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PolíticaSudão

Sudão em rota de colisão com a ONU e mais próximo da Rússia

Jennifer Holleis | Kersten Knipp
25 de abril de 2022

O diálogo democrático no Sudão, seis meses após o golpe de Estado, está em risco. O Governo militar tem como novo alvo a missão da ONU no país e apresenta-se cada vez mais próximo de um aliado de longa data: a Rússia.

O general Mohammed Dagalo (dir.) encontrou-se com o chefe da diplomacia russa, Sergey Lavrov (esq.), a 24 de fevereiro Foto: Sudan's Presidential Palace/Handout/AA/picture alliance

Seis meses após o golpe militar, que acabou por afastar o primeiro-ministro Abdalla Hamdok e pôr em funções um Governo militar, o Sudão encontra-se novamente numa encruzilhada.

A probabilidade é cada vez maior de que o processo democrático liderado pela ONU esteja prestes a terminar, e com ele as esperanças da sociedade civil de um Governo sem liderança militar.

Em resposta a um discurso recente de Volker Perthes, o chefe da Missão Integrada de Assistência à Transição das Nações Unidas no Sudão, o general Abdel-Fattah Burhan, e outros membros militares, têm apelado a uma "jihad" (luta) contra Perthes, e ameaçaram "expulsar o representante especial da ONU" do país.

Perthes tinha afirmado que "na ausência de um acordo político para regressar a uma via de transição aceite, a situação económica, humanitária e a de segurança estão a deteriorar-se".

O general Abdel-Fattah Burhan, e outros membros militares, ameaçaram expulsar o representante especial da ONU do paísFoto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance

A ONU apelou oficialmente que termine o "discurso do ódio" no país.

A verdadeira razão por detrás destas discussões acaloradas está a tornar-se cada vez mais evidente. Enquanto os militares do Sudão estão a virar as costas a qualquer possível caminho democrático sob a liderança da ONU, o país tem vindo a aproximar-se silenciosamente do seu aliado autocrático, a Rússia.

Laços políticos e económicos

Nos anos que antecederam a invasão da Ucrânia, o Sudão e a Rússia renovaram os seus laços políticos e económicos.

"De facto, após a cimeira de Sochi com Vladimir Putin em 2017, o ditador de longa data do Sudão, Omar al-Bashir, afirmou que o Sudão se tornaria a chave da Rússia para África", disse Mohammed Elnaiem, um ativista sudanês com sede em Londres, à DW.

Em 2017, os acordos entre o Sudão e a Rússia incluíam a criação de uma base naval russa no Mar Vermelho - um plano que está agora a ganhar ímpeto -, e permitir que uma subsidiária russa do famoso empreiteiro privado Wagner Group exportasse ouro para a Rússia.

Exportações de ouro não registradas para a Rússia ajudaram a aliviar as sanções internacionaisFoto: Ashraf Shazly/AFP/Getty Images

Segundo várias bases de dados, o ouro constitui cerca de 45% do total das exportações do país, oscilando entre 26 e 30 toneladas por ano. Os negócios estão a prosperar, uma vez que as exportações de ouro foram excluídas das sanções internacionais que se seguiram à expulsão de al-Bashir em 2019.

Vários relatórios têm sugerido um aumento das exportações de ouro não registado para a Rússia em aviões privados. Segundo o jornal britânico The Telegraph, o ouro do Sudão ajudou a Rússia a atenuar os efeitos das sanções internacionais na sequência da guerra na Ucrânia.

Politicamente, o Sudão e a Rússia estão também a aproximar-se cada vez mais.

A 24 de fevereiro - o dia em que começou a invasão russa da Ucrânia - Mohammed Hamdan Dagalo, também conhecido como Hemeti, chefe das Forças de Apoio Rápido e vice-presidente do conselho militar no poder, manteve conversações em Moscovo com altos funcionários do Governo russo, incluindo o Ministro dos Negócios Estrangeiros Sergey Lavrov.

"O facto de Hemeti ser um representante do regime sudanês está a causar grande preocupação na sociedade civil, mas presumivelmente também nas forças armadas", diz Christine-Felice Röhrs, da Fundação Friedrich Ebert na capital sudanesa, Cartum, à DW.

Ambas as fações temem, muito provavelmente, que o Sudão possa voltar a cair no mesmo isolamento internacional que assistiu durante o regime de al-Bashir, entre 1993 e 2019.

"Os laços potencialmente mais estreitos com a Rússia fizeram soar o alarme", explica Röhrs.

Mohammed Hamdan Dagalo, também chamado de Hemeti, teria laços estreitos com o Grupo Wagner da RússiaFoto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance

Como Theodore Murphy, diretor para África no Conselho Europeu das Relações Externas, salientou, "Hemeti tem cortejado os russos de forma mais agressiva e eles têm respondido muito positivamente a essas aberturas".

Embora os militares sob a liderança do general Burhan tenham agora receio de serem ultrapassados por Hemeti, Murphy está convencido de que Burhan também estaria aberto a trabalhar com o Kremlin.

Por isso, Murphy vê a sociedade civil como a única "verdadeira proteção contra a influência russa no Sudão, porque a sua ideologia opõe-se a qualquer tipo de papel para a Rússia".

Sociedade sem aliados

Entretanto, a situação para os 45 milhões de sudaneses está a tornar-se cada vez mais difícil. Desde o golpe de outubro, centenas de manifestantes foram mortos pelos militares.

Também os constantes aumentos de preços, as sanções internacionais e a suspensão do financiamento internacional pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional de 2 mil milhões de dólares (1,95 mil milhões de euros) em ajuda agravaram a situação.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e o Programa Alimentar Mundial, os efeitos do conflito, da crise económica e das más colheitas irão provavelmente duplicar o número de pessoas que enfrentam fome aguda no Sudão para mais de 18 milhões de pessoas até setembro.

A sociedade civil tem se manifestado por uma liderança democrática sem os militaresFoto: Ebrahim Hamid/AFP/Getty Images

"Uma garrafa de 10 litros de água potável custa hoje três vezes mais do que há seis meses. Um pacote pequeno de frango custa o dobro. O preço do gasóleo também duplicou, e o do açúcar até triplicou. Num dos países mais pobres do mundo, tudo isto está a tornar-se uma questão de sobrevivência", lamenta Röhrs.

No entanto, nos últimos seis meses, os sudaneses têm vindo a sair diariamente às ruas, apelando a um Governo civil e cantando "Militares, voltem para o quartel".

"Para o povo sudanês, não há maneira de haver uma transição para a democracia no Sudão com os militares envolvidos", sublinha Elnaiem.

É por isso que não apoia a pressão de Perthes para o diálogo, apesar de este ter apelado a um processo democrático. "A sua tentativa é forçar-nos a negociar e, através da negociação, basicamente capitular perante a junta militar e o golpe", justifica.

O ativista descarta um futuro em que a sociedade civil do Sudão pudesse alguma vez aceitar um aumento da influência da Rússia.

"Vamos ter de lutar contra todos aqueles que tentam impedir o povo sudanês de chegar ao ponto de ter um Estado democrático e civil", conclui.

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