenções, adverte a UE, não implica necessariamente que todos estejam a ser bem aplicados no terreno, o que os "28" justificam "largamente" com a "fraca capacidade" da pequena administração do país. Como exemplo, a UE dá um caso ocorrido em dezembro de 2016, quando o Comité sobre Tortura das Nações Unidas acabou por rever a situação de Cabo Verde, criticando a ausência de relatórios sobre a questão.Por outro lado, e apesar de "alguns avanços" em anos recentes, a violência baseada no género e a discriminação social e económica contra as mulheres "continua enraizada", sobretudo nas zonas rurais, onde são necessários "mais progressos".
Por fim, a União Europeia recomenda que o Governo cabo-verdiano deve ter também como prioridade garantir a independência do atual Comité Nacional para os Direitos Humanos e Cidadania, criado em 2004 pelo Estado.
UE satisfeita com direitos humanos em São Tomé e Príncipe
A situação dos direitos humanos, políticos e civis em São Tomé e Príncipe registou, globalmente, uma avaliação positiva em 2016, embora persistam preocupações ligadas à discriminação da mulher, trabalho infantil, abusos sexuais e corrupção.
No Relatório Anual da União Europeia, é indicado que nas eleições presidenciais do ano passado, apesar de alguma polémica e confusão durante o processo eleitoral, houve uma transição pacífica, levando a que um mesmo partido, a Ação Democrática Independente (ADI), domine a Presidência e o Parlamento.
No documento, a UE lembra que permanecem as preocupações manifestadas nos últimos relatórios, nomeadamente a discriminação baseada no género, violência doméstica, direitos das crianças, acesso à justiça, dificuldades também no acesso aos serviços sociais e ainda a corrupção.
As prioridades dos "28" em São Tomé e Príncipe têm-se centrado nos direitos económicos, sociais e culturais, acesso a água potável, direitos das crianças e das mulheres e igualdade de género, a par de apelos à ratificação dos tratados internacionais ligados a estas temáticas e à criação e implementação de legislação.
Segundo o relatório, São Tomé e Príncipe avançou, em fins de 2016, com medidas importantes para a ratificação de cinco convenções chave das Nações Unidas - Direitos Económicos, Sociais e Culturais (ICESCR), Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes (CAT), Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das suas Famílias (ICRMW), Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD) e Direitos Civis e Políticos (ICCPR, entre eles o protocolo que visa a eliminação da pena de morte).
Política nacional de proteção à criança
A Lei da Família está em revisão, tendo como pano de fundo ligar os direitos das mulheres à luta contra a pobreza, estando também em curso o plano ligado à política nacional de proteção da criança.
Segundo o documento, há "progressos tangíveis" no combate à malária, comprovado na redução da taxa de mortalidade, sobretudo em crianças, embora a rutura das relações diplomáticas com Taiwan, em prol da China, possa pôr em perigo a atividade do Fundo Global contra a SIDA, tuberculose e malária.A UE insiste, no documento, na necessidade de as questões dos direitos humanos e da democratização no diálogo político, tendo também em consideração a importância de o arquipélago ratificar o Estatuto de Roma, bem como transpor e aplicar os tratados e convenções já aprovados para a legislação são-tomense.
A União Europeia lembra que tem continuado os contactos com organizações da sociedade civil e de defesa dos direitos humanos, que tem permitido ajudar a combater as disparidades existentes em São Tomé e Príncipe a todos os níveis. "Uma prioridade importante é um maior progresso na proteção dos direitos humanos, das mulheres e das crianças, devendo ser implementado no plano nacional contra o trabalho infantil e criado o Comité Nacional dos Direitos das Crianças, a par de um agravamento das punições no Código Penal em casos de abuso sexual de jovens", defendem os "28".
A UE defende ainda mais esforços de combate à corrupção e a melhoria das condições nas prisões, bem como maior acesso à justiça, lembrando que a ratificação do Estatuto de Roma constituiria um "sério sinal" no combate à impunidade.