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PolíticaSudão

Sudão: Enviado dos EUA acusa militares de agirem de "má-fé"

Lusa | AFP
2 de novembro de 2021

O enviado especial dos EUA para o Corno de África considera que os militares agiram de "má-fé" em conversações mantidas com Washington antes do golpe. Conselho dos Direitos Humanos da ONU vai discutir situação no país.

General Abdel Fattah al-Burhan liderou o golpe e dissolveu o Parlamento em CartumFoto: /AP/dpa/picture alliance

O enviado especial norte-americano para o Corno de África, Jeffrey Feltman, sublinhou esta terça-feira (02.11) que o povo sudanês foi traído com o golpe de Estado de 25 de outubro e pediu a continuação de manifestações civis pacíficas, ao participar numa conferência de imprensa telefónica, a partir de Washington.

Segundo o emissário norte-americano, os EUA mantiveram conversações com os líderes políticos e militares no Sudão, no dia anterior ao golpe, "sobre mecanismos para abordar as preocupações mostradas pelos militares e também as preocupações civis sobre a transição democrática não estar a avançar" após o derrube da ditadura de Omar al-Bashir em abril de 2019.

"Os militares interagiram connosco sobre estes mecanismos, em linha com a declaração constitucional de 2019. Não iria tão longe como dizer que mentiram, mas diria que pareceu que estiveram a falar connosco de má-fé", disse Jeffrey Feltman à imprensa.

"Falaram connosco sobre como responder a preocupações através de meios constitucionais, mas logo que saímos, eles decidiram virar inteiramente a mesa de negociações em favor de um golpe militar", continuou o responsável, que ainda não se deslocou ao Sudão desde a tomada de poder pelos militares na semana passada.

Manifestações populares contra o golpe militar em Cartum, no sábado (30.10)Foto: AFP/Getty Images

"Eles mentiram"

O enviado especial era questionado sobre uma notícia do New York Times, de 29 de outubro, com o título "Eles mentiram", em que o embaixador do Sudão para os Estados Unidos, Nureldin Satti, sustentava que os militares mentiram nas conversações com os parceiros internacionais.

Em 25 de outubro, no mesmo dia do golpe militar no Sudão, os EUA suspenderam o pacote de 700 milhões de dólares (603 milhões de euros) em ajuda militar à transição.

O enviado especial citou o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ao condenar o golpe de Estado no Sudão e ao pedir a libertação imediata de prisioneiros e do primeiro-ministro Abdullah Hamdock, colocado em prisão domiciliária pelos militares.

Feltman referiu ainda que o golpe militar é um "grande revés na trajetória democrática" e disse esperar que os responsáveis percebam que "precisam do apoio internacional" para o desenvolvimento do país.

Ainda assim, para os Estados Unidos, não é viável tentar "marginalizar" os militares da democracia, como os militares não podem excluir a participação civil no processo, porque todas as partes têm uma grande importância na governação do Sudão.

Questionado sobre as eleições prometidas pelos golpistas até julho de 2023, Feltman não se mostrou confiante.

Forças de segurança lamçam gás lacrimogénio contra os manifestantes nas ruas de CartumFoto: AFP

Contradições

Em referência direta ao general Abdel-Fattah al-Burhan, que lidera o golpe militar e dissolveu o Governo e o Conselho Soberano, o mais alto órgão de poder no processo de transição do Sudão, o enviado norte-americano frisou que existe uma grande contradição entre palavras e ações.

"Para todas as suas declarações em favor da declaração constitucional e das aspirações democráticas do povo sudanês, incluindo o desejo de ter eleições, as suas ações fazem o contrário, as suas ações prejudicam a parceria cívico-militar", afirmou Jeffrey Feltman.

Na opinião do responsável norte-americano, "a população civil sente-se queimada" pelo golpe militar de 25 de outubro e precisam de "fortes garantias" para poder voltar a confiar nos militares.

Jeffrey Feltman: "A população civil sente-se queimada"Foto: picture-alliance/Pacific Press/A. Lohr-Jones

O golpe de Estado foi declarado pelo general Abdel-Fattah al-Burhan numa declaração televisiva, ma qual anunciou a instauração de um estado de emergência em todo o país, a dissolução do Governo e do Conselho Soberano, assim como a suspensão de vários artigos do documento constitucional.

"Afirmamos que as Forças Armadas continuam no caminho da transição democrática até à transferência da liderança do país para um governo civil eleito, que realize as aspirações" do povo sudanês, declarou o general.

Direitos humanos

Vários países e organizações internacionais, incluindo a Organização das Nações Unidas, condenaram o golpe e pediram a libertação imediata dos detidos.

Nesta terça-feira, após um pedido de mais de 50 países, incluindo a Alemanha, o Reino Unidos e os Estados Unidos, o Conselho dos Direitos Humanos da ONU convocou uma sessão especial para discutir na próxima sexta-feira (05.11) a situação no Sudão.

"As ações dos militares sudaneses são uma traição à revolução, à transição, e às esperanças do povo sudanês", disse o embaixador britânico Simon Manley no Twitter.

As manifestações, que chegaram a reunir dezenas de milhares de pessoas contra o golpe liderado pelo general Abdel-Fattah al-Burhan, já provocaram a morte de pelo menos 12 manifestantes e ferimentos em quase 300, segundo um sindicato ligado ao setor da Saúde. A polícia sudanesa diz nunca ter disparado munições vivas.

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