Leilão de jovem reacende debate sobre casamento infantil
Simon Wudu Waakhe | cvt
27 de novembro de 2018
Leilão no Facebook de uma jovem de 17 anos no Sudão do Sul gerou revolta entre grupos de defesa de direitos humanos, que querem mudanças nas leis. Incidente viola convenção sobre formas de discriminação contra a mulher.
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Elizabeth Nyalong Angong foi leiloada no início deste mês como noiva e entregue como esposa a Kok Alat, um homem de negócios do país. A cerimónia de casamento foi feita de acordo com as tradições da etnia Dinka. A prática exige que qualquer homem disposto a casar-se deve convencer a família da noiva - que decide sobre o casamento - de que possui as qualidades desejadas, incluindo a capacidade de cuidar da rapariga.
O anúncio publicado pelos pais da jovem - que entregou Nyalong em troca da oferta mais alta: cerca de 500 vacas, três carros e cerca de 8.700 euros - e o envolvimento de funcionários com cargos altos na função pública provocaram revolta entre os grupos de defesa dos direitos humanos.
Leilão de jovem reacende debate sobre casamento infantil
O anúncio do leilão humano só seria apagado pelo Facebook duas semanas após o casamento, o que gerou duras críticas à rede social. Em comunicado, o Facebook assegurou que não admite "qualquer forma de tráfico humano" e informou que apagou a conta da pessoa que publicou o post.
Phillips Anyang, da organização Advogados Sem Fronteiras, diz que o caso colocou em evidência a necessidade de acabar com o casamento infantil no Sudão do Sul.
"O leilão que ocorreu é uma clara violação dos direitos dela, segundo a Constituição e a obrigação que ratificamos na convenção sobre os direitos da criança", sublinha.
Alteração das leis
A Aliança Nacional para Advogados das Mulheres, um grupo de defesa dos direitos das mulheres, diz que o incidente viola a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher e pediu ao Parlamento para alterar e fortalecer as leis que regem os interesses da criança, especialmente das raparigas, e também das mulheres.
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"É totalmente ultrajante, porque rouba às raparigas a liberdade de escolha, o direito de escolher quem ela quiser. Pela forma como o casamento foi conduzido, destruiu totalmente a ideia constitucional do casamento e definição constitucional de família", afirma Robert Badri, que dirige a Badri and Associates, uma agência de direitos que aborda a violência baseada no género no país.
O casamento infantil é comum no Sudão do Sul e raramente é considerado uma má prática pelas autoridades. Na maioria das vezes, políticos e altos oficiais do exército estão envolvidos. No mês passado, uma rapariga de nove anos escapou de ser entregue como esposa a um ex-ministro de Estado que a violou. O agressor, juntamente com alguns membros da família, tentaram pagar dez vacas e o equivalente a 3.500 dólares aos pais da menina.
As lacunas na Constituição e na lei da criança de 2008, que regem os interesses das crianças e das mulheres, tornam-nas fracas para impedir incidentes deste género, diz Robert Badri. "O caso de Nyalong é extremamente difícil, porque a Constituição não é clara. Para se conseguir levar uma questão aos tribunais, é preciso estabelecer muito claramente que tal ato contradiz a nossa lei."
A Constituição do Sudão do Sul não define uma idade mínima para o casamento. Diz apenas que qualquer pessoa que tenha idade para se casar pode constituir família.
Mutilação genital feminina: uma tradição que teima em persistir
A mutilação genital feminina (MGF) persiste em muitos países africanos, apesar de ser proibida oficialmente. Os Pokot, no Quénia, são uma das etnias que continuam a levar a cabo esta prática.
Foto: Reuters/S. Modola
Uma lâmina para todas
Esta lâmina foi usada para mutilar quatro raparigas do Vale do Rift, no Quénia. Para o povo Pokot, o ritual marca a passagem de menina para adulta. Apesar de esta tradição brutal ser proibida por lei, muitas raparigas continuam a ser sujeitas à mutilação genital feminina (MGF), sobretudo em zonas rurais.
Foto: Reuters/S. Modola
Preparativos para a cerimónia
As meninas e mulheres Pokot aquecem-se junto à fogueira às primeiras horas da manhã. Quem não se submete à MGF tem menos hipóteses de casar. A integração das mulheres e a sua sobrevivência económica depende do casamento, principalmente nas áreas rurais. Aquelas que se recusam a participar são renegadas pela sociedade ou até mesmo expulsas.
Foto: Reuters/S. Modola
É impossível dizer "não"
Antes de se proceder ao ritual, as raparigas são despidas e lavadas. Elas sabem de antemão que, tal como as suas mães, vão ter problemas de saúde: quistos, infeções, infertilidade, complicações no parto. A mutilação genital feminina continua a ser praticada em 28 países africanos, na península Arábica e na Ásia. Também há filhas de emigrantes na Europa que são mutiladas.
Foto: Reuters/S. Modola
Espera angustiante
Estas raparigas Pokot esperam pela cerimónia de circuncisão na província de Baringo, no Vale do Rift. O Quénia proibiu a mutilação genital feminina em 2011, 27 por cento das quenianas entre os 15 e os 49 anos foram submetidas a esta prática, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Na maioria das vezes não se usa anestesia e o material não é desinfetado.
Foto: Reuters/S. Modola
Ritual mortífero
Cerimónia de circuncisão: Os Pokot esperam que as raparigas sejam corajosas e não gritem. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), 10% das raparigas morre durante esta cerimónia e 25% morre devido a complicações associadas. Na Guiné-Bissau, metade das mulheres entre os 15 e os 49 anos foi submetida a esta prática, segundo a UNICEF. Na Somália, o número ronda os 98%.
Foto: Reuters/S. Modola
Pedra ensanguentada após o ritual
A forma como se faz a excisão varia de etnia para etnia. Os Pokot fecham a abertura vaginal. A OMS distingue três tipos de MGF: no tipo 1, o clítoris é retirado. No tipo 2, retira-se o clítoris e os pequenos lábios. No tipo 3, a infibulação, os grandes lábios também são retirados e a abertura vaginal é fechada.
Foto: Reuters/S. Modola
Tingir o corpo de branco
Tingir o corpo de branco faz parte do ritual dos Pokot. Em muitos países há campanhas de esclarecimento, para alertar para os perigos da mutilação genital feminina. Mas só lentamente as campanhas dão frutos. No Quénia, há desde 2014 uma unidade da polícia que trata de questões relacionadas com a MGF. Há também uma linha SOS que recebe denúncias.
Foto: Reuters/S. Modola
Trauma para a vida
Após a cerimónia, as raparigas são cobertas com peles de animais e recolhidas para um local onde podem descansar. Na ótica dos Pokot, elas estão prontas para casar e podem receber um dote maior. Alguns povos acreditam que as mulheres submetidas à MGF são mais férteis e fiéis ao seu marido. Quando se faz uma excisão não há volta atrás. Não é possível reverter a mutilação com operações plásticas.
Foto: Reuters/S. Modola
De mãe para filha?
Esta rapariga nunca mais vai esquecer a mutilação. Em alguns países, a excisão é realizada em bebés. Sendo uma prática ilegal, um bebé a chorar dá menos nas vistas do que uma rapariga a sofrer de dores o tempo inteiro.