Mais de 700 mil eleitores da Somalilândia, Estado semi-autónomo da Somália que ainda não é reconhecido internacionalmente, foram às urnas esta segunda-feira. Votação ficou marcada pela suspensão das redes sociais.
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Ao final do dia desta segunda-feira, as autoridades da Somalilândia deram início à contagem dos votos. Muse Bihi do partido no poder, Kulmiye, Abdirahman Iro e Faysal Ali Warabe, da oposição, são os três candidatos à sucessão do Presidente Ahmed Mohamud Silaanyo. Todos são políticos experientes e não há um favorito claro, segundo os analistas.
Embora a política doméstica possa determinar o resultado, o debate sobre o reconhecimento da Somalilândia como um Estado independente é um dos pontos principais nestas eleições. A Somalilândia separou-se da Somália em 1991, quando o país entrou em guerra civil. Desde então, tenta alcançar o reconhecimento internacional sem sucesso e é tratada como uma região autónoma.
Nos últimos 26 anos, as nações africanas e ocidentais sustentaram que a independência tem de passar por negociações com o Governo de Mogadíscio.
Segundo Laura Hammond, especialista do Instituto de Estudos de África e Médio Oriente da Universidade de Londres, “isto é frustrante para a Somalilândia, uma vez que as pessoas consideram que não há, na verdade, um Governo responsável a sul com quem interagir”.
“Porque é que a Somalilândia, que tem, regra geral, vivido em paz e segurança nos últimos 26 anos, deve ser condicionada por um país que não tem sido capaz de gerir os seus próprios assuntos?”, questiona Hammond. Por outro lado, a especialista lembra que há muitos cidadãos do sul que vivem na Somalilândia e vice-versa. “Estas pessoas continuam a ter esperança na unidade nacional”, afirma.
População "tem o direito de determinar” quem governa
Michael Walls, observador-chefe da Missão Internacional de Observação Eleitoral (EOM) para a Somalilândia, defende, entretanto, que as eleições têm significado nacional e internacional, "independentemente de qual seja o status da Somalilândia”.
Eleições Somalilândia - MP3-Mono
Segundo o analista, "a realidade é que as pessoas da Somalilândia ainda estão aqui e ainda têm o direito de determinar quem as governará. A Somalilândia tem um histórico bastante impressionante em termos de estabelecer a paz numa área que é muito difícil e também na realização de eleições com sucesso”.
Com um porto no Golfo de Aden, uma rota marítima anteriormente atormentada pela pirataria e que é fundamental para ligar a Ásia ao Canal de Suez e depois à Europa, a comunidade internacional vê a estabilidade da Somalilândia como importante.
Com a presença contínua de militantes islâmicos na Somália, a crise política no Iémen e o forte domínio do partido no poder na Etiópia, eleições livres são um acontecimento raro no Corno de África. Mesmo na Somalilândia, as eleições foram adiadas por dois anos, após o final do mandato de cinco anos de Ahmed Mohamud Silaanyo, em 2015.
Registo biométrico inédito
Nestas eleições, mais de 700 mil eleitores - ou seja, cerca de 20% da população - foram os primeiros no mundo a registarem-se através do reconhecimento biométrico da retina.
"Há muita fé no registo visual de eleitores. Já não foi manipulado como no passado - com múltiplos registos e assim por diante”, diz Michael Walls. Nesse sentido, acrescenta, "a introdução do novo registo de eleitores tem sido muito útil para melhorar a integridade das eleições”.
Organizações de defesa dos direitos humanos criticaram o Governo pelo corte planeado dos serviços de redes sociais no final do dia da votação. As autoridades justificaram a medida com a necessidade de conter a disseminação de informações falsas. Em abril do próximo ano estão previstas eleições parlamentares na Somalilândia.
Khat: o narcótico que já faz parte da cultura da Somalilândia
A planta narcótica khat está tão profundamente enraizada na cultura local da Somalilândia que se tornou um fator importante na economia da região. Os críticos lamentam os efeitos disruptivos que tem sobre as famílias.
Foto: DW/J. Jeffrey
Sob o efeito da droga
Cerca de 90% dos homens adultos da Somalilândia mastigam khat. Querem sentir o "mirqaan", a palavra da Somália para o efeito que a droga produz, e gastam diariamente mais de 1 milhão de dólares (930 mil euros). "Os meus amigos emprestam-me o dinheiro", diz Abdikhalid quando questionado sobre como pode pagar o consumo se está desempregado. "Quando tiver trabalho de novo, vou retribuir o favor."
Foto: DW/J. Jeffrey
Energético
"Preocupo-me com os efeitos na saúde, mas ajuda-me com o trabalho", conta Nafyar, que trabalha durante a noite. Abdul, um jornalista local, masca khat quando tem um prazo a cumprir. "É melhor do que o álcool porque consegue-se agir normalmente depois", diz, com os dentes e a boca verdes de mascar a planta. "Afeta as pessoas de forma diferente: algumas preferem ler após mascar, outras trabalhar."
Foto: DW/J. Jeffrey
As "mães do khat"
Os clientes costumam comprar o produto às chamadas "mães do khat", mulheres que o vendem em bancas de rua. "Tinha uma loja e um café e comecei a vender khat pois queria expandir o meu negócio", diz Zahre Aidid, que vende esta planta há 22 anos. O negócio corre bem: tem a sua própria banca ao lado de um dentista no centro de Hargeisa; os clientes gastam entre 5 a 10 euros por dia em khat.
Foto: DW/J. Jeffrey
O khat e a guerra civil
"Muitas mulheres entraram no negócio do khat depois da guerra civil, pois era a única forma de sustentarem as famílias", conta Aidid. "Depois de começarem e de aprenderem a gerir o negócio, continuaram. São inúmeras as mulheres que agora vendem khat." Cerca de 20% das mulheres da Somalilândia também mascam khat e o número tende a aumentar. Normalmente consomem-no em privado.
Foto: DW/J. Jeffrey
Camiões do khat
O khat cresce no nordeste da Etiópia, de onde é depois importado em camiões que percorrem as estradas acidentadas através do deserto da Somalilândia. As bancas de venda exibem normalmente um número colorido que identifica o fornecedor, para ir ao encontro das preferências dos consumidores. "Existem cerca de 5 mil números", diz um cliente numa banca de venda com o número de fornecedor 725.
Foto: DW/J. Jeffrey
Implicações económicas
O khat tornou-se uma importante fonte de receitas para o Governo da Somalilândia. Em 2014, o orçamento do país era de cerca de 140 milhões de euros, 20% dos quais do setor do khat, diz Weli Daud, do Ministério das Finanças. Contudo, isso não impede os críticos de condenarem a influência disruptiva que o narcótico tem na vida familiar e de o relacionarem com o despesismo e a violência doméstica.
Foto: DW/J. Jeffrey
As famílias sofrem
"O marido deixa de fazer parte da família e cabe à mulher fazer tudo", diz a conselheira política Fatima Saeed. "Os homens sentam-se durante horas a mascar khat - é muito viciante. Pode causar alucinações, insónias, perda de apetite e outros problemas." Fatima considera que banir o khat não é uma solução realista, mas regular a venda poderia ajudar.
Foto: DW/J. Jeffrey
Muitas pessoas defendem o khat
"O khat une as pessoas, facilita a discussão de vários assuntos e a troca de informações", diz Adbul. "Aqui as pessoas juntam-se, conhecem os vizinhos e sabem quais são os seus problemas". É pouco provável que a Etiópia queira que estes encontros acabem: o país tem receitas de 485 milhões de euros anuais com a venda de khat para a Somalilândia.
Foto: DW/J. Jeffrey
O khat continua
"Não critico porque é o meu negócio", responde Aidid quando confrontado com os problemas que o narcótico causa. Saeed acredita que o atual governo não vai implementar qualquer regulação. A venda continua e os homens desaparecem durante horas a fio para mascarem as folhas de uma planta que os antigos egípcios consideravam sagrada. "Para perceber o khat, tem de o experimentar", diz Nafyar.