Em São Tomé e Príncipe, FMI denuncia dívidas ocultas e outras irregularidades feitas pelo anterior Governo liderado por Patrice Trovoada. Reagindo, Governo atual alerta que próximos tempos vão ser de sacrifício.
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A missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) que realiza uma visita de trabalho ao arquipélago são-tomense até sexta-feira (05.07.) denunciou que a situação macroeconómica do país é deficitária.
A dívida pública atingiu os três porcento do Produto Interno Bruto (PIB), o que excede o indicador de referência estabelecido.
E o chefe da missão, Liu Xiamingui, faz revelações: "Quando estivemos cá, em abril, descobrimos que tinham sido feitas despesas na ordem dos 2% do Produto Interno Bruto (PIB) que não tinham entrado nas contas que nos tinham sido apresentadas anteriormente. Além disso, também descobrimos que o Tesouro tinha autorizado algumas entidades públicas a contrair empréstimos junto dos bancos comercias. Esses empréstimos amontam acima de um porcento do PIB."
"Não podemos continuar a viver na ilusão"
Reagindo às revelações, Jorge Bom Jesus, primeiro-ministro são-tomense, afirma: "Os próximos tempos vão ser de sacrifício, eu não posso esconder esses dados."
De acordo com o FMI, as dívidas ocultas foram contraídas nos últimos quatros anos pelo Governo então liderado por Patrice Trovoada. Contactado pela DW África, a Ação Democrática Independente (ADI), partido liderado por Trovoada, através do seu Gabinete de Comunicação, disse que só irá pronunciar-se quando tiver mais dados sobre a situação.
Os empréstimos junto aos bancos comerciais teriam sido destinados ao pagamento de salários da função pública e funcionamento das empresas públicas - como a de água e eletricidade (EMAE) e a Empresa Nacional de Administração de Portos (Enaport) - além do projeto de construção do novo edifício do Banco Central, entre uma série de despesas que estouraram o nível do endividamento do país.
E Bom Jesus alerta: "Não podemos continuar a viver na ilusão, se queremos ultrapassar este período que chamo de Passos Coelho, para que possamos almejar um momento de António Costa, ou vamos continuar a aprofundar no fosso."
Segundo o primeiro-ministro, só a dívida do Estado são-tomense com a petrolífera angolana Sonangol é de 150 milhões de dólares, cifra equivalente ao Orçamento Geral do Estado de 2019.
No entanto, o Fundo Monetário Internacional recomenda ao Governo a redução do número de funcionários públicos, o fim das subvenções aos combustíveis e propõe o aumento do preço do produto e da taxa de energia para reduzir o nível da dívida.
STP: FMI descobre dívidas ocultas
"Vai ser muito penoso para este povo"
Entretanto, o antigo Presidente são-tomense, Fradique de Menezes, desaconselha a medida. Ele entende que "vai ser muito penoso para este povo, o senhor fazer aumentar a taxa de energia da EMAE e os combustíveis.”
O antigo chefe de Estado distancia-se das dívidas ocultas e sugere que o país recorra a um empréstimo: "Eu tenho aqui a carta. Há dinheiro no mundo, há pessoas que têm dinheiro. A todo momento existem instituições que põem envelopes no mercado, a procura de governos ou grupos que queiram fazer uso desses envelopes."
A preocupação com o endividamento do país é geral. Por exemplo, o empresário Tony Aguiar critica os gastos de algumas empresas públicas, ele recorda que "empresas como Enaport, EMAE, ENASA IMAP, Banco Central vivem como se estivessem num outro país. Não têm nenhuma preocupação com a eficácia, não reduzem os seus trabalhadores que não fazem nada."
Cacau: semente do desenvolvimento de São Tomé
Após a nacionalização das fazendas de cacau, as roças, em 30 de setembro de 1975, a produção diminuiu. Hoje, as roças voltaram a ser privadas e há esperanças que contribuam novamente para o desenvolvimento do país.
Foto: DW/R. Graça
Trabalho na roça começa cedo
Antes do sol penetrar na mata da Roça Olivais Marim, na zona sul de São Tomé, os poucos agricultores já trabalham nas plantações de cacau - principal produto de exportação do país. Após a nacionalização das roças, em 30 de setembro de 1975, a produção diminuiu. A exportação do cacau não passou de 12.000 toneladas/ano. Nos anos 80, a exportação baixou ainda mais, para 3.000 toneladas.
Foto: DW/R. Graça
Má gestão levou a êxodo rural
A nacionalização das fazendas em 1975 deu origem à formação de 15 grandes empresas estatais, que entraram em declínio. A queda da produção do cacau abriu o caminho às privatizações nos anos 90. Porém, muitas terras continuaram improdutivas e iniciou-se um êxodo rural das populações nas zonas das roças. Agora, 2.500 hectares de terras estão a ser desbravadas e reaproveitadas.
Foto: DW/R. Graça
Clima ideal
Agricultora prepara viveiros para reabilitar as plantações abandonadas da Roça Granja. São Tomé e Príncipe possui as condições climáticas favoráveis ao cultivo do cacau: terras de origem vulcânica, solo fértil e boa temperatura. Estatísticas do período colonial revelam que, com apenas 15 unidades agroindustriais numa área de 60 mil hectares, os portugueses chegaram a produzir 36.000 toneladas/ano.
Foto: DW/R. Graça
Raízes brasileiras
Em São Tomé e Príncipe, a cultura do cacau começou na Ilha do Príncipe. Os primeiros cacaueiros, plantados pelos colonos portugueses em 1822, vieram do Brasil. No século XIX, durante o "Ciclo do Cacau", por falta de mão de obra local, os portugueses contrataram trabalhadores de outras colónias africanas – como Angola, Cabo Verde e Moçambique. Muitos tiveram que trabalhar sob condições desumanas.
Foto: DW/R. Graça
Produção biológica de cacau
No interior da Roça Santa Luzia, na Ilha de São Tomé, os tratores adquiridos pela Cooperativa de Exportação do Cacau Biológico (CECAB) regam os viveiros nas parcelas dos agricultores. O cacau é ideal para a produção biológica, pois cresce sob árvores de outras espécies – o que conserva uma maior biodiversidade em comparação com monoculturas de outras plantas como a soja.
Foto: DW/R. Graça
De olho no mercado internacional
O cacau amelonado, variedade proveniente da Amazônia, foi o primeiro a chegar ao arquipélago de São Tomé e Príncipe. Este tipo de cacau é muito procurado no mercado internacional por ter características genéticas de qualidade superior a outras variantes de cacau.
Foto: DW/R. Graça
Recuperação de outras variedades
Produtores de cacau tipo exportação estão a recuperar outras variedades, como o cacau híbrido. O cacaueiro tem folhas longas que nascem avermelhadas e logo ficam de um verde intenso, medindo até 30 centímetros. Seus frutos também podem medir até 30 centímetros de comprimento, apresentando coloração verde, vermelha ou amarronzada e que tendem ao amarelo quando amadurecido o fruto.
Foto: DW/R. Graça
Secagem depois da colheita
A seguir à colheita da fruta dos cacaueiros, é preciso secá-la. No caso da Roça Morro Peixe, a secagem é feita com uso da energia solar natural. Um secador solar construído de madeira e coberto de plástico garante uma boa temperatura para a secagem do cacau, antes de ser embalado.
Foto: DW/R. Graça
Trabalho minucioso
Descendentes de cabo-verdianos, no interior do secador da Roça Santa Margarida, separam o cacau na peneira. Um trabalho minucioso que antecede a embalagem. Estas trabalhadoras fazem parte dos poucos agricultores que resistiram ao êxodo rural em São Tomé e Príncipe. Já no período colonial, uma boa parte da mão de obra das roças veio de Cabo Verde, outra colónia portuguesa.
Foto: DW/R. Graça
Embalar e despachar para a Europa
O último passo antes do processamento e da exportação do cacau é a sua embalagem em sacos. Uma boa parte da produção de cacau de São Tome e Príncipe é exportada para a Europa – principalmente para a França e a Suíça, os dois principais mercados consumidores do cacau de excelência e de fama internacional reconhecida.