Sudão: Impasse entre Junta Militar e sociedade civil
Jennifer Holleis | Kersten Knipp | Lusa
13 de junho de 2022
Ficou adiada e sem uma nova data a segunda ronda de negociações para tentar resolver a crise política no Sudão. Críticos desconfiam da vontade de dialogar e alertam que a crise económica no país está a agravar-se.
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O encontro que estava previsto para este domingo (12.06) não aconteceu porque as Forças de Liberdade e Mudança (FFC) se recusaram a participar nestas negociações. A FFC é um grupo que faz parte da resistência que obrigou os militares a derrubar, em 2019, o então Presidente, Omar al-Bashir.
Entre os ausentes, para além das Forças de Liberdade e Mudança, estiveram também o Partido Umma, o Partido Comunista do Sudão, o Grupo dos Direitos da Mulher, as Associações Profissionais do Sudão e os Comités de Resistência, uma organização-chave na revolta popular de 2019.
O general Abdel Fattah al-Burhan levantou em maio último o estado de emergência que vigorava no país desde que assumiu o poder através de golpe de Estado de 2021.
Formato de diálogo gera críticas
Mohamed Yousif Almustafa, um ativista sudanês, não concorda com o formato de diálogo apresentado pelos militares no poder. "Burhan está a criar confusão no seio da sociedade civil dizendo que há excesso de liberdade, que está a libertar todos os detidos, por isso há motivos para negociações. No fundo o que quer é negociar a sua imunidade pelos crimes que cometeu", diz.
Sudão: protestos contra os militares continuam
02:42
Recentemente, o general Fattah al-Burhan libertou 125 manifestantes. Mas mais de 70 ativistas continuam detidos e cerca de 100 foram motos pelos militares, de acordo com o Comité Central dos Médicos Sudaneses.
Por isso, os ativistas pedem mais seriedade dos militares nas negociações, diz Yousif Almustafa. "Se houver alguma negociação, vamos exigir a Burhan para levar os militares de volta ao seu quartel, sair da arena política e concentrar-se no seu trabalho profissional, ou seja, guardar e defender a Constituição feita pelos civis. É uma das nossas revindicações", sublinha.
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Crise económica agrava-se
As organizações internacionais que servem de mediadoras, sob a coordenação das Nações Unidas, têm apelado a soluções urgentes para "a deterioração da situação socioeconómica desde o golpe de 23 de outubro", acrescentando que "o principal pilar das conversações é garantir que haja apropriação sudanesa das soluções e do caminho a seguir no seu próprio país".
Mohammed Elnaiem, um ativista sudanês com sede em Londres, conta à DW que não confia nas negociações em curso: "A maioria das pessoas, especialmente os ativistas, desconfia bastante destas afirmações [do diálogo], particularmente porque há uma perceção de que a comunidade internacional parece estar a insistir em algum tipo de acordo negociado com aqueles que conduziram o golpe."
Desde o golpe militar em outubro de 2021, quando o exército depôs o governo de transição sob Abdalla Hamdok, e o substituiu por um Conselho Soberano sob domínio militar, os civis têm saído à rua, apelando à democracia e ao regresso dos militares aos quartéis.
Para além das crescentes críticas internas e internacionais, o rápido declínio económico do Sudão terá provavelmente contribuído também para a prontidão de Fattah al-Burhan para as conversações.
Desde a sua declaração do estado de emergência em 2021, a comunidade internacional tem congelado os fundos de ajuda. Como resultado, a dívida nacional disparou e a população de 45 milhões de habitantes enfrenta uma enorme pressão económica. A taxa de inflação média do ano passado foi de 359% e a taxa de desemprego oficial é superior a 30%.
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.