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PolíticaEtiópia

Sociedade civil da Etiópia prepara-se para as legislativas

Maria Gerth-Niculescu
18 de junho de 2021

Na Etiópia, a sociedade civil é fundamental para assegurar que o processo eleitoral atinja os lugares mais remotos. Mas há obstáculos num país ainda moldado por anos de democracia débil. Legislativas são em 21 de junho.

Foto: Balderas/NAMA

No dia 30 de maio, milhares de pessoas reuniram-se em Addis Abeba para protestar contra a interferência dos EUA nos assuntos internos da Etiópia. Na realidade, a manifestação foi, no mínimo, promovida pelo Partido da Prosperidade (PP), no poder. Alguns analistas encararam-na como um comício de campanha e não como uma iniciativa espontânea dos cidadãos. Muitos protestos na Etiópia descritos como sendo puramente de iniciativa cidadã têm de ser considerados com cautela.

Embora surjam tímidas iniciativas da sociedade civil, movimentos e estruturas verdadeiramente independentes de cidadãos ainda não se estabeleceram no contexto político etíope.

O trabalho da maioria das ONG na Etiópia está principalmente ligado à ajuda humanitária e à cooperação internacional. "Em termos de promoção de processos de democratização, em termos eleitorais, [a sociedade civil etíope] tem um papel limitado", afirma Ambachew Derese, especialista em organizações políticas e da sociedade civil no Centro Europeu de Apoio Eleitoral.

"Em 2005, surgiram organizações da sociedade civil muito boas, mas no rescaldo dessas eleições, o espaço para [o crescimento da] sociedade civil foi limitado por instrumentos legais, pelo que não tiveram essa oportunidade de crescer", disse Ambachew à DW. Mas, segundo Derese, a sociedade civil fez progressos ao longo dos últimos três anos.

Grupos da sociedade civil querem prevenir atos de violência relacionados com as eleiçõesFoto: Addis Standerd

Fortalecer a sociedade civil

No coração de Jimma, cidade situada no sul da Etiópia, as mulheres participam numa sessão liderada por representantes da União Europeia (UE) com o objetivo de ajudar a sociedade civil a prevenir a violência eleitoral. Divididos em pequenos grupos, os participantes aprovaram cenários eleitorais, pensaram em possíveis razões para surtos de violência, e trocaram conselhos de boas práticas. O país assistiu a episódios de conflitos locais, muitas vezes interétnicos, em várias regiões.

"A sociedade civil pode desempenhar um grande papel em termos de prevenção, gestão e mitigação da violência eleitoral. É por isso que precisamos dessa liderança. Essa liderança ajuda-os a desempenhar um papel ativo no processo de negociação, na reunião de diferentes partes para a construção da paz, e a ter um papel de mediação", explica o especialista do Centro Europeu de Apoio Eleitoral.

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Espera-se que os 36 milhões de eleitores registados na Etiópia votem no  próximo dia 21 de junho.

Nos últimos meses, Ambachew e a sua equipa têm viajado pelo país para formar organizações juvenis, líderes tradicionais e religiosos, forças policiais, e associações de mulheres.

"Nestes papéis da sociedade civil podem ver-se organizações de mulheres. As mulheres têm um papel muito importante na prevenção de conflitos porque são elas que sofrem as consequências do conflito, pelo que estamos a tentar dar-lhes poder", diz.

O papel das autoridades locais

A legitimidade moral da autoridade local, as estruturas tradicionais e a subsequente influência na sociedade são amplamente conhecidas na Etiópia. Os anciãos ou líderes de clã - dependendo da área - são respeitados por uma população que ainda segue hierarquias que datam de séculos atrás.

Os líderes religiosos têm um papel semelhante. "A religião é o centro das nossas vidas. Mesmo as nossas culturas e tradições são baseadas na religião", disse Abuna Aregawi, arcebispo da Igreja Ortodoxa Etíope de Tewolde. "Portanto, [o povo] aceitou os nossos pais religiosos, líderes religiosos, académicos, etc., [que] tentam falar com diferentes sociedades sobre as questões atuais", disse Abuna a DW.

Por um lado, isto representa um potencial considerável em termos de resolução de conflitos. Mas, por outro lado, uma oportunidade para os atores políticos exercerem indiretamente uma influência significativa sobre a sociedade.

O governo etíope está ciente disto e tem penetrado amplamente nestas redes. Sob o anterior regime EPRDF, o partido no poder já controlava a maioria das estruturas locais. Estava profundamente enraizado em todos os níveis da sociedade, minando largamente a ideia de uma separação entre a esfera política e a sociedade civil.

O atual partido governante Prosperity Party (PP) também está a beneficiar dos resquícios deste sistema - exercendo influência sobre a maioria dos anciãos e associações de jovens das aldeias. "Há uma forte interpenetração entre a esfera política e aquilo a que poderíamos chamar sociedade civil, o que a torna realmente complicada", disse à DW um investigador que trabalha no sul da Etiópia e que prefere manter o anonimato.

O líder tradicional Abdo está confiante na vitória de Abiy Ahmed Foto: Maria Gerth-Niculescu/DW

Neutralidade em questão

A interpenetração resultou na politização indireta de figuras de liderança tradicionais e de uma sociedade civil fraca. Estes líderes adoptaram a mesma linguagem que o governo em todo o país, assegurando aos cidadãos "eleições livres e justas".

A admissão de tal interpenetração é rara. "Não temos qualquer abordagem com os partidos porque somos neutros". Os pais religiosos estão apenas a concentrar-se na paz. A paz é o centro de todos", salientou Abuna.

Abdo Hadji, um líder tradicional e ex-professor de Agaro, uma cidade a norte de Jimma, também insistiu na sua independência. "Os anciãos informam-se mutuamente sobre as situações. E se houver algum conflito, eles tentam encontrar uma solução pacífica. Eu algumas pessoas podem discordar uma das outras, não apoiam uma visão política.  Podem eleger quem quiserem, esta eleição deve ser uma eleição livre e justa. Sem perturbar os direitos das outras pessoas. Não estamos do lado do Partido da Prosperidade."

As relações cordiais entre os líderes tradicionais e políticos são muitas vezes fruto do benefício mútuo. "Os líderes tradicionais não estão filiados no partido no poder, mas gostam de ser respeitados pelo partido no poder", disse Askaletch Demise, da direção de mulheres, crianças e jovens da Universidade Jimma, à DW.

A sociedade civil não tradicional também está a lutar para criar uma cultura de movimentos de base. Entidades, tais como grupos de jovens e de mulheres, existem geralmente sob o Ministério da Mulher, da Criança e da Juventude. São filiadas em estruturas universitárias e, portanto, lideradas por funcionários do Governo, geralmente membros do partido no poder, tais como Askaletch.

"Eles estão a promover o partido no poder por causa da paz do povo. O povo religioso ajuda o governo a manter o país em paz", disse Askaletch.

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