Sociedade civil diz basta à impunidade em Moçambique
Leonel Matias (Maputo)
3 de abril de 2018
Organizações da sociedade civil entregam petição no Parlamento moçambicano contra atentados à liberdade de expressão. Polícia diz que "não está a medir esforços" na investigação ao rapto do jornalista Ericino de Salema.
Publicidade
Cerca de uma semana após o rapto do jurista e comentador político Ericino de Salema, organizações da sociedade civil entregaram esta terça-feira (03.04) uma petição à presidente do Parlamento, Verónica Macamo, a exigir a intervenção da Assembleia da República e das instituições do Estado para pôr fim ao clima de intimidação da população e da liberdade de expressão.
"Como representantes do povo, achamos que este era um ponto de entrada para chegar a todas estas instituições, para dizer um basta, chega de intimidação e de agressões que em alguns casos resultaram em morte", explicou Zélia Menete, porta-voz do grupo das organizações da sociedade civil.
As organizações da sociedade civil lamentam que nenhum dos casos de cidadãos raptados e assassinados por exprimirem as suas opiniões tenha resultado numa responsabilização de forma clara e visível dos seus autores ou mandantes.
Polícia "não mede esforços"
O porta-voz do Comando Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Inácio Dina, disse esta terça-feira (03.04), em conferência de imprensa, que prosseguem as investigações em torno do rapto do comentador Ericino de Salema, ocorrido na semana passada na cidade de Maputo. "A Polícia não está a medir esforços, estamos empenhados de forma incondicional para podermos identificar e deter os que estiveram na origem do cometimento do referido crime", declarou.
Sociedade civil diz basta à impunidade em Moçambique
Os jornalistas perguntaram a Inácio Dina porque é que pessoas próximas a Ericino de Salema ainda não foram ouvidas no processo de investigação. "Estamos abertos para receber qualquer informação e qualquer elemento. Neste preciso instante, estamos a valorizar tudo quanto possa nos indicar a identificação e detenção dos autores", respondeu o porta-voz.
Confrontado com o facto de que a polícia ainda não esclareceu nenhum caso similiar no passado, nomeadamente aquele que teve como vitima o analista político José Macuane, raptado e torturado por homens desconhecidos, além do professor Gilles Cistac, alvejado mortalmente a tiro, Inácio Dina afirmou que as investigações prosseguem e em momento oportuno "serão apresentados elementos que poderão configurar aquilo que é o esclarecimento".
Moçambicanos detidos na RDC?
Durante a conferência de imprensa, a DW África quis saber se o porta-voz do Comando Geral da PRM confirmava informações postas a circular indicando que um grupo de moçambicanos teria sido detido numa alegada base na República Democrática do Congo (RDC), onde estaria a receber treino militar para participar em ataques armados em Mocímboa da Praia, região de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, que tem sido alvo de ataques de homens armados desde outubro último.
Inácio Dina não confirmou nem desmentiu as informações, mas indicou que foram feitas já várias detenções relacionadas com os ataques em Mocímboa da Praia. "Mais de 300 pessoas foram detidas", sublinhou o porta-voz, assegurando que as detenções continuam a decorrer.
"Essas pessoas estão a ser detidas umas no território nacional e fora do território nacional, mas há indícios e provas claras da sua participação. Algumas testemunhas afirmam ter participado e ter fugido para alguns pontos umas enganadas por terceiros que também continuam a ser procurados", informou.
Inácio Dina acrescentou que a vida tende a voltar à normalidade em Mocímboa da Praia. "O nível de redução do índice de insegurança é satisfatório, porque as pessoas já estão a frequentar as aulas e a retomar as suas actividades. E a prossecução do trabalho de prevenção para que incidentes iguais não ocorram está a decorrer no terreno", concluiu.
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.