Milhares de sudaneses saíram às ruas, este sábado (13.07), para pedir justiça e lembrar as dezenas de manifestantes que morreram no último dia 3 de junho durante a desocupação da zona de protestos na capital Cartum.
Publicidade
Convocadas sob o lema "Justiça Primeiro", as passeatas aconteceram com manifestantes levando fotografias dos mortos e cantando palavras de ordem como "Não aos assassinos, não aos injustos, justiça primeiro" e "Não te esquecemos, não te esquecemos".
"Viemos para expressar a nossa opinião e transmitir a nossa voz e saudar a memória de nossos eternos mártires", disse o manifestante Mostafa Sayed Ahmed.
"Estaremos nas ruas até que as nossas exigências sejam cumpridas,” acrescentou Osama Iskandar, um jovem manifestante.
Na capital, as manifestações, convocadas pelas Forças de Liberdade e Mudança, uma plataforma de grupos políticos e civis que defendem um processo para democratizar o país, tiveram como destino as casas de algumas das vítimas.
Por sua parte, a Associação de Profissionais Sudaneses exibiu na sua página do Facebook imagens de grandes marchas em várias outras partes do país, como Madani (centro), Sennar (sul) e Al Abyad (oeste).
As Forças de Liberdade e Mudança convocaram as passeatas no último dia 5 de julho, quando foi anunciado que a junta militar - que controla o país desde a derrocada há três meses do ex-presidente Omar al Bashir - e os grupos civis tinham alcançado um acordo para a formação de um Conselho Soberano.
Apesar de que com esse acordo foram suspensos todos os demais protestos, a plataforma manteve a convocação para lembrar os 40 dias do despejo do acampamento e exigir punição para os responsáveis do que qualificam como "massacre".
Massacre a 3 de junho
No último dia 3 de junho as forças de segurança desalojaram violentamente os manifestantes que estavam acampados há dois meses em frente à sede do exército em Cartum para exigir a formação de um governo civil.
Aquela ação deu lugar a vários dias de violência nos quais morreram pelo menos 118 pessoas, segundo a oposição, e 61, de acordo com o Governo, o que rompeu as negociações entre militares e opositores, que só voltaram a conversar após a intermediação da União Africana e da Etiópia.
A junta militar e as Forças para a Liberdade e a Mudança, que aglutina a maioria das forças políticas contrárias ao regime anterior, alcançaram um acordo em 5 de julho para formar um conselho formado por cinco civis, cinco militares e um civil pactuado entre todos.
Ambas partes preparam ainda o texto definitivo do acordo, que deveria ter sido assinado na quinta-feira passada (10.07), mas ainda está pendente de ratificação, algo que poderia acontecer nas próximas horas.
O povo contra o exército - Cronologia da luta pelo poder no Sudão
A evacuação violenta de um campo de protesto na capital sudanesa, Cartum, exacerbou as tensões entre manifestantes e militares. A luta pelo poder documentada em imagens.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Protesto
Durante semanas, manifestantes sudaneses resistiram diante do Ministério da Defesa. Milhares exigiram um conselho de transição que incluísse civis, para poderem também decidir sobre o futuro do país. No início de junho, os militares atacaram violentamente os manifestantes. Dezenas de pessoas morreram.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Em nome da nação
Um manifestante com a bandeira nacional perto do quartel-general do exército. A bandeira representa a exigência dos manifestantes de civis nos comandos para moldarem o futuro do país juntamente com os militares. A acontecer, este seria um passo importante para a democracia.
Foto: Reuters
Sinais de alarme
Os militares aumentaram massivamente a presença nas ruas, nos dias que antecederam o massacre no início de junho. Muitos manifestantes interpretaram a situação como prova de que o exército não queria abandonar o poder. Mas esta tinha sido a grade esperança de muitos sudaneses após a queda do ditador Omar al-Bashir.
Foto: Getty Images/AFP
Uma era chega ao fim
Omar al-Bashir governou o Sudão desde 1993 até sua queda, em abril de 2019. Os seus críticos foram violentamente reprimidos. Para manter o poder, al-Bashir chegou a dissolver o Parlamento, em 1999. Na mesma altura, concedeu asilo ao líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden. Acima de tudo, porém, o seu nome continua associado à guerra sangrenta contra os separatistas na província de Darfur.
Foto: Reuters/M. Nureldin Abdallah
Ditador em tribunal
Ver o ditador em tribunal era um sonho antigo de muitos sudaneses. A 16 de junho, Omar al-Bashir apareceu no processo contra ele instaurado. Para já, é acusado de corrupção e posse ilegal de moeda estrangeira. Depois da sua queda, a polícia encontrou na sua residência sacos de dinheiro no valor de mais de cem milhões de dólares.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Hjaj
As mulheres querem ser ouvidas
Muitas mulheres participaram nos protestos. As mulheres no Sudão sempre beneficiaram de uma liberdade relativamente significante. Agora, não só reforçam quantitativamente as manifestações, como também lhes dão um rosto diferente. A sua presença expressa o desejo de democracia e igualdade de muitos cidadãos.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Ícone da revolução
A estudante de arquitetura Alaa Salah tornou-se a face da revolução. Quando subiu ao telhado de um carro em abril para falar com os manifestantes, um fotógrafo atento fez esta imagem. Desde então, ela tem sido partilhada inúmeras vezes nas redes sociais. Fotos como estas tornaram-se uma parte importante da revolução, porque convidam os cidadãos a identificarem-se com os protestos.
Foto: Getty Images/AFP
Solidariedade internacional
Graças às plataformas sociais online, a notícia dos protestos no Sudão rapidamente correu o mundo. E logo mereceram apoio internacional, como aqui em Edimburgo, Escócia. Recentemente os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia também se fizeram ouvir: "A UE apela ao fim imediato de toda a violência contra o povo sudanês", disseram numa declaração oficial.
No entanto, a oposição ao exército no poder não é consensual. Muitos sudaneses apoiam os militares, porque acreditam que só uma governação autoritária pode conduzir o país a um futuro próspero. Os apoiantes dos militares consideram que o General Abdel Fattah Burhan, presidente do Conselho Militar, representado no cartaz, reúne as condições para cumprir a tarefa.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
À espera
Mas a eminência parda General Mohammed Hamdan Daglu, conhecido por Hemeti, é tido como o homem forte do regime de transição. Daglu comandou a tropa que reprimiu os protestos em frente ao quartel-general militar. Durante a guerra do Darfur, liderou as milícias Janjaweed, que combateram brutalmente os rebeldes. Os manifestantes temem que ele possa vir a ser o novo governante do país.
Foto: Reuters/M.N. Abdallah
O Golfo preocupado
Políticos de outros países árabes também olham com nervosismo para o Sudão. Por exemplo, Mohamed bin Zayad al-Nahyan, o Príncipe Herdeiro dos Emirados Árabes Unidos. Tal como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos temem que o protesto possa ser um exemplo de uma revolução popular bem-sucedida na região, pondo em questão governos autoritários. Ambos os países apoiam os militares sudaneses.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Ministry of Presidential Affairs/M. Al Hammadi
Os vizinhos a norte
Também no Cairo se olha com preocupação para Cartum. O Governo do Presidente Abdel-Fattah al-Sisi receia que a Irmandade Muçulmana possa ganhar influência no Sudão - precisamente o grupo contra o qual o Governo egípcio está a agir com todas as suas forças no seu próprio país. Se a Irmandade Muçulmana se estabelecesse no Sudão, poderia, a partir daí, voltar a exercer uma forte influência no Egito.
Foto: picture-alliance/Photoshot/MENA
Protestos sem fim à vista
No Sudão prosseguem os protestos. No dia 14 de junho, Sadiq al-Mahdi, uma das principais figuras da oposição do país durante décadas, exigiu uma investigação da evacuação violenta do campo de protesto. É algo que não pode agradar aos militares. As tensões poderão voltar a agravar-se.