Sociedade civil contesta extradição de Chang para Maputo
Lusa
23 de agosto de 2021
O Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) vai submeter uma contestação ao Tribunal Superior sul-africano face à decisão de extraditar para Maputo o ex-ministro moçambicano Manuel Chang, detido a pedido dos EUA.
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"O FMO vai interpor uma ação contra esta decisão, que para nós é o triunfo da impunidade", declarou à Lusa Adriano Nuvunga, diretor do Centro Para Democracia e Desenvolvimento (CDD), que dirige atualmente o FMO, plataforma que junta várias organizações da sociedade civil moçambicana.
Em causa está a decisão anunciada pelo Ministério da Justiça sul-africano, de que a África do Sul decidiu extraditar para Moçambique o ex-ministro das Finanças Manuel Chang, detido na África do Sul em 2018 a pedido dos Estados Unidos da América (EUA) no caso das "dívidas ocultas".
Para a organização não-governamental, a extradição de Chang para Moçambique resulta de um "acordo entre as elites moçambicanas e sul-africanas", que se aproveitaram do arranque hoje em Moçambique do julgamento no caso das dívidas ocultas para "legitimar a decisão".
"O julgamento é teatral e foi montado para legitimar esta decisão, que representa a vitória do tráfico ilícito de capitais. Nós vamos contestar porque Manuel Chang em Moçambique não enfrentará realmente a justiça", frisou Adriano Nuvunga.
O documento de contestação será submetido na terça-feira (24.08) ao Tribunal Superior e ao Ministério da Justiça da África do Sul pelo FMO, entidade que tem defendido a extradição de Chang para os EUA desde a sua detenção em território sul-africano.
Detido desde dezembro de 2018
Manuel Chang, 64 anos, foi detido no Aeroporto Internacional O.R. Tambo, em Joanesburgo, em 29 de dezembro de 2018, quando tentava embarcar para o Dubai, à luz de um mandado internacional emitido em 27 de dezembro pela Justiça norte-americana, que pediu a sua extradição no âmbito da sua investigação às dívidas ocultas em Moçambique.
Decisão sobre extradição de Chang "não surpreendeu"
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A Justiça dos EUA acusou Manuel Chang, deputado pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder, de conspiração para fraude eletrónica, conspiração para fraude com valores imobiliários e lavagem de dinheiro.
De acordo com a acusação norte-americana, Manuel Chang avalizou dívidas de mais de dois mil milhões de dólares secretamente contraídas a favor das empresas públicas Ematum, Proíndicus e MAM, ligadas à pesca e segurança marítima em Moçambique.
Manuel Chang foi ministro das Finanças de Moçambique durante o Governo do Presidente Armando Guebuza, entre fevereiro de 2005 e dezembro de 2014.
A prisão de Manuel Chang foi legal ao abrigo do tratado de extradição entre os EUA e a África do Sul, assinado em setembro de 1999, em Washington, segundo o Ministério Público sul-africano.
A África do Sul não tem acordo de extradição com Moçambique, que contestou nos últimos dois anos e oito meses o pedido de extradição norte-americano de Manuel Chang para os EUA, país com o qual Maputo também não tem tratado de extradição.
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Extradição para os EUA
A Justiça sul-africana iniciou em 5 de fevereiro de 2019 a audição sobre a extradição para os EUA do ex-governante moçambicano Manuel Chang. O tribunal de Kempton Park recusou a sua libertação sob fiança em 15 de fevereiro de 2019.
O Governo de Moçambique pediu diretamente ao ex-ministro da Justiça da África do Sul a extradição do ex-ministro das Finanças para o seu país, apelando a Pretória que tenha "a consideração devida" no assunto.
Em 21 de maio, no seu último dia no Governo do ex-presidente Jacob Zuma, o ministro Masutha anunciou a sua decisão de extraditar Chang para Moçambique "no interesse de que a justiça seja feita".
A decisão foi revogada pelo novo ministro, Ronald Lamola, nomeado pelo Presidente, Cyril Ramaphosa, que prometeu fazer do combate à corrupção a principal prioridade do seu executivo ao substituir no cargo Jacob Zuma, afastado pelo Congresso Nacional Africano, o partido no poder na África do Sul desde 1994, devido a vários escândalos de corrupção.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)