Moçambique: Sociedade civil alerta para repressão crescente
19 de fevereiro de 2021
Organizações da sociedade civil em Moçambique condenam a saída do bispo de Pemba, Luiz Fernando Lisboa, e consideram que o país corre o risco de se tornar um Estado fascista.
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Em comunicado, cerca de 20 organizações citam o caso do ex-bispo de Pemba, Dom Luiz Fernando Lisboa, recém transferido para o Brasil, para ilustrar atos de intimidações de que os jornalistas, investigadores, ativistas e defensores de direitos humanos são alvo em Cabo Delgado, por parte de figuras "próximas ao Governo central" de Moçambique.
Em entrevista à DW África, João Feijó, sociólogo e coordenador da publicação "Como está Cabo Delgado", do Observatório do Meio Rural, diz que o bispo Dom Luiz Lisboa era um construtor de pontes para garantir a paz e promoção do diálogo inter-religioso. E defende que o bispo saiu de Pemba devido à pressão e perseguição política de que foi alvo, só por ser a voz dos mais desfavorecidos.
DW África: Na vossa opinião, a saída do bispo a sua transferência tem a ver com a pressão ou perseguição de que ele foi alvo nos últimos tempos?
João Feijó (JF): Ele sempre foi uma voz que questionou a situação e a injustiça social. Sempre defendeu os mais desfavorecidos. E à medida que aumentava a tensão social, à medida que começaram os ataques terroristas, tornava-se um pouco politicamente incómodo referir os problemas sociais que existiam. Então, infelizmente, da parte de alguns setores próximos do poder central, houve uma estratégia não de procurar ver o que é que a mensagem tinha de construtivo, mas de ver a mensagem como um ataque pessoal ao Governo. Depois seguiu-se toda aquela campanha de difamação muito pessoalizada contra o bispo com acusações sem grande credibilidade, mas que acabaram por o isolar a nível da província. Porque ele estava a fazer um grande trabalho em chamar a atenção para o problema de Cabo Delgado a nível nacional, e mesmo a nível de angariação de fundos para apoio monetário à população de deslocados.
Moçambique: Sociedade civil alerta para repressão crescente
DW África: Isso foi uma estratégia de alguns setores também para matar o seu caráter?
JF: Sim, para descredibilizar. Em vez de se atender à mensagem para ver o que é que aquilo tem de útil para a resolução do conflito, concentraram-se no ataque ao seu carácter.
DW África: No comunicado que hoje fizeram circular dizem que o Estado ficou em silêncio face aos ataques ao bispo. A que se deveu este silêncio?
JF: Houve um período muito conturbado, em que de facto houve esses ataques. Isso era útil para que o Governo intimidasse o bispo e para o levar a deixar atitudes que pudessem ser politicamente embaraçosas.
DW África: Alertam para o risco de se estar a caminhar para um Estado fascista em Moçambique. Porquê?
JF: Faz lembrar um pouco a postura do bispo Dom Manuel Vieira Pinto, o antigo bispo de Nampula [perseguido pela polícia secreta portuguesa PIDE]. O que fizeram com ele foi muito parecido. Ele também acabou por ser expulso de Moçambique depois de ter havido um assassínio do seu caráter. Neste sentido, há alguma preocupação por parte de várias organizações da sociedade civil, algumas no terreno, e inclusivamente de jornalistas, que sentem o seu trabalho bastante condicionado.
DW África: Mas na prática, a saída do bispo mudaria as atuações da Igreja Católica ou dessas organizações que estão no terreno?
JF: Podem mudar as pessoas, mas o problema continua ali. As estruturas sociais e o problema de integração económica continuam ali. Portanto, a próxima pessoa que vier vai continuar a tratar desse problema e vai ter que continuar a colocar o dedo na ferida. É desagradável, mas nós temos que enfrentar. Não podemos fazer disse um tabu. É um problema nacional, no qual todos nós temos que nos envolver.
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?