Satisfação pela nulidade dos empréstimos da Proíndicus e MAM
Leonel Matias (Maputo)
13 de maio de 2020
Organizações da sociedade civil prometem fazer pressão para vêr cumprido acórdão do Conselho Constitucional, que considera nulos todos os atos relativos às dívidas ocultas contraidas empresas Proíndicus e MAM.
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Depois de uma decisão similiar tomada em junho de 2019 em relação à empresa Ematum, o Conselho Constitucional acaba de declarar a nulidade dos atos relativos aos empréstimos contraídos pelas restantes duas empresas envolvidas nas dívidas ocultas, a Proíndicus e a Mozambique Asset Management, MAM.
O acórdão declara, igualmente, nulas as garantias soberanas concedidas pelo Governo, com todas as consequências legais, justificando que o Executivo deu o aval a estes empréstimos em violação da lei e sem o conhecimento do Parlamento.
As verbas usadas em nome das duas empresas correspondem a cerca de 60% do total das dívidas ocultas avaliadas em cerca de dois mil milhões de euros. O Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) está satisfeito com a decisão do Conselho Constitucional.
Adriano Nuvunga é o coordenador daquela plataforma da sociedade civil, e que "a democracia moçambicana está em festa, o povo moçambicano está em festa porque se fez justiça.”
Preocupação do FMO
Nuvunga manifestou, no entanto, preocupação, porque apesar das decisões do Conselho Constitucional não estarem sujeitas a recurso.
"No ano passado, em junho, o mesmo Conselho Constitucional anulou a dívida e a garantia da EMATUM, mas permitiu que o Governo fizesse atos de continuar a reestruturar a dívida e fazer pagamentos. Qual é a garantia que temos de que desta vez o Conselho Constitucional vai impôr o cumprimento por parte do Governo?", interroga o coordenador do FMO.
Agora a responsabilização
O acórdão surge em resposta a uma petição apresentada por mais de dois mil cidadãos e subscrita por várias organizações da sociedade civil. Uma das organizações envolvida na campanha foi o Centro de Integridade Pública, CIP.
Edson Cortês é o diretor desta ONG e lembra que "o CIP sempre mostrou que as irregularidades por detrás deste negócio não podiam ser imputadas aos moçambicanos. Hoje, mais do que no passado, ficou claro que há um grupo de pessoas que se beneficiou diretamente da contração dessas dívidas e são essas pessoas que devem ser levadas em sede de tribunal e arcarem com as suas responsabilidades."
FMI recomenda:"Não escondam as dívidas como Moçambique"
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CIP: Monitorar o Governo
E o CIP está em alerta e o seu diretor é categórico: "Acho que o mais importante agora é monitorarmos os passos que o Executivo irá dar, porque temos visto um Executivo que vai em contramão perante as decisões do Conselho Constitucional, invocando que o país tem compromissos com credores internacionais e não pode deixar de assumir esses compromissos sob o risco de ser penalizado nos mercados."
Já Adriano Nuvunga aponta como passos seguintes: "Engajar o Conselho Constitucional para impôr esta decisão, fazer uma pressão para que as pessoas que estão presas ( em ligação com as dividas ocultas ) possam ser julgadas, para serem exemplarmente condenadas, e seu património confiscado para ressarcir as famílias moçambicanas."
FMO: Ministro das Finanças tem de responder à Justiça
E o coordenador do FMO quer ainda que "o [atual] ministro das Finanças [Adriano Maleiane] se faça presente ao juíz porque ele continuou a fazer pagamentos fora da lei, engajar a Assembleia da República para continuar o seu trabalho de fiscalização do endividamento público, engajar o Tribunal Administrativo pelos passos que se impõem."
Nuvunga disse que o Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) mantém a posição segundo a qual, o ministro moçambicano das Finanças na altura da contração das dívidas, Manuel Chang, deve ser extraditado para os Estados Unidos da América, porque para além de permitir um julgamento justo, seria possível obter mais informação relacionada com os fundos desviados .
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)