Defendendo que no mesmo rio não se deviam construir duas grandes barragens, o especialista angolano David Kisadila afirma que enquanto a distribuição “não obedecer a uma gestão responsável”, os problemas manter-se-ão.
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As falhas na eletricidade são um problema antigo em Angola. A situação agravou-se quando a Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE) começou a fazer restrições na distribuição, aquando do enchimento da albufeira de Laúca. Uma das cidades mais afetadas pelos cortes da distribuição é a capital, Luanda.
A DW África entrevistou o especialista em Políticas Públicas, David Kisadila. Segundo o responsável, todo o país sofre com os cortes de energia.
DW África: As restrições na distribuição de eletricidade só estão a acontecer na capital ou em todo o país?
David Kisadila (DK): A situação é generalizada em todo o país, portanto, não é nova. E já acontece há várias décadas. A primeira explicação era o fator de guerra. A guerra terminou há mais de quinze anos. A razão agora é Laúca. Vamos esperar, uma vez que estamos em ano de eleições - porque tudo agora se está a fazer à pressa com objetivos eleitorais, para obter eleitorado. Mas enquanto (a distribuição) não obedecer a uma gestão descentralizada, responsável e bem planificada, nós estaremos a viver os mesmos problemas.
DW África: O que está a causar essa falta ainda mais constante de eletricidade em Angola?
DK: A barragem de Laúca está a ser construída no rio Kwanza. No rio Kwanza, temos umas outra barragem que é a de Capanda. Imagine, no mesmo rio termos, duas grandes barragens. Isto faz com que automaticamente a mesma água seja absorvida para duas barragens. Quando fecha a barragem de Laúca para a albufeira, automaticamente este período de compensação vai reduzir o nível do caudal que possa de facto garantir uma produção efetiva daquilo que é a capacidade instalada.
DW África: Esta é uma boa forma de resolver o problema?
DK: Não deixa de ser uma solução do problema, mas Laúca foi um investimento de muito dinheiro. Se pudéssemos potenciar outros grandes rios para poder abastecer de forma mais global o país seria o ideal. Eu sou daqueles que defendem que no mesmo rio não se deveria construir duas grandes barragens, devido aos imprevistos de ordem climatérica que poderão ocorrer e que podem criar falhas ao mesmo tempo em duas grandes barragens e cujos prejuízos poderão ser maiores.
DW África: Qual seria, na sua opinião, a solução mais recomendada?
DK: Melhorar o sistema de distribuição de energia a domicílio de maneira a que a capacidade instalada, no que concerne à distribuição, melhore de acordo com a densidade (populacional) e a necessidade e o consumo de cada cidadão. Por outro lado, nós temos só uma empresa que é a Empresa Nacional de Distribuição de Energia. Devia-se privatizar ou criar outras empresas para poder fazer uma gestão, se calhar até municipalizada, da energia.
DW África: Como interpreta a declaração do porta-voz da ENDE, Pedro Bila, à Angop, de que não podem cobrar 100% quando o abastecimento não foi feito nesta percentagem, ou seja, de que irá baixar os preços das faturas devido às falhas de até 12 horas no abastecimento energético?
DK: Isto é uma forma de falar, mas o que tem ocorrido é que há casas onde não existem contadores de energia no bairro. Ou seja, havendo ou não energia, o consumo não é controlado. Eles procedem à cobrança a partir de um estudo estimativo do consumo médio.
22.03.2017 Angola/cortes no abastecimento de energia - MP3-Mono
DW África: O que falta, afinal, para que o abastecimento de energia elétrica em Angola seja constante e estável?
DK: Políticas sérias. É preciso fazer um estudo apurado e um investimento que de facto vá diretamente para o objetivo a alcançar, porque nós infelizmente quando vamos ver os nossos orçamentos, são valores avultados. Mas em termos de implementação as pessoas não são sérias na aplicação dos fundos. Há desvios das verbas, fazendo com que muitas vezes não se faça o trabalho de acordo com o que foi orçamentado.
As maiores barragens de África
Nilo, Congo, Zambeze: os rios africanos guardam grande potencial para a produção de energia. Os governos reconhecem isso e apostam cada vez mais em megaprojetos. Um panorama das maiores centrais hidroelétricas de África.
Foto: William Lloyd-George/AFP/Getty Images
Grande Represa do Renascimento, na Etiópia
No sudoeste da Etiópia, está a ser erguida aquela que será a maior barragem de África. A construção da Grande Represa do Renascimento começou em 2011 e deve ser concluída em 2017. A barragem localiza-se perto da fronteira com o Sudão, no Nilo, e terá uma potência de 6.000 megawatts (MW). O reservatório será um dos maiores do continente, com capacidade para armazenar 63 quilômetros cúbicos de água.
Foto: William Lloyd-George/AFP/Getty Images
Represa Alta de Assuão, no Egito
A Represa Alta de Assuão é atualmente a barragem mais potente de África. Está localizada perto da cidade de Assuão, no sul do Egito. O lago atrás da barragem pode armazenar até 169 quilómetros cúbicos de água. Seu maior afluente é o Rio Nilo. As turbinas têm uma capacidade de 2.100 megawatts. A construção durou onze anos e a inauguração foi em 1971.
Uma das maiores barragens do mundo está localizada na província de Tete. A hidroelétrica Cahora Bassa, no rio Zambeze, tem uma potência de 2.075 megawatts, pouco menos que a Represa Alta de Assuã, no Egito. A maior parte da energia gerada é exportada para a África do Sul. No entanto, sabotagens durante a guerra civil impediram a produção de eletricidade por mais de dez anos, a partir de 1981.
Foto: DW/M. Barroso
Represa Gibe III, na Etiópia
A barragem Gilgel Gibe III fica 350 quilômetros a sudoeste da capital etíope, Addis Abeba. Foi concluída em 2016 e pode gerar um máximo de 1.870 megawatts, tornando-se a terceira maior barragem em África. A construção durou quase nove anos e foi financiada a 60% pelo Banco de Exportação e Importação da China, China Exim Bank.
Foto: Getty Images/AFP
Kariba, entre a Zâmbia e o Zimbabué
A barragem de Kariba fica na garganta do rio Zambeze, entre a Zâmbia e o Zimbabué. Tem 128 metros de altura e 579 metros de comprimento. Cada país tem sua própria central eléctrica. A estação norte, da Zâmbia, tem capacidade total de 960 megawatts. A estação sul, do Zimbabué, tem capacidade total de 666 megawatts. As obras de expansão em 300 megawatts começaram em 2014 e devem terminar em 2019.
Foto: dpa
Inga I e Inga II na RDC
As barragens Inga consistem de duas represas. Inga I tem capacidade para produzir 351 megawatts e Inga II, 1424 megawatts. Foram encomendadas em 1972 e 1982, como parte do plano de desenvolvimento industrial do ditador Mobutu Sese Seko. Mas, atualmente, atingem apenas 50% de seu potencial energético.
Foto: picture-alliance/dpa
Inga III
Inga I e Inga II localizam-se perto da foz do rio Congo e ligadas às cataratas Inga. O governo congolês já planeia o lançamento de Inga III, com custo de 13 mil milhões de euros e capacidade de 4.800 megawatts. Juntas, as três barragens seriam a central hidroelétrica mais potente de África.
Merowe no Sudão
O Sudão também depende fortemente de energia eólica com duas grandes barragens no país: Merowe no Rio Nilo (na foto) tem uma capacidade de 1.250 MW e foi construída por uma empresa chinesa. Ainda maior é a barragem de Roseires no Nilo Azul, que desde a sua construção em 1966 foi várias vezes ampliada e conta atualmente com turbinas que têm uma potência total de 1.800 MW.
Foto: picture-alliance/dpa
Akosombo, no Gana
A oitava maior barragem de África é Akosombo, no Gana. Construída na garganta do Rio Volta, a represa teve como resultado o Lago Volta - o lago artificial do mundo, com área de 8.502 quilómetros quadrados. As seis turbinas têm uma capacidade combinada de 912 megawatts. Além de gerar eletricidade, a barragem também protege contra inundações.
Foto: picture-alliance / dpa
Represa Tekezé, na Etiópia
Outra represa grande de África está localizada na Etiópia. A barragem Tekeze encontra-se entre as regiões de Amhara e Tigré. Apesar de seus impressionantes 188 metros de altura, a capacidade máxima da hidrelétrica é de 300 megawatts e, assim, apenas um vigésimo da potência da Grande Represa do Renascimento. A represa entrou em funcionamento em 2009.